Daniel Campos

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Encontrados 208 textos. Exibindo página 3 de 21.

02/10/2010 - É lá que eu quero morar

Detrás das montanhas do vento leste, há casinhas coloridas, pintadas com duas ou três demãos de cal, por pintores de aquarela. Lá, as ruas são de pedra e sal e ninguém medra de bandido ou de desconhecido. Lá, a lua volta e meia tem uma queda de pressão, o que a faz cair nos braços de um sol vermelho rouxinol. Lá, há um frescor de menta pelas esquinas e as meninas se vestem de vestidos de algodão. Nessa cidadezinha perdida entre a mata e um riacho, dona Mariquinha raspa a goiabada cascão pregada no fundo do tacho. Lá, nessa terra de amores simplórios, reza-se o responsório ao meio-dia e não há espaço pro esculacho. Reina a rainha poesia. ...
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16/06/2015 - É mentira

Eu nunca fui de fazer poema. Prefiro a realidade ao cinema. Não gosto da lua, tomo banho de sol. Nunca quis subir num farol. Fecho os olhos para as estrelas e nunca perguntei aos alados como faço para tê-las. Fujo do mato. Desacato os bichos. E ao coração apaixonado eu digo sempre: deixa disso.


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12/07/2014 - E não me avisaram

Fecharam as cortinas do teatro da minha vida e não me avisaram. Censuraram o espetáculo do meu amor e não me avisaram. Esvaziaram a plateia de expectativas que me fazia seguir em frente e não me avisaram. Deram às costas ao meu texto sem nada explicar, tampouco inventar qualquer pretexto e não me avisaram. Rasgaram minhas cenas e não me avisaram. Boicotaram meu dueto mais que perfeito e depois meu monólogo, meu prefácio e meu prólogo, e não me avisaram. Roubaram a minha bilheteria, a minha alegria, a minha fantasia e não me avisaram. Queimaram o meu cenário, tiraram-me do páreo, colocaram-me num dia a dia tedioso, trevoso, nada majestoso e não me avisaram. Mudaram meu roteiro e meu letreiro e não me avisaram. Esvaziaram meu cargueiro de emoções, jogaram em mim tantos senões, tomates, limões azedos e medos e não me avisaram. Vaiaram o que eu tinha para oferecer e se calaram por querer e de nada me avisaram. Preferiram deixar meu palco do impossível, do incrível, da entrega de nível máximo para viver o possível do lugar comum e não me avisaram.


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14/02/2015 - É o Caboclo Tupinambá

Quem vem lá, quem vem lá, é o Caboclo Tupinambá. Chega com penas coloridas, vermelhas, amarelas e brancas, num imenso e vivo cocar. Chega impondo respeito, com pouca conversa, e fazendo grande emanação de energia. Chega batendo no peito e bradando seja noite seja dia. É índio, é mata, é cachoeira, é céu, é fé, é caboclo que ecoa como pássaro em tronco oco.

Quem vem lá, quem vem lá, é o Caboclo Tupinambá. Chega vestido de penas, com colares de pedras e dentes. Vem numa luz azulada por vezes esverdeada que limpa tudo de ruim ao seu redor. Vem com desenhos vermelhos e pretos que guardam segredos de seu povo. Vem pra trabalhar pela cura desobsessiva, fazendo limpeza pesada, pondo fim à briga, intriga, figa......
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27/04/2010 - É o circo da vida

Olha. Olha lá. Lá vem vindo o circo dos palhaços tristes, dos equilibristas desequilibrados, das bailarinas descalças. É o circo da vida, de tantas chegadas e despedidas. Olha. Lá vem o circo com lonas rasgadas, com bichos feridos, com salários atrasados. Olha. Olha lá. Lá vem o circo dos leões cansados de apanhar, dos mágicos loucos para acertar um truque, da contorcionista se contorcendo de fome.

Cadê os risos, os aplausos, a pipoca? Cadê a luz, o espetáculo, as arquibancadas cheias? Cadê o circo dos fogos de artifício, dos desfiles na praça, da serragem cheirando à diversão? Olha. Olha lá. Lá vem vindo o circo da vida, de tantas chegadas e despedidas. O que se vê é o circo dos acrobatas do sinal vermelho, dos cavaleiros a pé, dos macacos repetindo as mesmas velhas macaquices. Olha. Olha lá. Lá vem vindo o circo das piadas sem graça. ...
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20/09/2013 - E o coração alado...

E o coração alado finalmente ultrapassou os limites da garganta, marcando a língua portuguesa com seu gosto lírico antes e partir. E o coração alado ganhou a noite, voando entre estrelas de néon e luas de batom. E o coração alado abriu suas asas ao sexo dos anjos por entre nuvens de algodão e céus de crepom.

E o coração alado, para ganhar fôlego para novos vôos, equilibrou-se em sacadas. E o coração alado ultrapassou as fronteiras físicas chegando aos planos da imaginação. E o coração alado passou por canteiros, por borbulhas, por deslizes, por palavras de amor, por espumas ao vento. ...
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16/12/2008 - É o fim do mundo

Li, em algum lugar, que Chico Buarque tem estudado piano clássico, com direito a muito Chopin e Debussy, para limpar a cabeça da música popular brasileira. Dtylouaçqcouhxywsypcr (desculpe leitor, mas não há tradução para o sentimento provocado por tal notícia). Uma das principais pilastras do nosso cancioneiro resolveu dizer bye, bye. E por quê? Ainda não se sabe a causa, mas eu já sei as conseqüências dessa reviravolta. Os pagodeiros do tóxico, as cachorras do funk e a gritaria do axé vão dominar geral. ...
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03/10/2012 - E o meu texto saiu por aí...

O texto do dia sumiu. Depois de arrematado e perfumado, desapareceu sem deixar pistas. Onde eu coloquei esse texto? Eis a pergunta que não me deixava em paz. Não me lembrava de onde havia posto aquelas linhas recém-nascidas. Para mim, elas fugiram pela noite alta. Ainda mais porque sempre tenho o cuidado de dar asas às palavras. Poderiam estar no jardim, no alto de uma árvore, submersas na piscina, no ninho de um pássaro, no piscar de um vaga-lume, na curva da lua, nas garras do vento, nos passos de um baile, na fenda de um vestido......
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15/01/2010 - E outros mios

Pelo sol, você, com um vestidinho mi bemol, sujeita aos assovios e outros mios. A franja do horizonte escorrendo pelo laranja de seu vestido transpassado, fadado aos olhares dos meninos indiscretos que confessam a paixão de modo nada secreto. Até o vento anda soprando mais forte buscando descobrir algo ou alguém. Sua pele morena no contraste do laranja esbanja um brilho diferente, mais apaixonado e quente do que convém. Vem, vem, vem, ò morena dos olhos laranja, dar-me o amor que esbanja.
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22/04/2008 - É popular e preocupante

Deu no jornal: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com um governo aprovado por 55 por cento dos brasileiros, é o sexto presidente mais popular da América. Isso segundo o instituto de pesquisas mexicano Consulta Mitofsky. Mas o que será que é popular? Segundo o popular Elymar Santos, "cachaça antes de jantar, maracanã, banho de mar, subúrbio, cristo redentor, angu, churrasco, guaraná, jogar conversa fora, isso é popular".

Em razão de todo histórico do metalúrgico Luis Inácio, o sexto lugar chegou para meu espanto e também para espanto do próprio Lula. O menino do sertão nordestino, que passou fome, que cortou o Brasil de pau-de-arara, que foi operário, que conhece cada palmo desse chão, que tomou para si a imagem de pai dos pobres... não é tão popular como pensávamos. Nem o programa bolsa-família, que dá uns trocados para os mais necessitados, conseguiu fazer com que Lula figurasse entre os três primeiros. ...
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