Daniel Campos

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Encontrados 150 textos. Exibindo página 4 de 15.

Não deu tempo

Nuvens grávidas de escuridão. Entre lagos, a esperança vestia as arquibancadas e se misturava à torcida pela chuva. Intimidado, o vento soprava calado diante do ronco dos motores. Eram graves e agudos invadindo os ouvidos. As capas de chuva eram colocadas e tiradas como o ritual de uma dança indígena. O céu de enchia das ameaças de relâmpagos. Mas, por alguma maldição, o deus da chuva foi aprisionado. A previsão dos meteorologistas e as ameaças dos céus estavam demorando demais para vingar. Os olhos nus pediam a ajuda de binóculos para ver se enxergavam algum vestígio de nuvem molhada perdido no horizonte. Rezava-se. Implorava-se. Angustiava-se. Faltavam onze voltas quando ele entrou na reta dos boxes com o pé embaixo. Os olhos de caçador gritaram por aquele ataque cego à curva. De repente, um trovão seco ecoa pelos céus. Uma saída de traseira faz com que todo o azul do FW 116 ficasse de costas para meus olhos nublados. Ayrton Senna não conseguiu esperar pela chuva.


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17/07/2014 - Não deu tempo, Valentina

Não deu tempo de eu falar numa canção de ninar o quanto sonhei que os sorrisos de mãe e filha fossem iguais. Não deu tempo de você rir da minha cara de bobo assim como fazia sua mãe. Não deu tempo de você se orgulhar das histórias de amor que esse seu pai iria lhe contar. Não deu tempo de você engatilhar em minha direção e se sentir segura em meus braços feito sua mãe. Não deu tempo de eu desejar que você tivesse os olhos, as mãos, os pés, as pintinhas de sua mãe. Não deu tempo de eu ver você crescer na barriga que tanto me encanta. Não deu tempo de lhe contar em segredo boa parte das minhas loucuras apaixonadas. Não deu tempo de eu ganhar uns tabefes de sua mãe por lhe introduzir numa alimentação nada saudável. Não deu tempo de eu assoviar seu nome entre as cordas do violão que já chamou tanto por sua mãe. Não deu tempo de eu lhe ensinar a ler meus versos, poemas que desejei escrever pelo corpo de sua mãe. Não deu tempo de lhe vestir de rosa e tiara de diamantes, afinal filha de princesa, princesa é. Não deu tempo de lançar beijos aos olhos de sua mãe tendo você entre nós na cama. Não deu tempo de lhe dar um banho de ouro, tampouco uma chuva de pérolas. Não deu tempo de você descobrir o quanto sua mãe é digna de ser amada. Não deu tempo de você conhecer a teimosia de sua mãe. Não deu tempo de você me chamar de herói. Não deu tempo de eu levar junto a mim a miniatura de sua mãe. Não deu tempo de eu levantar da cama atendendo ao seu choro na ponta dos pés para não acordar sua mãe. Não deu tempo de lhe aconselhar sobre o amor. Não deu tempo de lhe presentar com uma coleção de bonecas inspiradas na sua mãe. Não deu tempo de lhe mimar sem deixar jamais de mimar sua mãe. Não deu tempo de eu ver qual a cor do primeiro esmalte que pintaria suas unhas. Não deu tempo de entrelaçar minhas mãos nas mãos de sua mãe durante seu parto. Não deu tempo de ficar contando dia após dias mais ela a sua chegada. Não deu tempo de embalar seu sono rumo ao mundo dos sonhos onde eu sempre vivi com sua mãe. Não deu tempo de lhe falar o quanto sua mãe me fez esperar. Não deu tempo de lhe contar nada sobre as estrelas que sua mãe me fez conhecer tão bem. Não deu tempo de lhe perfumar da primeira essência que encontrei em sua mãe. Não deu tempo de eu lhe levar de mãos dadas a reinos encantados onde sua mãe habita com desenvoltura. Não deu tempo de alegrar o seu choro. Não deu tempo de assim como sempre busquei fazer com sua mãe trazer pra mim todas as suas dores. Não deu tempo de não levar tudo tão a sério e me permitir a brincar com você. Não deu tempo de ouvir as ideias criativas de sua mãe para decorar seu quarto. Não deu tempo de lhe fazer surpresas (sua mãe certamente lhe contaria que eu adoro surpresas). Não deu tempo de saber quem seria mais menininha, você ou sua mãe. Não deu tempo de dizer que você tem a mais linda mãe desse mundo. Não deu tempo de você descobrir que é filha de um anjo torto. Não deu tempo de lhe dizer que nossa família está além do tempo. Não deu tempo de saber qual tatuagem sua mãe faria em sua homenagem. Não deu tempo de ver sua mãe dar o braço a torcer no assunto maternidade. Não deu tempo de você protagonizar capítulos do romance que lhe geraria. Não deu tempo de eu lhe ensinar que o impossível é possível. Não deu tempo de você se alimentar daqueles seios de devaneios. Não deu tempo de você ser uma bichinha preguiça tal qual sua mãe. Não deu tempo de lhe ver como espelho da sua mãe. Não deu tempo de ter com você um mundo tão próprio como com sua mãe. Não deu tempo de lhe colocar no balé. Não deu tempo de você me chamar de afoito. Não deu tempo de eu ceder a sua birra como me acostumei a fazer com sua mãe. Não deu tempo de despertar de uma vez em sua mãe o desejo de ter você. Não deu tempo de a gente ter na mesma intensidade por um tempo a mais esse querer. Não deu tempo de não lhe perder, de não lhes perder. Não deu tempo de você dizer as suas amiguinhas "sou filha de um amor de conto de fadas".


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25/05/2013 - Não duvide de deus

Pelo sim pelo não, não duvide do deus que castiga. Do deus que briga. Do deus que obriga. Do deus que surra. Do deus que urra. Do deus que quer. Do deus mulher. Do deus pagão. Do deus perdão. Do deus angelical. Do deus fatal. Do deus proibido. Do deus falido. Do deus sombrio. Do deus frio. Do deus ameno. Do deus terreno. Do deus luz. Do deus cruz. Do deus inesperado. Do deus passado. Do deus tarado.

Pelo sim pelo não, não duvide do deus da morte. Do deus da sorte. Do deus do certo. Do deus do deserto. Do deus das escrituras. Do deus das loucuras. Do deus do prazer. Do deus do poder. Do deus da maldade. Do deus da crueldade. Do deus do pecado. Do deus do inusitado. Do deus da misericórdia. Do deus da concórdia. Do deus da tempestade. Do deus da saudade. Do deus da fome. Do deus dos homens.


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07/12/2011 - Não e não e não

Não me peça, não me mande, não me obrigue. Não me diga não nem sim muito menos talvez. Não me aborreça, não teime, não ligue. Não me fale o que devo ou não fazer. Não me dite, não me irrite, não me faça convite. Não me espere e não me atrase. Não me deixe e não se vá. Não leve e não traga. Não mie e não lata. Não moa e não remoa. Não me renda e não me faça oferenda. Não me obrigue e não peça licença.

Não pense em mim. Não reze por mim. Não se lembre de mim. Não me ofereça comida. Não me levante um brinde. Não abuse nem use meu nome. Não me traia e também não caia por minha causa. Não brigue, não me vingue, não me provoque. Não me sufoque, não me toque, não me doa. Não me tinja, não me restrinja, não me induza. Não me iluda, não me pode, não me puna. Não me enlouqueça, tampouco me esqueça. ...
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24/02/2016 - Não é no grito que se ganha

Meu amor eu não sou dessa terra. Eu vim lá detrás de Marte. Não tenho costume com essa correria. No meu mundo o amor é uma arte e vivemos em completa poesia. Não berra, posto que o coração bate quieto, o feto não grita, o sentimento não irrita e a paixão por mais intensa, palpita. Fita, fita meu par de olhos e compreenda o quanto, em silêncio, o quanto ele agita o seu ser. Nada de escândalos, os anjos falam com voz de sândalo. O segredo está na quietude. Não é pela força que Deus se fez amiúde. Alma rude não atrai alma polida. Não é no grito que se ganha a vida. Meu amor eu não sou dessa terra. Todo ser humano erra, mas um dia do amor se aprende que tudo começa e nada se encerra.


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23/04/2014 - Não e sim

Não me agradeça e sim me enlouqueça. Não se despeça e sim me peça no café, no almoço, no jantar, nas horas vazias e nas horas de fé. Não me vire às costas e sim se dê em postas. Não me diga nunca e sim me deixe dizer à sua nuca. Não invente desculpa e sim me culpa pela sina desse amor que lhe domina. Não me ature e sim me torture com suas delícias e malícias.

Não se abstenha de mim e sim peque de mim, pra mim, em mim. Não me deixe pra trás e sim me leve atrás. Não me zombe e sim me tombe em seus passos ou em seus braços ou em seus traços. Não me negue e sim me carregue. Não me aflija e sim me atinja. Não suma e sim durma diante das minhas vistas como a flor dorme nas mãos do florista. Não se vá e sim me toma lá dá cá. ...
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06/05/2011 - Não enche

Dá um tempo. Se ligue. Sai dessa. Desencarna. Desencana. Desenrola. Qual é? Abre o olho. Parei com você. Nem vem que não tem. Acorda. Ta trocando alhos por bugalhos. Dá no pé. Larga mão. Eita lenga-lenga. Só pode estar lelé ou tantã. Ô presente de grego. Nem vem fazer média. Risquei do mapa. Se vire. Pode por a boca no mundo. Não tem negócio. Não tem mais colher de chá. Pernas pra que te quero. Se manca. Ai, que pedra no sapato. Nada de fazer rolo ou cera. Nem te ligo. Fim de papo. Já vai tarde. ...
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29/09/2011 - Não estamos sozinhos

Não estamos sozinhos. Há sempre alguém a nos espionar, a nos bisbilhotar, a nos rondar. Pode ser um caçador, um espírito, um extraterrestre. São olhos e câmeras capturando todo e qualquer movimento que possa ser feito ou desfeito por nós. Não estamos sozinhos. Estamos sempre na mira de alguém. Há sempre uma sombra sobreposta ao nosso lado oculto. Há sempre um perfume misturado ao nosso cheiro. Há sempre um eco perseguindo nossas palavras.

Não estamos sozinhos. Há sempre um cálice amparando nosso vinho. Há sempre um filho querendo sair de nossas barrigas. Há sempre uma lua negra facetando a nossa lua branca. Há sempre um fantasma entre nosso passado e nosso futuro. Não estamos sozinhos. Há alguém que respira em nossa nuca. Há alguém que roça nossas costas. Há alguém que coça os nossos medos. Há alguém que coexiste com nossos paralelos. Há alguém que não nos permite estar a sós com o que há dentro ou fora de nós....
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04/08/2016 - Não existe

Existe goiaba sem semente? Girassol sem sol? Pente sem dente? Estrela sem brilho? Canção sem estribilho? Cinema sem pipoca? Existe violão sem corda? Índio sem oca? Pizza sem borda? Dor sem razão? Amor sem perdão? Existe porteira sem estrada? Poeta sem mulher amada? Pássaro sem asa? Fogueira sem brasa? Existe perna sem batata? Miado sem gata? Rosa sem espinho? Destino sem caminho? Noiva sem buquê? Eu sem você?


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23/10/2008 - Não existo

Um banco, uma árvore e uma marmita. A comida é fria, como as almas dos que passam por ali. Os carros vão passando em uma orquestra de buzinas. As bicicletas vão passando com suas rodas de aros e raios. Os pedestres vão passando em seu direito de ir e vir. E eu vou ficando, no pano de fundo, no plano do mundo, num pranto vagabundo como personagem coadjuvante de um livro sem fim. Até os pássaros cantam fora do tom que brota em mim. Eu não existo. Eu não existo. Eu não existo.

Entre um bocado e outro, vou feito um operário em construção. O suor no rosto, a fome batendo no coração. Não há mesas, velas, arranjos de flor, só há os dentes roendo e rasgando a carne escura. Os mendigos passam por mim e não me mendigam. Os pedintes passam por mim e não me pedem. As esperanças passam por mim e não me esperam. Os cachorros passam por mim e urinam no meu sapato, borrando a graxa. E a vida passa sem graça. E eu não existo. E eu não existo. E eu não existo....
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