Daniel Campos

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Encontrados 91 textos. Exibindo página 5 de 10.

09/09/2012 - Bons ventos

Antes do sol, o vento já barulhava na janela. O mesmo vento que alvoroçava os pardais, os cardeais e os casais de sabiá. Não importava se sul ou, norte ou sudoeste. O vento trazia o friozinho da serra e o ardume do agreste. O vento grudava nos corpos como uma espécie de cipreste. Trazia cheiro de café, de pão de queijo e de outros quitutes. Trazia os últimos suspiros do orvalho. Trazia o choro da seiva no tronco do velho carvalho.

O vento atiçava os corpos a ficarem por mais tempo debaixo das cobertas. O vento em todas as direções e sentidos fazia as horas ficarem incertas. O vento de Santa Bárbara revirando o mundo. O vento de Iansã calando fundo. O vento limpando a terra de pensamentos imundos. O vento misturando pólens, folhas e cabelos. O vento despedaçando e colando corações. O vento cicatrizando canções. O vento, como trem, trazendo e levando estações. ...
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12/06/2012 - Baden Powell

O nome Baden Powell é tão sonoro e complexo quão seu violão. O erudito e o popular se casam, de corpo e partitura, na mesma batida, sob sua regência. Uma batida forte, intensa, vibrante e, até mesmo, alucinante. Uma melodia cheia, de vanguarda e repleta de ancestralidade, perspectiva e saudade.

Baden é o próprio violão. Neste caso, homem e instrumento são inseparáveis. Almas gêmeas. Baden é metade violão e o violão é metade Baden. Não se sabe dizer onde começa um e termina o outro e quem nasceu de quem. ...
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10/06/2012 - Bêbado de sonhos

Sonho que é sonho não perde a validade. Corre rio, quebra mar, cai chuva, passa tempo e o sonho, que é de verdade, continua valendo. Há sonhos que ralham, que perdem a vitalidade, mas, que com um pouco de cuidado e boa-vontade crescem do dia para a noite. Sonhos não precisam ter aparência inteira, perfeita, impecável, para serem fortes. Basta ver a lua minguante, que mesmo faltando um pedaço, é soberana no céu.

Há sonhos que com o avançar dos anos ficam mais encorpados como bons vinhos. E é sempre válido se embebedar de um ou de outro sonho. Bêbado de sonhos, eis o ápice da existência. Dizem que sonhar não custa nada. Porém, sonhar custa tempo, espaço, energia exterior e interior. Mas quem se importa em entregar tudo o que tem e o que é para viver um sonho? Sonhar é fabricar o seu próprio mundo, manipular seu destino, existir pra valer....
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09/06/2012 - Botox da alma

Nunca mais quero ser tão só. Ser tão sozinho. Ser tão eu sem você. O amor é uma espécie de botox da alma, preenche todos os espaços vazios. O amor é a completude do ser, a integralidade das coisas, a extensão do corpo em outro corpo. Não existe melhor remédio contra a solidão e suas consequências do que uma generosa dose de amor. O amor é prova e contraprova de sentimento. O amor são milhões de palavras em meio segundo de silêncio. O amor é a canção espontânea, semente instantânea de loucura. O amor liga destinos, soma vontades, subtrai saudades, une pontos em comum, ou não. ...
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02/06/2012 - Boca fechada

A duras penas, aprendi a viver em silêncio. De tanto falar a ouvidos não gratos, hoje caminho de lábios serrados. Minha língua não fala a língua dos homens, mas a língua das pedras. Somente as pedras estão a salvo de fofocas, invejas, calúnias e outros males causados pela língua. Hoje eu falo mais comigo do que com qualquer outra pessoa. A quietude é minha nova identidade. Meus verbos vivem às sombras e minhas canções são entoadas caladas como a lua.

Não há outro remédio para evitar o mal do que silenciar. Cale-se de manhã, de tarde, de noite. Os ouvidos alheios têm espinhos que quase sempre ferem suas palavras. Falar demais é se despir totalmente. E criaturas despidas são frágeis, vulneráveis, mortais. A fala em demasia empobrece o espírito, porque a tendência daqueles que lhe escutam é roubar o conteúdo e o significado das suas palavras. Ouça um bom conselho: guarde suas palavras antes que se perca delas. Palavras perdidas são vidas caídas....
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21/05/2012 - Bendita seja a minha mulher

Bendita seja entre as mulheres, a minha mulher. Bendita seja a minha mulher que, ao mesmo tempo, festeja a minha existência e que me redime de toda e qualquer penitência. Bendita seja a minha mulher que brilha por mim quando estou em eclipse total. Bendita seja a minha mulher que me alimenta não só de comidinhas, mas de sentimentos. Bendita seja a minha mulher que se deleita com minhas atividades extracurriculares e consegue estar presente em todos os meios, seja neste ou em qualquer outro mundo. ...
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26/04/2012 - Boiadeiro 7 Porteiras

Auê-uê-uê-ê boi! Xetruá Boiadeiro! Está ouvindo esse mugido cortando o sertão? Está ouvindo o trotar do cavalo rompendo o estradão? É sinal da chegada dos boiadeiros, caboclos de couro, Xetrô marrum bá xetrô! Quem foi que abriu as porteiras? Foi o chefe da comitiva, Boiadeiro 7 Porteiras, caboclo bom de laço, berrante e viola. Ele vem em de chapéu de abas largas, bota e calça arregaçada. Vem tocando sua boiada, abrindo e fechando porteiras ao longo da estrada.

Boiadeiro bom de papo, que se alegra fumando palheiro e bebendo cachaça. Sabe dançar tanto no chão do terreiro quanto em cima do cavalo. Vem aboiando e balanço os braços. Auê-uê-uê-ê boi! Xetruá Boiadeiro! Sob a luz de Iansã, senhora dos eguns, Boiadeiro 7 Porteiras conduz os espíritos dos mortos com a mesma destreza que toca seu gado. Leva cada espírito para seu destino, abrindo as sete porteiras do além para quem ele acha que convém. ...
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19/02/2012 - Balanças da alma

Já assuntou que no carnaval os pássaros não cantam, silenciam. Nas árvores ou nas gaiolas, entre asas pra lá e pra cá ou em poleiro s estáticos, eles se calam. É como se antecipassem o silêncio da quaresma. Nem estalos alegres nem repicados de tristeza, som algum deixa seus bicos retos ou curvos. Uma espécie de protesto, de luto, de voto de silêncio, de maldição ou de uma simples indisposição com o excesso de algazarra que ecoa por todos os lados nestes dias.

Os pássaros, orquestrais por natureza, parecem sentir ciúmes de surdos, cuícas e pandeiros fechando o bico propositalmente. E tem mais: além do canto, os bailarinos dos céus abdicam-se de passos de frevo, de samba, de axé como se renegassem todo movimento e qualquer movimentação. Nesta época, não desfilam, não andam em bloco, não seguem o trio elétrico. ...
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28/01/2012 - Barba estrela

Eu, a reencarnação do pirata barba estrela, navegarei pelos sete mares, pelos cinco continentes, pelos mundos real e imaginário até encontrar a cidade perdida onde brilha o sol de rubi. Por minha perna de pau, juro que navegarei e não descansarei até atracar no cais perdido da cidade proibida. Lá a rainha da terra submersa me espera com seus olhos de redemoinhos. Quero prender a imagem dessa mulher em meu olho de vidro e deixá-la nua no escurinho do meu tapa-olho.

Marujos! Todos ao convés. Levantem suas espadas e coloquem a solidão para andar na prancha. Os tubarões da escuridão estão famintos. Minto, eles estão sedentos de sangue. No fundo do mar tem um galeão afundado por um canhão. Coragem! Vamos desbravar o desconhecido, enfrentar monstros ancestrais e encontrar o amor jamais vivido por outros casais, tempos adiante ou tempos atrás. ...
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23/06/2011 - Bahia, que bom...

Que bom é se perder nos acarajés de Amaralina, ser guiado pelo farol de itapuã e experimentar de todos os santos e pecados de São Salvador. Que bom é enfeitiçar e ser enfeitiçado num terreiro de candomblé. Que bom é cair nas graças de uma cocada-puxa, comer doce de jenipapo e abusar do dendê. Que bom é passar pelo rio vermelho de Jorge Amado e beber daquela boemia. Que bom é dormir ao som das canções de ninar de um mar que canta como Caymmi, Bethânia, Caetano, João Gilberto...

Que bom é rezar na igreja das escadarias e fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim e depois pedir a benção a uma das mães-de-santo mais afamadas da Bahia. Que bom é escutar Gilberto Gil no pelourinho e descer a baixa do sapateiro ao som de sanfoneiros. Que bom é encher os olhos de suas dunas brancas e a boca dos pescados da ilha de Itaparica. Que bom é ter uma plantação de coco no seu quintal. Que bom é experimentar os sabores da Feira de São Joaquim, almoçar a beira-mar e depois se entregar aos corais. ...
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