Daniel Campos

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31/05/2013 - Geadaria

O lavrador levou as mãos à cabeça e chorou no silêncio dos cristais. A mulher fez um café mais forte do que de costume. O menino pediu pra faltar à escola. O galo cantou atrasado e rouco. A senhorinha buscava se esquentar a todo custo no rabo do fogão. Os pássaros abriam suas asas resfriadas ao sol. A menina se encolhia na cama. A filha pedia à mãe mais e mais cobertas. O carro não quis funcionar. O velho reclamou da volta do reumatismo. Olhos entanguidos de frio por todos os lados. A criança perguntou se aquilo tudo lá fora era sorvete. A água do riacho envidrou. A galinha choca havia perdido seus ovos, pois não deu conta de esquentá-los. O vento ainda tinha o perfume da geada trazida pelas ondas do sul.


A noiva adiou o casamento. O avô fez uma fogueira no quintal para aproveitar a noite seguinte. As folhas das árvores queimaram sem que houvesse fogo. O orvalho cobria a tudo e a todos como uma espécie de mortalha. O cavaleiro disse que o relento estava de cortar as carnes. A maioria dos insetos não resistiu. Os namorados utilizaram a geada como desculpa para ficarem ainda mais colados um ao outro. O cachorro ganhou roupa. A mata, olhando da janela, parece ter ganhado um banho de cal. O gado amanheceu amontoado para quebrar a friagem. O gelo rebrilhava às primeiras notas de sol. A roupa no varal ficou dura, como se tivesse goma. O violeiro se encheu de inspiração para novas canções diante da paisagem embranquecida, forrada com cristais de gelo que pareciam diamantes caipiras.


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