Daniel Campos

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Encontrados 362 textos. Exibindo página 13 de 37.

01/02/2013 - Chuva contínua

O sol está afastado por tempo indeterminado. Ordens soberanas. Enquanto isso, a chuva dá expediente todos os dias. Amanhece, entardece e anoitece chovendo por aqui. Tudo cheira à chuva. As coisas mais diversas passaram a ter gosto de chuva. Há uma textura chuvosa que extrapola os limites físicos e infiltra em nosso imaginário. Sim, a chuva que molha nossa pele, que encharca nossas roupas, que nos banha do cabelo ao dedo mindinho também encontra o nosso interior, o nosso avesso, as nossas entranhas. A chuva é tamanha que promessas se afogam, segredos se transformam em náufragos e sentimentos queimados, arrancados, esturricados, brotam com viço. Os pássaros fazem reboliços escapando das gaiolas do nosso coração. O verão vira inverno. O outono passa a ser primavera. A chuva cria sua própria estação. ...
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26/01/2013 - Caso eu morra

Se eu morrer, não joguem fora minhas linhas, meus versos. Se eu morrer, não calem meus discos de Jobim. Se eu morrer, tomem minhas garrafas de uísque por mim. Se eu morrer, libertem meus pássaros. Se eu morrer, não mudem de opinião ao meu respeito. Se eu morrer, não se preocupem com essa coisa de funeral e sepultura. Se eu morrer deixando corpo para trás, ateiem-me fogo como se fazia com bruxos. Se eu morrer, deem a devida destinação a cada uma das minhas guias. Se eu morrer, vistam outros com minhas roupas. Se eu morrer, não economizem nas velas. Se eu morrer, não deixem de amar quem eu amei....
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12/01/2013 - Coisas da chuva

Chuva fina. Ar frio. Vento saudoso. Perfume de café. Xícara de poejo. Pão quentinho com manteiga de tacho. Bossa nova. Fatias de queijo das minas gerais. Cantoria de pássaro. Árvore num tom acima do verde. Formigas dentro da toca. João de Barro fazendo festa. O verão cede aos encantos do outono-inverno. Menina dormindo debaixo de cobertas. Papéis em branco espalhados pela mesa. Caneta nervosa. Os sentimentos se transformam em palavras. Desejo de colo. Piano, violão, clarinete... O jardim em ramalhetes. ...
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02/01/2013 - Chora o amor

Chora o amor que escapa das mãos. Chora o amor que nunca acontece como na canção. Chora o amor de janeiro, que nasce e morre no travesseiro. Chora o amor pelos quarteirões. Chora o amor num sopro de bola de sabão. Chora o amor feito arte, fazendo obra-prima. Chora o amor por detrás das cortinas, por debaixo dos lençóis. Chora o amor desatando nós de marinheiro. Chora o amor faceiro, o amor prisioneiro, o amor corriqueiro.

Chora o amor que zanza pra lá e pra cá sem paradeiro. Chora o amor de Alá, cego e extremo. Chora o amor e todo seu doce veneno. Chora o amor aceso feito candeeiro, feito lamparina. Chora o amor aos gritos e em surdina. Chora o amor pelas esquinas. Chora o amor de um parto de menina. Chora o amor trancado no quarto escuro. Chora o amor que é puro mesmo impuro. Chora o amor por onde for, sem pedir por favor.


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30/12/2012 - Chega

Chega de doer uma dor que não vale à pena. Chega de perder o que achou e de achar que tudo está perdido. Chega de amar em vão. Chega de buscar o que não existe. Chega de se dar sem receber. Chega de semear sem colher. Chega de chorar pela falta de adeus. Chega de duelar com o tempo. Chega de trocar o não pelo sim. Chega de camuflar a verdade. Chega de dar as costas ao futuro. Chega de repetir promessas.

Chega de dizer “tudo bem”. Chega de sufocar sorrisos. Chega de dar pedigree pra vira-lata. Chega de confundir alhos com bugalhos. Chega de aparar sentimentos. Chega de cozinhar a rotina em banho-maria. Chega de “sinto muito”. Chega de tentar apagar os rastros. Chega de carregar fantasmas. Chega de fincar os pés no chão. Chega de remoer frustrações. Chega de se alimentar de falsas ilusões. Chega de meias canções. ...
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18/12/2012 - Cadê Nanã?

Cadê Nanã? Cadê Nanã e toda a riqueza que ela proporciona? Cadê Nanã, já passou dia e noite, já é de manhã e Nanã não deu o ar de sua graça? Cadê Nanã, dona da criação? Cadê Nanã, cujo barro deu origem à civilização? Cadê Nanã? Já fui à lagoa da garça e à ponta do mar, já pisei a lama da estrada, subi a ladeira da praça, bebi da água parada e rodei na saia engomada e nada de Nanã encontrar. Nanã, cadê Nanã? Onde será que Nanã foi parar? Já procurei em tudo que é baobá? Cadê Nanã, a senhora dos ibás? ...
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11/12/2012 - Contagem regressiva para o apocalipse

Dez, nove, oito... Está aberta oficialmente a contagem regressiva para o apocalipse. Os homens criados a partir da farinha de milho pelos deuses maias vão ser varridos do planeta. Os mortos vão o mundo subterrâneo, mais especificamente em Xibalba, o “local do medo”. Embora exista um ou outro paraíso em Xibalba, o mais comum por lá são criaturas demoníacas e boas doses de sofrimento. Embora os mortos não sejam julgados, passam por provações como rios de sangue, fogo, feras.

Sete, seis, cinco... Quando chegar ao submundo, torça para não encontrar Kinich-Ahau, um deus que durante a noite, em Xibalba, assume a forma de um temido jaguar. E o que dizer de Vucub Caquix, um pássaro monstruoso e um dos deuses-demônio do “local do medo”? E não adianta correr, pois se Itzamna, o deus que inventou o calendário não estiver errado, o mundo acaba daqui a dez dias. E como já estamos na véspera do apocalipse, o deus da morte Ah Puch deve estar rondando nossas casas para capturar nossas almas. ...
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07/12/2012 - Culto à mulher amada

A mulher amada não nasce de ordens. Tem um começo espontâneo e não tem fim, muito menos um objetivo concreto em sua missão. Também não há regra alguma relacionada ao local de seu nascimento, pode ser num quarto, numa festa, numa lua, numa solidão, num coquetel, num tabuleiro, num bar... Deu para entender? Não se preocupe, pois a mulher amada está acima de qualquer entendimento. A existência dessa mulher é um jogo, onde ela ganha e você perde. Perde noites de sono, perde apetite, perde rumos, perde prumos, perde pudores... Isso sem contar que existem infinitas variações de mulher amada em uma mesma mulher amada. Porém, tudo com total propriedade, pois cada mulher amada tem uma fórmula tão própria quão secreta. ...
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25/11/2012 - Com a cara de Interlagos

Teve borracha queimada. Teve rodada. Teve ultrapassagem. Teve champanhe. Teve ronco de motor. Teve abraço. Teve bronca. Teve chuva. Teve choro. Teve vibração. Teve garra. Teve troféu. Teve bandeirada. Teve conquista. Teve suor. Teve adrenalina. Teve incerteza. Teve competição. Teve despedida. Teve herói. Teve vilão. Teve grito. Teve reza. Teve “S” do Senna.

Teve luta. Teve duelo. Teve guerra de nervos. Teve sonho. Teve desejo. Teve sorte. Teve azar. Teve simpatia. Teve marca no asfalto. Teve zebra traiçoeira. Teve arquibancada. Teve festa. Teve frustração. Teve capacete tomando o lugar do rosto. Teve gosto, muito gosto. Teve volta da vitória. Teve honra. Teve aplausos. Teve vontade de bis. Teve coração na boca. ...
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14/11/2012 - Chora, o Delegado foi embora...

Quem vai prender as cabrochas na conversa
Agora que Delegado foi embora
Quem é que vai me algemar ao samba que versa
Agora que Delegado foi embora...

Quem é que vai dar voz de prisão à tristeza
Agora que Delegado foi embora
Quem vai ser mestre-sala com tanta nobreza
Agora que Delegado foi embora...

Chora, chora, Mangueira chora
Chora, minha Estação Primeira...


Diante do corpo de Delegado, deitado na quadra da escola, a bateria da verde-rosa repicou o Hino da Mangueira. Ainda se tinha esperança de que a qualquer momento Delegado levantasse daquele caixão e começasse a dançar por aquela quadra, que coleciona, impregnado em seu piso, tantos de seus passos, de seus volteios. Era inconcebível ver o corpo do lendário dançarino estático, imóvel. Como é que o samba ia sair, sem Delegado? ...
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