Daniel Campos

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Mulher de bagdá

Uma mulher anda pelas ruas de Bagdá. Militares americanos, britânicos, alemães. Escombros. Ruínas. Destroços. Não se sabe se as ruas são feitas de pedra ou se as pedras são feitas de ruas. E por linhas tortas de um destino mais torto ainda aquela mulher de rosto coberto, de braços cobertos, de pernas cobertas caminha descalça à procura de um filho que a guerra levou.

Em cada rosto, um medo.

Em cada medo, um rosto.

Em cada rosto, uma dor.

Em cada dor, um gosto e um desgosto.

Se daqueles escombros surgisse um palco com um Chico Buarque a cantar, certamente o verso que sairia de sua boca seria: "a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu"... Mas e se não tiver quarto? E se as bombas derrubaram as paredes, o que será a saudade? Silêncio. Músicos e poetas se calam na desconstrução da saudade.

Uma linha de silêncio em homenagem a mulher de bagdá.................................................

Ela caminha à procura de uma estrela de Belém. Desde que não sejam mísseis cortando o céu, aquela mulher segue qualquer estrela. Ela caminha como caminham as mulheres do Líbano, da Palestina, do Afeganistão, do Haiti...

"Ai, chorem pelo Haiti, rezem pelo Haiti"... "O Haiti é aqui"...

Ela caminha como caminham as mulheres de um Brasil tão desigual... Caminha como caminham as mulheres vitimadas pela violência, pelo preconceito, pelo "pré-juizo" ético, moral e cívico de um país que ainda não aboliu a escravidão... Ela caminha sem casa, sem família, sem cartão de crédito, sem carteira de trabalho e sem título de eleitor. Ela não quer saber como vai ser o final de ano de Bush, de Saddam, de Blaier... Pra ela todo dia já tem gosto de final.

A cada dia, mais uma vitória da sobrevivência.

A cada dia, mais um instante de penitência.

A cada dia, a morte de mais uma inocência.


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