Daniel Campos

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Encontrados 86 textos. Exibindo página 8 de 9.

15/03/2016 - Foram me chamar

Foram me chamar pra roda de samba, mas o couro do meu tamborim rasgou. Foram me chamar pra seresta, mas das sete cordas do meu violão uma arrebentou. Foram me chamar pra lavagem da escadaria da Senhora das Guias, mas, fia, com todo respeito, não estou num bom dia. Foram me chamar para pescar, mas meu coração já estava fisgado num anzol bem amarrado. Foram me chamar para o festejo, mas cadê meu realejo? Foram me chamar para assistir os fogos de artifício, mas prefiro as luzes que vejo explodindo no fundo dos meus olhos de hospício. Foram me chamar para raspar o tacho, mas minha colher a correnteza levou rio abaixo. Foram me chamar para dar colo e daí santo nenhum me segura, rezo à loucura e logo me embolo.


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20/01/2016 - Força maior

Não vendo mais champanhe em seu copo ela saiu bebendo estrelas. Tropeçou em paralelepípedos portugueses achando que se enroscava nas pernas de Fernando Pessoa. Trocou versos com a noite escura e saiu pela lua como se nela pudesse vê-la. Andou, girou, cantou e amou bêbados, mendigos e prostitutas como se amasse os seus. E ao olhar para o mar de ressaca viu o reflexo de Deus no seu rosto marcado de tanto apanhar, e se dar e se machucar por acreditar no outro. Foi, sem querer, entrando num conto solto e sem final, entre a realidade e o surreal. Quando o sol deus as caras ela estava sem salto, sem vestido, no asfalto, despida e desprovida de qualquer lembrança. Era apenas uma criança crescida chorando e se buscando com gemidos ecoando em seus ouvidos.


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19/01/2013 - Fornalha

O coração, como uma fornalha, vai queimando dia após dia tudo o que sou, o que espero, o que fui, o que sinto, o que quero. Meu coração queima o que minto, o que finjo, o que escondo com a mesma veracidade com que minha realidade é queimada. Nesse forno, queimo minha obra, minhas cobras e lagartos, minhas sobras. Os sonhos vividos ou não alimentam as labaredas. Ora essa queimação resulta num calor sem precedentes que extrapola os graus Celsius ora traz um frio latente. Ora transformo-me nessa fornalha, sendo engolido por ela, ora ela é apenas uma fogueira adolescente num campo deserto do meu eu....
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Fósseis de verão

Caminhões caçamba se enfileiravam nos desfiladeiros da construção. Ou melhor, da desconstrução. A terra, vermelha, batida, úmida pelo suor do centro da terra ou pela promessa de chuva. Duas escavadeiras espichavam seus braços longos e amarelos e quase se abraçavam. Em uma delas, uma concha. Em outra, uma broca. Ao redor delas, trabalhadores com chapéus alaranjados se movimentavam como formigas. E naquele labirinto de trilhas que rodeava o que ainda restava de concreto armado, caminhava desarmada uma menina. ...
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Fotografia de conhaque

Um leve toque na campainha. Parece não haver ninguém em casa. O olhar se confunde nos riscos do relógio. Suspiros. A campainha soa novamente. O som percorre cada milímetro da vida que adormece lá dentro e não traz resposta alguma. As mãos pensam em bater na porta, mas desistem na metade do caminho. Mais uma vez, os ponteiros e os riscos do relógio. Mais suspiros.

Balança a cabeça em sinal de desconsolo. Sem mais esperas, pega a chave no bolso. Disfarça. Um sorriso fechado. Um cumprimento tímido ao casal do apartamento da frente. Um casal que segue de mãos dadas. Por um instante, o olhar acompanha os enamorados, noutro se enche da areia daquele imenso deserto. Um deserto solitário, sem camelos ou odaliscas. Sem querer, assusta-se com os próprios pensamentos e os olhares se perdem no corredor vazio. ...
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17/12/2013 - Frente a frente

Frente a frente, face a face, cara a cara... Frente a frente, palmas nas palmas, olhos nos olhos, boca na boca... Frente a frente como se não houvesse lado ou costas, só frente. Frente a frente com o tempo, com o momento, com o sentimento. Frente a frente, espelhos e profecias. Frente a frente, ação e reação. Frente a frente, anjos e demônios. Frente a frente, respiração e inspiração. Frente a frente, linhas e destinos. Frente a frente sem espaço para sombras. Frente a frente, hojes e amanhãs. Frente a frente, botões e casas. Frente a frente, sonho e fantasia. Frente a frente, duas metades. ...
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20/05/2013 - Friagem

O galo, nos amanheceres gelados, chega a cantar rouco. A cama repleta de cobertas fica ainda mais difícil de ser deixada em manhãs assim. Até os pássaros, que gostam de refestelar o clareamento dos céus, demoram mais a sair dos ninhos. O estômago pede por bebidas e comidas quentes. Os pratos precisam levantar fumaça para agradar os olhos. As roupas pesadas ganham a moda das ruas e, até, dos quartos. As fogueiras de São João são como estrelas caipiras no chão.

O vento, em tons de inverno, corta os ares de outono levando os mais carentes a pedir colo. Os restaurantes ganham em charme e requinte. As palavras ficam mais intimistas. É travada uma verdadeira guerra contra o chuveiro, que insiste em não esquentar o desejado. O calor humano torna-se a principal pedida gerando uma epidemia de namoros. O coração tenta se agasalhar como pode. A friagem, em feitio de noiva, segue por dias e noites afora com um buque de flores de São João.


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10/08/2015 - Frutaria

Morango com tango. Manga que sangra. Kiwi de bem-te-vi. Carambola que embola. Uva de chuva. Goiaba com abracadabra. Uvaia de saia. Laranja de franja. Caju sem frufru. Graviola da viola. Pera na ladeira. Maçã do amanhã. Tamarindo que lindo. Lima com rima. Tangerina de menina. Cupuaçu Hindu. Romã do Vietnã. Cereja quem beija. Amora que chora. Melão em procissão. Melancia que mia. Abacaxi que ri. Ingá que assovia.


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26/03/2010 - Frutas, flores ou cera

Bodas de frutas, flores ou cera. Quatro anos degustando os sabores de sua carne e alma frutificadas. Quatro anos perfumando-me na aquarela de suas flores mil. Quatro anos amando-te com a mesma fé que escorre da cera de uma vela em chama aos pés do altar. Quatro anos de muito gosto, cor e fogo. Quatro anos de muito apetite, delicadeza e luz. Quatro anos de muito amadurecimento, plantio e crença. Crença no improvável, no impossível, no interior das coisas.

Foram poéticas tão caudalosas como manga rosa. Foram beijos de flores carnívoras. Foram romantismos se desenvolvendo a luz de velas. Foram momentos doces como a última jabuticaba de uma árvore negra. Foram instantes de plena primavera. Foram noites vivendo o prazer face à penumbra de dois corpos e mil anjos. Foram romances de estação, afrodisíacos e, quiçá, importados. Foram saudades sempre-vivas. Foram mel, zangões, rainhas e cera. ...
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26/01/2016 - Frutos da insaciedade

Um só amor não basta à mulher que carrega o coração oco no peito. E vai tentando ter árvores cada vez mais altas e vistosas, floridas e carregadas de fruto, mas caindo sempre pelo machado da ilusão vê em sem meio a tocos. As paixões que vai buscando a todo custo se alastram feito queimada devorando tudo, devastando seu mundo. Ela mesma, na sua insaciedade, consome todo e qualquer sonho. É árvore, mas também é a formiga, o formigueiro, que corta suas folhas. É árvore, mas também é a broca que fere o seu tronco e, sem que ninguém perceba, mata o seu cerne. É árvore, mas também é a mosca que apodrece seus frutos, o vento que derruba suas flores, a enxurrada que desterra suas raízes. Podia ter uma arvorezinha linda e firme, mas quer ter várias árvores em um só tronco, mais frutos do que suportam seus galhos, flores tantas e complexas que um só pássaro não consegue fecundar. E com isso acaba se extinguindo antes de se perpetuar. ...
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