Ou exibir apenas títulos iniciados por:
A  B  C  D  E  F  G  H  I  J  K  L  M  N  O  P  Q  R  S  T  U  V  W  X  Y  Z  todosOrdernar por: mais novos
Encontrados 362 textos. Exibindo página 24 de 37.
01/11/2010 -
Coelhos, verdadeiramente, coelhos
Ao contrário de confeiteiros, exímios produtores de ovos de Páscoa, Leleco e Pitoco se mostraram verdadeiros construtores. Pelo quintal, buracos e mais buracos foram abertos numa engenhosidade de causar espanto. Podiam muito bem trabalhar na expansão da malha metroviária, mas ainda não tinham idade para isso. Ao contrário de comerem cenoura e ração, preferiam comer flores, caixas de papelão e, até mesmo, o milho das galinhas. Roíam o dia todo com aqueles dentes de Mônica.
Ao contrário de ficarem em cercadinhos, gostavam mesmo de correr terreiro. Dispensavam o telhado por uma boa chuva, trocavam o dia pela noite, equilibravam-se em poleiros como se fossem circenses. Ao contrário de se acuarem dentro de seus buracos, provocavam os cachorros e enfrentavam os galos. Ao contrário de carinhos e bajulações, escolheram viver como bichos do mato. Fugiam das nossas mãos com pulos e dribles de deixar qualquer locutor de futebol maravilhado, sem fala. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
24/03/2016 -
Coisa da roça
Os ninhos vazios, nada de ovo, a galinhada de quaresma. Época de semeadura, de aproveitar as águas de março. O vento sopra triste, balançando as folhas de outono num ar frio, anuviado de semana santa. O velho lavrador vai remexendo a terra como nas chagas de Cristo, tirando flor de espinho. A senhorinha de cabelos de algodão se apega com o terço ao tempo em que mexe panelas e bordados. A passarada vai diminuindo a cantoria em respeito à morte do filho do criador. Pelo brejo, os coelhos vão pulando, fugindo das bocas dos cachorros, esbaldando-se com as ramas verdinhas, mas nem sinal de ovos de chocolate por aquelas tocas. A água da mina brota mais fria, como se a terra todo estivesse mais uma vez doída por terem, há milênios, aberto sua carne e plantado uma cruz. O cheiro da vela, as cantigas das procissões e o roxeado das quaresmeiras vão tomando de conta do quadro da roça. O velho lavrador olha para o fundão do horizonte, perdendo seus olhares lá pros confins do roçado, pelo céu riscado de rabo de galo, sabendo, mais uma vez, que o tempo vai desabar sobre os homens.
Comentários (1)
12/01/2013 -
Coisas da chuva
Chuva fina. Ar frio. Vento saudoso. Perfume de café. Xícara de poejo. Pão quentinho com manteiga de tacho. Bossa nova. Fatias de queijo das minas gerais. Cantoria de pássaro. Árvore num tom acima do verde. Formigas dentro da toca. João de Barro fazendo festa. O verão cede aos encantos do outono-inverno. Menina dormindo debaixo de cobertas. Papéis em branco espalhados pela mesa. Caneta nervosa. Os sentimentos se transformam em palavras. Desejo de colo. Piano, violão, clarinete... O jardim em ramalhetes. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
Coisas de inverno
Chove miúdo. Uma vontade de inverno surge na tarde escura. Uma colcha de nuvens de várias tonalidades. A janela aberta ao vento leve. Um vento que marca. Aquele que não passa sem ser percebido. A lâmpada do quarto acesa e uma sensação de felicidade triste. Se é que isso existe. Os pingos caem nas calhas em feitio de notas de piano. Um querer ir para a cama e se encher de cobertores. Ou então de abrir o guarda roupa e pegar roupas de lã. Se bem que nunca gostei de roupas de lã.
Tempo com cheiro de guardado. Um chá quente. Bem quente. Um bom disco de inverno. Quem sabe camomila com João Gilberto. E um bom livro, mas algo curto, como alguns contos ou algumas poesias. Um romance pode ser muito arriscado. Se a leitura for muito longa e densa pode demorar mais do que o inverno. O ideal é que entre um gole de chá, uma música e uma poesia, os olhos escorram pela janela e se atirem aos braços do frio. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
Coisas de torcedor
Hoje é domingo. E domingo de final de Copa do Mundo. Domingos assim só acontecem de quatro em quatro anos. E daí! Grande bobagem. Ainda mais quando o leitor sabe que o escritor aqui não é dos mais apaixonados por futebol. De fato, não sou a melhor pessoa para fazer análises sobre o jogo de hoje. Por isso, vou falar de você aí do outro lado.
Hoje o país (ou quase todo o país) é uma enorme massa verde-amarela. E no meio dessa massa, lá está o torcedor brasileiro. Um torcedor que não tem nome, não tem cor, não tem idade, não tem sexo, enfim, não tem nenhuma daquelas respostas computadas pelo Censo. É apenas mais um. E lá vou eu buscar um modelo clássico de torcedor. Por isso, não me importa os dados específicos acima. Busco um torcedor geral, ou melhor, genérico. E como o remédio genérico, o torcedor genérico só aparece em momentos estratégicos. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
09/04/2011 -
Coisas do frio
O frio chegou antes. Chegou lá pelos meados de março e sem vergonha espalhou-se por abril. Um frio duradouro que chega a doer os ossos reumáticos. Um frio indiscreto, que causa. Um frio poético, que atiça. Um frio que cala dois corpos em um só corpo. Adoro esse frio inesperado. Um frio chuvoso, de neblinas e lãs. Um frio que corta como uma navalha nas mãos de um barbeiro. Gosto de sentir esse frio e de vê-lo se aboletar pelas coisas e pessoas que estão ao redor.
É como se o tempo tivesse enjulhecido. Sinto novamente as sensações e vibrações dos meses de julho que ficaram pelo caminho. Noites de festas juninas. Noites de fogueiras. Eu cortava a noite, indo da casa dos meus pais à casa do meu avô, com uma manta nas costas. Tempo em que a terra nina as sementes, e elas adormecem na espera por dias de calor. Tempo de chás e sopas, de livros e músicas capazes de agasalhar a alma, como um bom disco de Jobim....
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
02/03/2016 -
Colares de um mesmo pescoço
Firma teus passos nos meus e vamos pela estrada alongada da imaginação não querendo mais nada a não ser você e eu. Vamos cavalgar no louva-deus, morar numa ostra, nos servir um ao outro na nossa melhor louça. Vamos juntos, em conjunto, num só assunto falando de amor. céu e condor, onda e concha, pinta e onça, veneno e cobra, fartura e sobra, assim somos nós complementares, elementares, colares de um mesmo pescoço. Carne e osso, pó e poeira, fogo e fogueira. Um unido ao outro num querer que não nos deixa solto.
Comentários (1)
Coleira
À primeira vista, um cachorro passa trazendo no final de sua corrente uma mulher. Podia ser um fila, um buldogue, um dálmata, mas era um bigle. Igual ao Snup dos desenhos. Só que não dormia em cima de sua casinha, não tinha um passarinho amarelo como amigo e nem andava iguais aos humanos. Vinha com um laço vermelho na orelha esquerda. Ops, então se corrige a primeira impressão. Uma cachorra passa trazendo no final de sua corrente uma mulher.
A mulher que era puxada pela cachorra não trazia lacinho algum em seus cabelos caramelados. Laka era o nome da cachorrinha que trazia a mulher sem nome. Saindo dos pisos, das calçadas, do asfalto, as duas chegavam a um terreno coberto de grama. Um campo de futebol com traves enferrujadas, sem linhas de cal, sem bola e sem jogadores. Ali, no final da tarde, apenas ela e laka. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
24/11/2010 -
Colo de mãe
Eu não sei se mereço, mas se achar por bem, por favor, por todo amor, leve-me em seu colo. A estrada tem tido tantos obstáculos, tantas coisas que fazem desanimar. São tantas perdas, são tantas frustrações, são tantos sofreres que insistem em habitar o nosso caminho. O corpo já fraqueja, não suportando mais o peso de tanta falta de compaixão. A realidade é árida como os desertos que pisou, apavora-nos como soldados do império e põe nossa fé à prova a cada instante. Por todas as batalhas vividas e pelas que ainda estão por vir, quero colo, mãe....
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
17/11/2015 -
Colo orvalhado
O colo orvalhado da mulher que se deu à noite é de um frescor que os pulmões se enchem de um ar perfumado diante da visão. As gotículas daquele sereno bom vão num pontilhado aleatório dando maior ou menor resolução ao colo da mulher orvalhada dependendo da reação de quem o enxerga. Essa espécie de suor ou choro noturno, como bem preferir, dá beleza à mulher que sai pelos quintais com o colo à mostra, como que oferecido aos anjos noturnos. E não são raros os que querem acender velas ao passar dessa mulher para pedir milagres ou apenas melhorar a imagem daquele colo que foi feito à contemplação. Colo que desponta à noite com seios estrelados e gotas de um néctar que atraí vagalumes com complexo de beija-flores.
Comentários (1)