Daniel Campos

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Encontrados 362 textos. Exibindo página 22 de 37.

13/09/2012 - Chuvisco

Chuvisco parece nome daqueles cavalos de desenho animado ou de bolinhos pingados na frigideira com o auxílio de uma colher. Chuvisco pode estar associado a um ato, o ato de chuviscar perfume ou granulados sobre um bolo de aniversário. Chuvisco indica sonoramente algo leve, suave, breve. Um chuvisco de dança, um chuvisco de inspiração, um chuvisco de sono. Foi só um chuvisco... Nada muito intenso, embora determinante para a quebra da rotina. É isso, o chuvisco é, na melhor das definições, a quebra de expectativa. ...
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05/10/2010 - Ciclo vicioso

Amanheceu outra vez numa mais que completa desfaçatez. E o mundo que se desfez, pôs-se a rodar motivado pela embriaguez de um trago a mais. Um trago a mais de noite. Noite de escuridão e neon. O balé das sombras ressaqueadas vai se perdendo nos primeiros raios de luz. Salvação para uns, cruz para outros. A cada novo dia é assim. Milhares de boêmios, pirilampos e outros notívagos vagando pelas ruas sem fim como vampiros fugindo do sol. Milhares de olhos e bocas querendo um pouco mais de lua para beber, para comer, para ter prazer. ...
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08/02/2011 - Cidade do Samba em chamas

De repente, as lágrimas de Pierrô lavaram a avenida antes mesmo da chegada oficial do carnaval. Sem ser convidado para a festa, o fogo chegou e queimou plumas e lantejoulas. O sapato da passista virou cinza e nem era quarta-feira. Queimaram-se tudo, da saia rodada da baiana ao estandarte da porta bandeira. Amores de carnaval, extremamente inflamáveis e guardados a sete chaves nos barracões, alimentaram o incêndio. Agora, chora a mulata o próprio destino chamando a vida de ingrata.

De algumas escolas não restou nada. Carros alegóricos foram devastados. Pandeiros e tamborins se calaram. O puxador de samba gritou para os céus mandarem chuva. Mas os deuses estavam sambando em outro terreiro. Sem máscaras os rostos ficaram expostos atravessando o enredo. Não há mais o que esconder, acabou o segredo de qualquer apresentação. A velha guarda chorou de corpo presente. Os sambistas do amanhã choraram pelo hoje. A bateria fez uma paradinha e até agora não voltou. ...
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03/12/2009 - Cidade mulher

Toda cidade é feminina porque cada mulher é uma cidade. Basta reparar de quantas esquinas é feita uma mulher que se aproxima e se dista dos olhares que a seguem e, até mesmo, perseguem-na vida afora. Toda mulher é rica em relevo e formas geométricas. Seja no corpo ou no espírito essas mulheres são modernas, tradicionais ou futuristas. Podem ser pitorescas como cidadelas ou engenhosas como grandes megalópoles.

Independentemente se pequenina ou grande, se interiorana ou litorânea, se rural ou transcendental, a mulher tem problemas urbanos e grandiosos. Problemas diários, estruturais, ancestrais como todo e qualquer reduto de civilização. Porém, até na problemática as cidades conseguem, assim como as mulheres, serem pólos de atração física e psicológica. Quantos os que caem aos pés de uma cidade e se imaginam felizes ao lado dela, fazendo juras de amor eterno? ...
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17/01/2012 - Cidade sem tempo

Tudo é tão rápido, tão acelerado, tão breve. A vida é um tiro de festim. Mal começa e já termina antes do fim. O tempo não para. O tempo nos cala. O tempo é tão desigual. É eterno para a dor e curto para o carnaval. O mundo gira e nos leva a girar com ele numa velocidade absurda que nos tira do eixo. O tempo é tão violento quão um murro no queixo. Não se sabe se é preciso correr do tempo, para o tempo, contra o tempo...

Ah! Tirem-me do tempo. Das garras, das presas, das ditaduras do tempo. Minha cabeça é um calendário, meu coração é um relógio. Eu não tenho asas, mas ponteiros. Tenho que estar ali no horário marcado. Tenho de chegar lá sem estar atrasado. Tenho que sair daqui num tempo combinado. Estou jurado aos segundos. O tempo que me empurra é o mesmo que me corrói. Tropeço como folha ao vento enquanto a ferrugem me dói. ...
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05/08/2010 - Cidade sitiada

Pelos cantos dessa cidade há criaturas sem juízo. Há nascimentos doloridos, vidas rasgando a carne como as pontas de um siso. Há um excesso de indecisos e de sentimentos imprecisos. Há um riso despropositado, sem razão de existir. E há muito prejuízo nisso tudo. A vontade maior é a de abandonar essa cidade, rumar para longe, remar para oceanos de tesouros distantes, para as montanhas dos monges, para o reino dos gigantes dos pés de feijão e das galinhas dos ovos de ouro.

Por essa cidade marcada pela tragédia, é preciso inventar um novo romantismo. Algo que fuja do cinismo dos falsos corações que dizem que amam e mantém o amor preso nos grilhões. Canalhas. Há uma horda de canalhas povoando as cidades de Deus e do Demônio. Há uma ilusão brotando em cada esquina. Há mentiras caindo do céu. Há um levante de ignorantes tomando os ares. Há mulheres vivendo de alface. Há pelo menos um bandido em seu encalce. ...
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16/02/2011 - Cidade solidão

A solidão é um sentimento negativo por natureza e em permanente construção. Não só pelos acessos em péssimo estado de conservação, pela sensação de noite eterna, pelas paisagens de uma guerra civil e pelas falas decadentes da época em que se flertou com a felicidade, mas também por toda uma tentativa de reerguer-se depois da separação. Separação de algo, de alguém ou, até mesmo, de si próprio. Quem nunca foi obrigado a se separar de sonhos ou projetos?

A solidão é um campo espesso, infinito e ao mesmo tempo claustrofóbico. Tem tonalidades sombrias e temperaturas frias. É o último lugar que se escolheria num roteiro turístico. Ali, em solidão, a vida é falha e pouco convidativa, melhor dizendo, é uma vida degenerativa. Solitários são como ilhas navegando no meio do oceano da multidão. Ilhas que não se comunicam, tampouco interagem com o ambiente. Apenas flutuam no vazio, exterior ou interior. ...
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05/08/2013 - Cidadela

Um tapete verde sem fim que se estende para depois de onde a vista alcança. Rios largos que se acham mar. Casinhas pequeninas distantes do corre-corre dos grandes centros. Pessoas que vivem da terra, para a terra e a terra. Braseiros que levantam um perfume de dar água na boca. Território que guarda o sangue e a honra de seus conquistadores. Cantorias do silêncio. O relógio trabalha como antigamente. Namoros provincianos pelas praças centenárias. Corações coloniais com toques modernistas.
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02/11/2012 - Ciganos de Alma

Lembre-se de quem se foi, de quem partiu, de quem não está mais entre nós. Lembre-se de quem se despediu, de quem sumiu, de quem subiu. Lembre-se dos abraços que hoje lhe faltam. Lembre-se dos laços que hoje ainda lhes mantêm unidos. Lembre-se dos traços de um rosto que ficaram marcados no fundo da sua retina. Lembre-se dos passos que hoje trilham outros caminhos. Lembre-se de que uvas viram taças de vinho, flores viram cortes de linho, que o silêncio das árvores vira cantoria nas cordas do pinho. ...
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15/11/2015 - Cigarra cantou chuva

A cigarra cantou e a chuva chamou pra perto de nós. Cigarra quando canta nuvem de chuva se alevanta. A cigarra cantou e o chão molhou, e o rio correu, e a árvore verdejou. Cigarra quando canta a chuva é certa, a chuva é tanta. A cigarra cantou e o aguaceiro se esparramou pela roça que deus caipira abençoou. Cigarra quando canta a terra de junta almoça e janta. A cigarra cantou e o céu chorou sobre todos nós. Cigarra quando canta criança dorme de manta. A cigarra cantou e o cachorro rolou na lama, o sabiá pulou na laranjeira e a galinha da cama de palha não levantou. Cigarra quando canta bole com as trovoadas e os olhos do lavrador pela invernada se encanta. A cigarra cantou chuva e o céu pretejou, relampeou e a água rolou.


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