Daniel Campos

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27/01/2016 - Gosto inédito

Por mais que eu ame um filme, jamais consigo vê-lo uma segunda vez. Livros, a não ser que eu tenha esquecido a história, também não gosto de repetir. E se eu esqueci a história é porque não vale a pena ler outra vez. Há tanto a ser visto ou lido que não me conformo em perder tempo vendo o mesmo do mesmo. Passo longe do Vale a Pena Ver de Novo. Música boa já ouço mais de uma vez, no entanto, nunca na mesma sequência e sem necessidade de haver imagens. Ou seja, DVDs também vejo, com atenção, apenas uma vez. Nas seguintes, o DVD vira CD. Se puder, jamais faço o mesmo caminho, a mesma viagem, a mesma ordem das coisas. Repetindo o prato principal hei de mudar, ao menos, os acompanhamentos ou a apresentação. Há de haver algo diferente, novo, inédito. Por isso, considero a vida mágica: nascemos, vivemos e morremos sempre de um jeito único. Podemos ter inúmeras reencarnações, mas as formas como chegamos ao mundo, como interagimos com ele e nos despedimos se diferem das anteriores. E o amor? Nunca se ama da mesma maneira. Os beijos, as ligações, o sexo têm identidade própria. E por mais que amanhã vamos amanhecer aparentemente igual hoje, seremos diferentes. Estaremos mais velhos por dentro e por fora e isso conta. O dia é novo e nós também. Quando nos dermos conta disso o mundo será diferente e a vida completamente mágica. O “eu-hoje” morre hoje. Amanhã, serei outro eu. E com isso um reino de possibilidades se abre ao meu favor. A orquídea floresce uma vez por ano e a cada floração, por mais idêntica que possa parecer, as flores são diferentes. O trem que parte não é o mesmo que chega. A goiaba do mesmo pé, inclusive da mesma galha, nunca tem o mesmo sabor. O sorriso sempre tem uma envergadura diferente, assim como a intensidade do olhar. A coloração do céu se altera sem que percebamos. O mundo roda e gira sem parar alterando sem que atentemos para os detalhes causados por esses giros e rodopios. O mar nunca produz a mesma onda. Luas e sóis nunca são os mesmos. O sol que se põe jamais retorna ao céu. A lua nova é literalmente nova, porém cada minguante, crescente e cheia também são novas cada vez que despontam. Pode seguir uma receita à risca, um bolo, uma torta, um pudim nunca ficam iguaizinhos ao passado. Algo pode ser muito parecido, nunca igual. Por isso, amo os vira-latas que na mesma cria trazem exemplares tão diferentes uns dos outros. O espaço muda a todo instante. Num piscar de olho tudo já não é como foi anteriormente. O tempo está agindo, transformando, evoluindo tudo e todos de forma constante, permanente e incorruptível. Ninguém dobra o tempo, mas, querendo ou não, de uma forma ou de outra, dobramo-nos a ele e badalamos como relógios que se atrasam, adiantam e acertam o horário às vezes. Perfeito mesmo, em sua precisão, só o tempo. Nós, inéditos a cada fração de segundo, vamos buscando o novo quando o novo já está em nós, ou melhor, já somos nós.


Comentários

27/01/2016, por Etel:

Muito lindo


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