Daniel Campos

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24/03/2016 - Coisa da roça

Os ninhos vazios, nada de ovo, a galinhada de quaresma. Época de semeadura, de aproveitar as águas de março. O vento sopra triste, balançando as folhas de outono num ar frio, anuviado de semana santa. O velho lavrador vai remexendo a terra como nas chagas de Cristo, tirando flor de espinho. A senhorinha de cabelos de algodão se apega com o terço ao tempo em que mexe panelas e bordados. A passarada vai diminuindo a cantoria em respeito à morte do filho do criador. Pelo brejo, os coelhos vão pulando, fugindo das bocas dos cachorros, esbaldando-se com as ramas verdinhas, mas nem sinal de ovos de chocolate por aquelas tocas. A água da mina brota mais fria, como se a terra todo estivesse mais uma vez doída por terem, há milênios, aberto sua carne e plantado uma cruz. O cheiro da vela, as cantigas das procissões e o roxeado das quaresmeiras vão tomando de conta do quadro da roça. O velho lavrador olha para o fundão do horizonte, perdendo seus olhares lá pros confins do roçado, pelo céu riscado de rabo de galo, sabendo, mais uma vez, que o tempo vai desabar sobre os homens.


Comentários

25/03/2016, por Dalva:

Nunca morei na zona rural, mas sempre tive paixão por esse mundo. Belo texto!


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