Daniel Campos

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Encontrados 33 textos. Exibindo página 1 de 4.

04/02/2016 - Gingado bandoleiro

A sua saia rodou e me atirou no chão. E eu, menino sem jeito, ainda não aprendi a rodar feito pião. A sua saia me enfeitiçou. E sinhá bolinou bem no meu coração. O tambor tocou de madrugada. Mariazinha estava fazendo cocada. O céu serenou em noite estrelada. Sinhazinha estava mal-acostumada. E eu não pude fazer nada. Bota cocô no meu tabuleiro. Raspei o tacho, comi do primeiro ao último do seu pedaço, e o diacho fez do meu coração nó de marinheiro. Jogou para lá e para cá debaixo do cajueiro. Zanzou de lá e de cá pelo braseiro. O céu clareou e aluminou feito lampião. Tinha um bocado de estrela subindo e caindo no chão. Era noite de rojão, fogueira e sedução. A sua saia rodopiou pelo meu corpo inteiro. Eu fechei os olhos e o seu gingado bandoleiro ficou com o meu coração de fevereiro.


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27/01/2016 - Gosto inédito

Por mais que eu ame um filme, jamais consigo vê-lo uma segunda vez. Livros, a não ser que eu tenha esquecido a história, também não gosto de repetir. E se eu esqueci a história é porque não vale a pena ler outra vez. Há tanto a ser visto ou lido que não me conformo em perder tempo vendo o mesmo do mesmo. Passo longe do Vale a Pena Ver de Novo. Música boa já ouço mais de uma vez, no entanto, nunca na mesma sequência e sem necessidade de haver imagens. Ou seja, DVDs também vejo, com atenção, apenas uma vez. Nas seguintes, o DVD vira CD. Se puder, jamais faço o mesmo caminho, a mesma viagem, a mesma ordem das coisas. Repetindo o prato principal hei de mudar, ao menos, os acompanhamentos ou a apresentação. Há de haver algo diferente, novo, inédito. Por isso, considero a vida mágica: nascemos, vivemos e morremos sempre de um jeito único. Podemos ter inúmeras reencarnações, mas as formas como chegamos ao mundo, como interagimos com ele e nos despedimos se diferem das anteriores. E o amor? Nunca se ama da mesma maneira. Os beijos, as ligações, o sexo têm identidade própria. E por mais que amanhã vamos amanhecer aparentemente igual hoje, seremos diferentes. Estaremos mais velhos por dentro e por fora e isso conta. O dia é novo e nós também. Quando nos dermos conta disso o mundo será diferente e a vida completamente mágica. O “eu-hoje” morre hoje. Amanhã, serei outro eu. E com isso um reino de possibilidades se abre ao meu favor. A orquídea floresce uma vez por ano e a cada floração, por mais idêntica que possa parecer, as flores são diferentes. O trem que parte não é o mesmo que chega. A goiaba do mesmo pé, inclusive da mesma galha, nunca tem o mesmo sabor. O sorriso sempre tem uma envergadura diferente, assim como a intensidade do olhar. A coloração do céu se altera sem que percebamos. O mundo roda e gira sem parar alterando sem que atentemos para os detalhes causados por esses giros e rodopios. O mar nunca produz a mesma onda. Luas e sóis nunca são os mesmos. O sol que se põe jamais retorna ao céu. A lua nova é literalmente nova, porém cada minguante, crescente e cheia também são novas cada vez que despontam. Pode seguir uma receita à risca, um bolo, uma torta, um pudim nunca ficam iguaizinhos ao passado. Algo pode ser muito parecido, nunca igual. Por isso, amo os vira-latas que na mesma cria trazem exemplares tão diferentes uns dos outros. O espaço muda a todo instante. Num piscar de olho tudo já não é como foi anteriormente. O tempo está agindo, transformando, evoluindo tudo e todos de forma constante, permanente e incorruptível. Ninguém dobra o tempo, mas, querendo ou não, de uma forma ou de outra, dobramo-nos a ele e badalamos como relógios que se atrasam, adiantam e acertam o horário às vezes. Perfeito mesmo, em sua precisão, só o tempo. Nós, inéditos a cada fração de segundo, vamos buscando o novo quando o novo já está em nós, ou melhor, já somos nós.


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13/11/2015 - Grife ainda...

Não vou mais ao cinema. Não peço mais pizza nem guaraná. Não compro nada sem antes consultar os teoremas. Não voo mais. Não ando demais pra não achar pedágio. Não ligo o rádio, escuto de graça o sabiá. Não compro mais livros. Não como uma colher a mais do que me mantém vivo. Não sei mais o que é um banho de rei. Não passo nem perto do teatro pra não cair na tentação de espiar ao menos um ato. Não compro mais camisa, meia ou calça. Não pago para andar na praça. Não tomo mais café. Não custeio a minha fé. Não aposto mais em jogos de azar. Não me dou ao desfrute sequer um torresmo de bar. Não tenho ar condicionado. Não tenho outra viagem senão para o meu passado. Não me rendo às grifes. Não me vendo ainda, grife ainda.... ...
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09/08/2015 - Garimpagem divina

A pedra da criação foi rompida pela mão de um deus garimpeiro que se atreveu a romper a vida petrificada. O garimpo da curiosidade levou à abertura da caixa que antecede Pandora. Deus só se fez deus ao abrir a caixa, antes era apenas um viajante do espaço, um solitário ser em busca de suas completudes. E o homem, em retribuição à liberdade, acabou adorando eternamente o deus que em sua garimpagem de amor criou o mundo. Deus foi preenchido pela humanidade, que, mesmo inconscientemente, procuram deus a todo instante para continuar sendo carne e não pedra. E deus segue garimpando para não perder os pedaços de gente que acabaram se misturando ao seu ser supremo.


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18/07/2015 - Guardação

O que você guarda no fundo das suas gavetas? O que você sucumbe sob sua cama? O que você armazena atrás do seu armário? O que você empurrou para debaixo do tapete? O que você colocou no esquecimento? O que você segreda pelos cantos? O que você deposita no seu baú? O que você mantém em seu sótão? O que você abandonou no seu porão? O que você enterra? O que você esconde? Do que você se desfaz não se desfazendo? O que você jogou fora dentro de você?


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24/05/2015 - Galo do dia

Ainda com os véus escuros da noite tomando conta dos sete céus, o galo que brilha avermelhado, ainda com os olhos de sono, suja seus pés na terra orvalhada em busca do melhor lugar para cantar. É como o artista a procura do palco perfeito. O seu público ainda dorme. As galinhas estão quietas no poleiro. As chocas estão acomodadas nos ninhos. As que já picaram estão cobrindo os pintinhos. O lavrador aproveita cada segundo de sono para se recuperar da última lida e sonha com chuva para plantação vingar. A camponesa está num baile, num vestido de tantos brilhos, dançando entre estrelas... ao menos no sonho. Os meninos dormem como se nunca mais fossem acordar. O cachorro perdigueiro dorme na porta da casa como que vigia entregue ao sono. Os porcos estão mergulhados na lama em sonhos porcos. O gado dorme junto para enfrentar a friagem. O ar frio que desce branqueando árvores e telhados desencoraja os pássaros que já despertaram. Mas o galo, de porte nobre, pensa mais no seu reino do que em si próprio, escala um pé de urucum, galho a galho, e a certa altura pula pra beira da primeira telha que cobre o galinheiro e lá, cisca como que tirando faísca, estufa o feito, olha pra cima como que querendo trazer um sol que ainda não há, bate as asas, e canta para acordar o mundo. O lavrador olha pro tempo e coloca as botas. A camponesa assopra as brasas para coar o café. A filharada reclama pra sair da cama. A passarada regozija pelos ares e galhas. Os porcos rolam. A galinhada cisca. O gado pasta. O bezerro dá cabeça na ubre da mãe. E o galo vai assistindo o seu espetáculo, pois o seu papel embora de protagonista é breve: abrir as cortinas pro dia passar.


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01/04/2015 - Garapa

Depois da tradicional macarronada com aquele bife esfregado no fundo da frigideira, com direito a refrigerante de maçã e pudim de padaria feito em casa, dona Ofélia nos levava para o quintal de sua casa que mais parecia um bosque, com direito a um pouco de tudo, de pitangueiras a pessegueiros, de macieiras a pés de erva-doce, de coqueiros a salsinhas, de gengibres a jabuticabeiras, de mimos de todas as cores a hortênsias, de violetas a orquídeas, de cebolinhas a tomatinhos, de arrudas a poejos, de folhagens a ramas, achávamos feixes da mais doce cana-de-açúcar. Seu Antônio ficava só olhando, meio que fazendo sala com a família, enquanto sua mulher há mais de cinquenta anos passava a mão no facão amolado na pedra e desbastava aquela cana arroxeada. Em tempo, tiramos de um quartinho cheio de tralhas, que pertenciam à coleção de achados e perdidos de seu Antônio, um pequeno engenho pintado de verde claro. E daí começava a brincadeira para moer aquela cana extraindo a mais pura garapa, cujo cheiro atraia abelhas e beija-flores. Os copos eram distribuídos para quem se aconchegava num banco de Kombi ou num improvisado feito de saca de cimento endurecido, ou ainda em cadeiras de madeira do tempo da bisavó. A festa valia a bagunça, de modo que todos, naquela simplicidade, ficavam satisfeitos com o pouco que na verdade era muito.


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08/03/2014 - Graças a mulher amada

Quando estou perto da mulher amada tudo faz sentido mesmo o que não há sentido. O que não tinha cor imediatamente ganha tonalidades vívidas. Detalhes, até então ignorados, são percebidos e louvados. E em poucos segundos surge um turbilhão de vontades que se rende a um olhar bobo apaixonado. Queria correr, saltar, voar, fazer estripulias e acrobacias, mas fico ali abobado de tanto amar. E me sinto irremediavelmente bem em sentir esse abobamento. Depois dos trinta, coloco-me a reviver a adolescência e até a infância sob a luz desta mulher que nasce a cada segundo na certeza de ser eterna. Sem cerimônia, o amor vai acontecendo de modo que tudo em mim se refestela. Há brilhos por todos os lados. O amor é dito de forma explícita ora por palavras ora por silêncios. Sonhos e mais sonhos, uma multidão deles, pede-me para – com ela – ser sonhados em primeiro lugar. E depois de tantos anos de vida ainda consegue com uma facilidade extrema me fazer sentir uma série de sensações inéditas. E o melhor é que tudo o que é imaginado é possível de ser vivido, pois o amor, suas causas e conseqüências.


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31/05/2013 - Geadaria

O lavrador levou as mãos à cabeça e chorou no silêncio dos cristais. A mulher fez um café mais forte do que de costume. O menino pediu pra faltar à escola. O galo cantou atrasado e rouco. A senhorinha buscava se esquentar a todo custo no rabo do fogão. Os pássaros abriam suas asas resfriadas ao sol. A menina se encolhia na cama. A filha pedia à mãe mais e mais cobertas. O carro não quis funcionar. O velho reclamou da volta do reumatismo. Olhos entanguidos de frio por todos os lados. A criança perguntou se aquilo tudo lá fora era sorvete. A água do riacho envidrou. A galinha choca havia perdido seus ovos, pois não deu conta de esquentá-los. O vento ainda tinha o perfume da geada trazida pelas ondas do sul. ...
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09/05/2013 - Gira da Pomba Gira

Pomba Gira gira a roda da minha vida para me trazer saúde. Pomba Gira dos olhos amiúdes roda na minha gira para me dar prosperidade. Pomba Gira me fale dos caminhos com o seu Tranca Rua. Pomba Gira, rainha que o astral cultua, toma de conta de todos os meus dramas. Pomba gira, dama do carteado, dê uma cartada certeira no rumo da minha sorte.

Pomba gira, dona da encruzilhada, coloca a minha vida no prumo que eu lhe pago com minha morte. Pomba gira das cigarrilhas e do champanhe traz o bem, leva meu mal. Pomba gira do roseiral vermelho abre a minha gira dando luz a minha jornada. Pomba gira, que tem o coração de sabiá, canta para me libertar da invernada levando-me por suas calungas....
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