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Encontrados 200 textos. Exibindo página 20 de 20.
Mãos
Um exército de mãos marcha. Diariamente, invade as quadras, as calçadas, as praças de pedra e de flor. A cidade é tomada por outra cidade. Uma cidade que não é feita de placas de concreto ou vergalhos de ferro ou baldes de piche... Uma cidade que é feita de mãos. Algumas mãos surgem delicadamente, outras como tapas na cara. Algumas mãos machucam, por ódio ou pena. Mãos com anéis. Mãos com feridas. Mãos brancas. Mãos negras. Mãos sujas. Mãos acostumadas. Mãos pequeninas. Mãos com unhas esmaltadas. Mãos calejadas. Mãos com linhas que dizem a mesma coisa: fome, miséria, violência, medo....
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Mar de sândalo
Como um mar, ela crescia, decrescia e crescia novamente por onde passava. Em certos dias, ela passava num mar revolto. Noutros, mar manso. Mas sempre crescendo, decrescendo e voltando a crescer. Era marcada pelo movimento. E não era dançarina, atleta ou coisa e tal. Era uma mulher sem endereço fixo, sem telefone fixo, sem identidade fixa. Mares não são fixos.
Mares têm nome, mas dia estão aqui, dias estão ali e outros acolá. E ela era sim e não. Cheia ou alta, como uma maré que obedece ao calendário lunar, ela emergia e submergia em sua própria inconstância. Entre o seu crescer, decrescer e tornar a crescer, o tempo passava em um intervalo que ia de míseros segundos a semanas, meses, anos inteiros. E nesse momento, pranchas surfavam pelo seu corpo. Um corpo que não era de sol nem de algum bronzeado barato. Era um bronzeado de areia. Ao invés dos poros, seu tecido parecia formado por grãos de uma areia macia. Por isso, a sensação de que a qualquer momento ela poderia voar nos braços de uma tempestade de deserto. E vivia esperando por uma arrevoada de vento. ...
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Menina de ipanema
Os óculos de sol pairados sobre o cabelo davam o tom de informalidade não só a quem os usasse, mas à paisagem como um todo. Havia mais guarda-sóis do que sol naquela falta de praia. Mesmo assim, os óculos de lentes arredondadas continuavam lá. Quem sabe escondessem olhos tão negros quanto eles ou um tom de oceano. Oceano que não havia ali. E se fosse negro, talvez cometas passassem por ali. E se oceano, ondas dariam outro ritmo àquela tarde recém-nascida.
Um ritmo que quando viesse nos afogaria e quando fosse embora, nos arrastaria. Bailaríamos feito netuno e iemanjá. No entanto, quando tudo parecia indicar moda praia, seus pés pisavam em sandálias de salto fino. Embora o verão acalorasse as cores, óculos, cabelos e sandálias pintavam-se de preto. Daquele jeito, ela não cairia na piscina nem debruçaria seu pouco decote na churrasqueira. Não falava, não jogava, não beijava, não dançava, não desmaiava. Embora nem por um segundo que fosse estava sozinha. ...
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Mesmo fora de moda, bom-dia
Hoje, o dia nasceu sem dizer uma só palavra. Não sabia se redondo, quadrado ou triangular, porém o sol começava a surgir por entre nuvens desbotadas. O cheiro de pão sovado, o cheiro de café escapulindo do bule, o cheiro frio do orvalho... Aromas que iam como vinham, sem avisos, no de repente de costume.
O homem, deitado na sarjeta, que até ontem era um bêbado, hoje não se sabe o que é. Acorda sem espelho por perto e se vai sem sequer ver o rosto que o novo dia havia lhe doado. Vergonha ou, descrença ou qualquer outra coisa que o faça abaixar a cabeça e continuar andando em busca de um rosto ou de um copo de cachaça. ...
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Metamorfose
Ela chega sozinha. Toca a campainha e quando se dá conta de que nem a mãe nem o irmão nem a tia nem a irmã nem a governanta estavam ali, a solidão perde força para outra sensação não menos devassa. A maçaneta dança nos olhares apreensivos da menina ao tempo em que a porta a enclausura em medos desconfortáveis. Os olhos daquele que abrira a porta lhe fazem querer ir embora a qualquer preço. No entanto, sobe em sua garganta uma vontade de ficar com tal intensidade, que desafina as cordas vocais e de sua boca não sai nada além de um miado. Não tem decotes ou fendas, mas sente-se nua diante daqueles olhos engessados em seu corpo....
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Mulher anelada
Entardecia e algo reluzente brilhava junto à sarjeta. Ali onde a chuva se faz enxurrada. Podia seguir sem me importar com aquilo, mas a curiosidade me fazia ir ao encontro do desconhecido. Para minha surpresa, tinha nas mãos, um anel dourado (certamente de ouro, não me parecia bijuteria), com três pedras brancas meio retangulares incrustadas. Uma bela jóia. Quem a perdera, no mínimo, devia estar bebendo um drinque amargo de angústia.
Mas como o anel fora parar ali? Não havia nenhuma joalheria por perto, ninguém cabisbaixo a sua procura. Podia ser um anel de estimação, um anel de noivado, um anel ainda não usado. Ela poderia estar aos prantos, pela perda, pelo dês-compromisso, pelo não presente. Pensando melhor, descarto essa última possibilidade, o anel parecia conter um "qu" de mulher. Podia ter caído levemente do dedo feminino ou podia ter sido jogado contra o chão com todo ódio. Nos dois casos, inconsciente ou consciente da perda, a mulher seguiu sozinha. Como uma espécie de cinderela. Mas será que ela fugiu antes de alguma meia noite? Será que sua carruagem se transformou em abóbora? Será que seu príncipe encantado não achou o anel?...
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Mulher de bagdá
Uma mulher anda pelas ruas de Bagdá. Militares americanos, britânicos, alemães. Escombros. Ruínas. Destroços. Não se sabe se as ruas são feitas de pedra ou se as pedras são feitas de ruas. E por linhas tortas de um destino mais torto ainda aquela mulher de rosto coberto, de braços cobertos, de pernas cobertas caminha descalça à procura de um filho que a guerra levou.
Em cada rosto, um medo.
Em cada medo, um rosto.
Em cada rosto, uma dor.
Em cada dor, um gosto e um desgosto....
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Mulher de branco
A mulher de branco não se revela. Pode ser enfermeira. Mãe de santo. Noiva. Médica. Dentista. Estudante de fisioterapia. Uma sobra de reveillon. Uma mulher de verão (leve). Uma mulher supersticiosa. Uma fase. Um ritual. Uma eventualidade. Uma roupa para malhar. Para namorar. Para ser vista. Para ser confundida. Para ser mistério. O mistério de reunir em si a junção de todas as cores. Mulher que tudo reflete e nada absorve, fazendo-se ausência.
Então, que venham as mulheres de branco. ...
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Mulher sentada à beira do caminho
Quem é a mulher sentada à beira do caminho. O que pensa a mulher sentada à beira do caminho. O que espera a mulher sentada à beira do caminho. Quantos os sonhos que se sentam ao seu lado. Quantos os passos que caem na rede de olhares da mulher sentada à beira do caminho. Quantos os que passam e deixam seu passar mudar de direção diante da mulher sentada à beira do caminho. Qual o tempo da mulher sentada à beira do caminho? Será o tempo dos incas, dos persas ou dos parnasianos? Quais os motivos que motivam a mulher sentada à beira do caminho? Quanto sexo é feito e desfeito nas cinzas da mulher sentada à beira do caminho. Quanto de deus há na mulher sentada à beira do caminho? Quantas as saudades em busca de caminhos que sentam no colo da mulher sentada a beira do caminho. Quanto de amor e quanto de guerra há na mulher sentada à beira do caminho. Quantos dias entardeceram e anoiteceram e amanheceram nos lábios da mulher sentada à beira do caminho. Quanto de luz há na sombra da mulher sentada à beira do caminho. Quantas flores e quantas pedras no sentar da mulher sentada à beira do caminho. Quanto de silêncio se silencia e quanto do silêncio se revolta e grita e canta e suspira na mulher sentada a beira do caminho? Quantos apóstolos tentaram e desistiram de seguir a mulher sentada à beira do caminho. Quem está por trás da mulher sentada a beira do caminho. Qual o caminho da mulher sentada à beira do caminho. Será de copas ou de ouro o blefe da mulher. Qual o vento que pousa na mulher sentada à beira do caminho. Quantos trevos têm a folha da sorte dos olhos da mulher sentada à beira do caminho. Quanto de mar ainda há nos pés de areia da mulher sentada à beira do caminho. Quantos se enforcam diante da mulher sentada à beira do caminho. Quanto de si já se perdeu na mulher sentada à beira do caminho. Quanto do perfume já se impregnou no cheiro da mulher sentada à beira do caminho. Quantas as cores que já se descoloriram no camaleão que habita a mulher sentada a beira do caminho.
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Mulher, chuva e café
Chovia. Mais um desses fins de tarde em que não se sabe se a cor do céu é negra por causa do prenúncio da noite ou por causa da chuva. As nuvens grossas impediam a lua de decifrar a charada. Tirante às dúvidas, chovia. Não aquela chuva de pancadas fortes que, de tão fortes, só acontece de repente. Chuva esta que precisava tomar fôlego para chover e, entre essas pausas, fazia com que sombrinhas se abrissem e tão logo se fechassem com ares de coreografia.
Mas, desta vez, era uma chuva leve que, de tão leve, fazia-se constante. Chuva que sufocava a poeira e deliciava a terra. Enquanto chovia esquentavam água nas chaleiras para o café. Chuva e café, um casamento feliz. E o cheiro do café misturado ao cheiro da chuva saía pelos ventos. Ventos que, como a chuva, caiam leves. O vento trazia o perfume da chuva e ganhava o perfume do café. Talvez, depois que se findasse a chuva, os aromas seriam outros. Não era para menos, a primavera estava a caminho. Mas isso ficaria para depois, por enquanto chovia....
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