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Encontrados 208 textos. Exibindo página 14 de 21.
05/08/2011 -
Esperança, minha meia-irmã
A esperança tem o meu sangue. No entanto, o parentesco não nos mantém unidos. Nossa relação é relapsa. Ficamos semanas sem nos falar. Ultimamente só nos encontramos em aniversários e enterros de outros parentes como o sonho, a angústia, a incerteza, o destino. Embora ela adore me dar de comer, eu ando enjoado de suas promessas. Já teve um tempo em que esperei muito por ela. Até que me cansei de esperar a esperança esperançar.
Já vivi com ela um incesto sem limites e sem pudores. Eu e a esperança, amantes tórridos, vivendo em um mesmo corpo. Tive uma paixão doentia por ela. Só que ela me traiu com o tempo, quebrou minhas expectativas e me envenenou com doses de depressão. Depois dela, nunca mais fui o mesmo. Antes, deveras apaixonado, eu via a esperança nos outros e nas coisas que eu fazia. Hoje, estou cego. Perdi a confiança na vida que está por vir. ...
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31/07/2011 -
Ela domingo
Era domingo. Era só isso o que sabia. Nada mais. Era só a certeza de uma data, ou melhor, de um dia de uma semana que não lhe trouxe maiores lembranças. Não sabia quem era, somente que viveria mais um domingo. Talvez o último, talvez o melhor ou o pior também. Não se lembrava de segundas ou quintas, nem de quartas ou sábados, tampouco das terças, mas acordou com a certeza de que estava num domingo. Isso poderia ser um sinal ou um avanço, seja lá de sua sanidade ou se sua loucura.
Era dia de vestir sua melhor roupa e seguir aos almoços familiares, ao cinema, ao estádio de futebol, à igreja, à praça, à sorveteria, à casa do namorado... No entanto, ela só tinha pijamas no guarda-roupa. Dezenas deles. Seja lá quem fosse, vivia boa parte de seus dias na cama. Também não se lembrava de ter família, de seu filme preferido, de seu time, de sua religião, do endereço da praça, de seu sabor de sorvete, de ter alguém para beijar e dividir seus esquecimentos. ...
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30/07/2011 -
Elo perdido
Ainda no banheiro, sentada no vaso, sonhou. O momento era único. Não era todo dia em que fazia um teste de gravidez. Era preciso sonhar um tanto antes de ver o resultado. Se esperasse um menino queria que ele tivesse os olhos azuis daquele surfista com quem dividiu algumas ondas no último feriado. Ou ainda que nascesse com os cabelos ruivos daquele turista finlandês que trombou no metro sem querer e foi se envolvendo sem perceber. Ou ainda que tivesse as mãos grandes como às daquele goleiro que a agarrou subitamente como se agarrasse um chute à queima roupa, sem defesa. ...
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29/07/2011 -
E ela saiu pelas ruas...
Ela fez cara de má e saiu pelas ruas. Não deu bom dia, não falou o que queria, não fez pose nem fantasia. Caminhou apressada, sem dizer palavra alguma, esbarrou nas pessoas, desobedeceu às regras de convivência e fingiu que não escutou sua penitência. Estava disposta a ser anti, antisocial, anticivilização, antihumor... Parece não ter acordado azeda assim, mas, quem a via, tinha certeza de que ela possuía inúmeros motivos para dividir esse profundo azedume com o mundo.
Cara amarrada, sorriso trancado, punhos cerrados. Vestiu preto dos óculos aos sapatos. Não atendeu telefonemas, não discutiu seus dilemas, não comprou um livro de poemas. Sem querer saber de presente, passado ou futuro, vivia um tempo particular. Se pudesse, pegaria um ônibus espacial e passaria o dia em netuno ou plutão. Chutou um viralata, assustou criancinhas, pisou num mendigo. Não respirava, mordia o ar. Dos seus poros rescendia o perfume da falta de paciência, de inocência, de clemência. ...
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17/07/2011 -
Engraçadinha
É de verdade ou de mentira essa mulher que me vira à cabeça? Será que ela vem do chão ou do céu? Será que nasce da sequidão ou da chuva? Será que se movimenta como um girassol ou um pirilampo? Será que vem do vento ou do relâmpago? Será resultado de uma experiência secreta ou de uma barriga indiscreta? Será um fruto solene ou uma licença poética? Será que veio de longe ou simplesmente acordou em mim?
Será que essa mulher se refugia nas curvas da minha alma, por detrás das minhas pálpebras fechadas se sono? Será que é o peso que me prende ao chão ou a leveza que me leva a conversar ao pé do ouvido das estrelas? Será que é sólida como pedra ou líquida como as palavras que esvaem das minhas mãos. Será conciliadora ou inconciliável como a humanidade?...
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13/07/2011 -
Eu amo a filha de...
Eu amo a filha da deusa dos mistérios, dona de muitos búzios e deveras anos. Eu amo a filha daquela que é, ao mesmo tempo, o princípio, o meio e o fim. Eu amo a filha daquela que é formada pelo encontro da água com a terra. Eu amo a filha daquela que se farta de uvas de todas as espécies. Eu amo a filha daquela que rege o nascimento, a trajetória e o desencarne de tudo o que é vivo. Eu amo a filha daquela que é a própria história do homem sobre a terra. Eu amo a filha da água parada, da água da vida e da morte. Eu amo a filha daquela que traz em suas mãos um ibiri, feito com palitos de dendezeiro. ...
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10/07/2011 -
Expressões...
É hora de abrir o coração, de abrir o jogo, de abrir os olhos a alguém. É hora de se deitar à sombra da bananeira e de agarrar seu sonho com unhas e dentes. É hora de arregaçar as mangas e ir armado até os dentes. É hora de jogar as cartas na mesa, de parar de andar feito barata tonta, de jogar um balde de água fria na situação. É hora de por as barbas de molho e de por mãos à obra. É hora de riscar do mapa e falar cobras e lagartos.
É hora de ficar com a faca e o queijo nas mãos, de parar de andar com a corda no pescoço e de dar com o nariz na porta. É hora de baixar a bola e de parar de bater na mesma tecla. É hora de colocar a cabeça de vez nas nuvens e de dar o braço a torcer. É hora de dar com a língua nos dentes, de dar o troco, de fazer um negócio da china. É hora de por os pontos nos is e de tirar a pulga detrás da orelha. É hora de uma mão lava a outra. ...
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29/06/2011 -
Em seus olhos
Tem dias em que eu me encolho todo para caber dentro dos seus olhos. Quero que você me leve por suas vistas olhares afora. Seus olhos são minha cama, meu reino, meu útero. Eles me projetam e ao mesmo tempo me escondem. Indiferente do que ordena sua cabeça, seus olhos sonham. Fico ali, horas a fio, ouvindo relatos de suas visões. Gosto de me misturar às paisagens que se formam em seu globo ocular. Gosto de ficar ali como quem não quer nada e, ao mesmo tempo, quer tudo.
Em seus olhos tenho a sensação de estar em sua alma. Consigo ouvir seus pensamentos, palpitar seus desejos, mirar seu destino. Gosto de ficar à deriva no mar de seus olhos. Gosto das corredeiras de emoções que existem por ali. E não me importa saber que em certos momentos sou apenas um cisco. Um cisco que incomoda mesmo não querendo incomodar. Você me coça, me cutuca, me lava, me procura. E eu, sem querer lhe machucar, acabo cedendo as suas mãos. ...
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17/06/2011 -
Ela que passa
Os homens, os bichos, as plantas suspiram, inspiram e se reviram todos quando ela passa. Seres feitos de carne, de seiva, de concreto, de vidro dobram-se diante de seu passar. As águas param de correr, as aranhas deixam de tecer, o pássaro se recusa a voar quando ela passa. Até mesmos os mais secos, os mais duros, os mais fechados se derretem e se abrem e se molham ao seu passar. Até os mais fieis cometem o pecado de acompanharem um ou dois ou três de seus passos. Até os padres param de rezar, os chefes deixam de cozinhar, os ceifeiros se negam a matar diante do seu passar. ...
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15/06/2011 -
Em seu colo lhe descubro
Quando em seu colo, eu posso sentir os sentimentos remexendo dentro do teu peito. Posso sentir as ilusões brincando em seu corpo. Posso sentir o tempo lhe transformando. Posso sentir os pedidos de desculpa e os agradecimentos se misturando em sua boca. Posso sentir suas vergonhas, seus medos, seus traumas, suas tramas. Não se aflija, pois sua aflição maltrata tanto sua alma quanto meus ouvidos, sensíveis aos seus gritos.
Eu sei dos seus pressentimentos e dos seus silêncios. Conheço seus pecados, suas culpas, suas explicações. Sei da sua sequência de sonhos e dos seus últimos pesadelos. Sei das pontes que construiu e das que teve de destruir. Conheço seus caminhos e descaminhos. Sei das vozes que lhe atormentam. Sei o que lhe habita. Sei o que palpita mais forte seu coração. Sei da canção que corre em suas veias. ...
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