Daniel Campos

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Coisas de inverno

Chove miúdo. Uma vontade de inverno surge na tarde escura. Uma colcha de nuvens de várias tonalidades. A janela aberta ao vento leve. Um vento que marca. Aquele que não passa sem ser percebido. A lâmpada do quarto acesa e uma sensação de felicidade triste. Se é que isso existe. Os pingos caem nas calhas em feitio de notas de piano. Um querer ir para a cama e se encher de cobertores. Ou então de abrir o guarda roupa e pegar roupas de lã. Se bem que nunca gostei de roupas de lã.

Tempo com cheiro de guardado. Um chá quente. Bem quente. Um bom disco de inverno. Quem sabe camomila com João Gilberto. E um bom livro, mas algo curto, como alguns contos ou algumas poesias. Um romance pode ser muito arriscado. Se a leitura for muito longa e densa pode demorar mais do que o inverno. O ideal é que entre um gole de chá, uma música e uma poesia, os olhos escorram pela janela e se atirem aos braços do frio.

Por mais que dentro de casa esteja quente e que sua maior vontade seja a de ficar ali para sempre, você precisa sair. Vá para a rua. Vá para não sei onde. Mesmo não sabendo o porquê, vá. E vá a pé. Vá caminhando e notando a beleza do inverno. Não... Não verá crianças fazendo boneco de neve, papais-noéis nas esquinas, árvores com flores de neve. Mas irá sentir toda a beleza do inverno.

Atente-se. No inverno, o movimento das pessoas muda. O que era lento fica rápido e vice-versa. As cores das árvores mudam, ficam entre o amarelo do outono e a aquarela da primavera. O sol, quando surge, surge gelado e mesmo assim, quantos não o buscam. No inverno, é normal pedir uma dose de uísque com algumas pedras de sol. E a lua, que surge quase que secreta, pequena, encolhida de frio. Pode notar que os quartos de lua demoram mais a passar. A lua, cheia e nua, é quase uma ofensa para as temperaturas. E a chuva que chove mais devagar, sem pressa, como se planasse no ar como teco-tecos que não se vê mais.

E as comidinhas? Sopinhas de todos os sabores borbulham no fogão. Todas feitas com um carinho extra. E ainda se pode sonhar com lareiras. A água do chuveiro quente, aquele vapor e aquele medo de sair do banho. Inverno: ao mesmo tempo em que nos enche de ânimo de fazer as coisas, enche-nos de uma vontade gostosa de ficar entre cobertas. De fato, o inverno surge numa beleza única. Única e breve. E mesmo que distante, pergunto a mim mesmo, se a beleza do frio, como em outros invernos, já acordou em seu corpo.


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