Daniel Campos

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Encontrados 91 textos. Exibindo página 1 de 10.

22/09/2016 - Breves apontamentos para sempre

Não procure o que não perdeu. Não acabe o que não começou. Não insista com o que não acredita. Não minta se não se convenceu. Não apele se ainda não perdeu. Não mie se nasceu pra latir. Não fuja se não sabe o que quer. Não aja se não quer uma reação. Não peça um tempo se já decidiu. Não durma sem ter sonhos. Não ignore o amor, seja ele qual for.


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02/08/2016 - Bem mais que isso

Para você pode ser o suficiente, mas para mim é pouco. Para você pode ser o suficiente, mas para mim falta. Para você pode ser o bastante, mas para mim é quase nada. Para você pode ser o possível, mas eu sou de ir além do impossível. Para você pode ser o que dá neste momento, mas eu não me prendo ao tempo. Para você pode ser o necessário, mas nem mesmo você não tem ideia da minha necessidade de você. Para você pode ser o justo, mas eu grito: não há nada mais injusto. Para você pode ser o que conseguiu, mas eu sei que pode fazer mais. Para você pode ser o que eu mereço, mas eu mereço você por inteira.


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16/05/2016 - Botando pra fora

Ninguém há de segurar o meu pranto. Deixo rolar o que não dá mais para segurar. Pode ser dia comum ou dia santo, se o coração encheu, transbordou, meu pranto rolou. Não há como estocar o mundo num coração se ele tiver fundo. Não há como esperar que o sentimento vai te deixar por deixar. Mais dia menos dia vai ter que aliviar. E para aliviar nada melhor que chorar. Rio represado não corre. Terra compactada não deixa espaço pra semente brotar. Cordas presas não fazem um violão. Letras amontadas nem sempre são lidas. Mais vale uma paixão ser vivida do que esquecida. Vivendo ou não vivendo, o tempo chega e descora. Então, me deixe viver tudo o que há. E o que não fecha a conta, boto pra fora.


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10/05/2016 - Borrifando teu perfume

Borrifo o teu perfume como que tentando trazer de volta o teu corpo-de-cheiro, flor e pimenta num mesmo tempero. Borrifo sua essência e posso, como que magicamente falando, sentir novamente a sua doce e marcante presença. E pela junção das gotículas do seu perfume, vejo sem susto o seu vulto, seus contornos e entornos, sua silhueta se formando e se perdendo na penumbra de nós dois, sem antes nem depois. E essa espécie de holograma floral, cítrico, sensual que é você, ou parte de você, vai pela minha cama. Ó dama de notas zodiacais, tanto tempo faz e seu perfume ainda atiça o meu ciúme. Por onde anda você? Quem agora é dono dos seus cheiros? Quem se aventura pelo seu frasco inteiro? Quem se inebria nos seus buquês, nos seus quês de poesia, nas suas loucuras, no seu ardume? Porque me deixaste conhecer o perfume da sua falta? Me mata de prazer, de querer, de sofrer na sua fragrância. Enquanto a distância me cega e a saudade me ensurdece, tirando-me equilíbrio e razão, vou, com toda ânsia de viver, de viver-te, borrifando o teu perfume pelos meus sóis e luas, pelos meus lençóis, pelo meu corpo só. Sábio ou não, vou pela fantasia e novamente meus lábios vão tatuando na sua pele macia e perfumada o quanto continua amada.


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16/03/2016 - Bailarina de olhar anil

A bailarina saiu da ponta, arrancou as sapatilhas e correu pela rua encharcada da chuva das seis. Não se ateve aos sinais, às faixas, às regras e nem aos casais namorando ignorando o tráfego. Dessa vez ela nem tirou a maquiagem do ensaio, colocou suas personagens num mesmo balaio, e correu hospicianamente pelo asfalto que sangrou seus pés tão finos como hinos nas bocas de fiéis. E na correria do fim do expediente o mundo não se tornou ciente do desespero da bailarina que cruzou a esquina como se descobrisse de um só impacto que deixou de ser menina para ser mulher nos braços de um qualquer. Ao contrário de rosas e tangerina, deixava pelo ar um cheiro de cangibrina e seus passos embriagados iam dois pro futuro, dois pro passado. E aquele restolho de chuva caiu tudo de uma vez de seu olho esquerdo num temporal que finda a chuva trazendo a aragem, a estiagem, a viúva que só tira o preto para levar o desejo a eito. A bailarina como colombina recém-acordada na quarta-feira de cinzas avançou doida pela cidade em busca de uma saudade, de um salvamento, de um tempo que já não havia. E ela nada dizia, só chorava e resmungava do coração uma velha e rasgada homilia. Coitada da bailarina que no seu íntimo atravessou o ritmo e desafinou passos, desfigurou traços, desatou laços sem se importar se perderia ou não o compasso. Foi deixando meias-calças, meias verdades, meios amores para se entregar plena ao espetáculo dos tentáculos da noite que engoliu seu par de olhos anil.


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15/02/2016 - Bailarina do cotidiano

Ela bem chegou e tirou para o seu bem o seu sapato vermelho. Ela tão logo deitou ficou de joelhos na frente do espelho para agradecer a si mesma pelo que sonhou e alcançou os braços do seu amor. Ela chorou de alegria e se extasiou como há muito não fazia. Ela se lambuzou de satisfação e como quem marca um gol não coube em si de comemoração. E tirou a camisa e jogou à torcida que aplaudiu de pé o show daquela mulher. Ela engasgou com o coração na boca, mas desentalou de toda ilusão que já há deixava rouca. E então, antes do fim, ela se deitou como se fosse jardim de primavera florindo e se abrindo a uma nova era. E ela floriu como nunca se viu. E ela se abriu como rio que desagua nas águas do mar de abril. E ela queimou, suou e se iluminou como pavio de vela perfumada de donzela enluarada. E ela chorou quente e alucinadamente feito parafina e mais uma vez se fez menina, bailarina do cotidiano, entre acertos e enganos, entre apertos e fulanos que a apertam de um jeito que a fazem gostar e achar que o mundo é perfeito.


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09/02/2016 - Bethânia de todos nós

Maria Bethânia é emoção, beleza, força, encantaria e devoção. É um pranto de lavar corpo e alma de uma só vez e com tal intensidade que mesmo aqui já traz saudade. É a mistura de Oyá, Iansã, Santa Barbará, São João, Menino Deus e Nossa Senhora da Purificação. Bethânia é água de cachoeira que nos banha por completo e ao mesmo tempo é fogueira que fala o dialeto de quem ama e se faz chama. Explode sentimento, Bethânia é lâmina que corta como raio, trovão que a todos cala e a porta da imaginação. Bethânia, Maria Bethânia, é a tradução daquilo que de fato nos importa. Bethânia é tão nossa, como uma oração, é a bossa da fé, é o poder latente e onipresente da fantasia, da sedução, da encenação da verdade. Palco de todos os palcos, Bethânia é ato contínuo, o impacto da perfeição, o pacto com uma outra realidade, quiçá a ponte com uma outra dimensão que é amanhã, hoje e ontem ao mesmo instante. Sempre, e para sempre vibrante, Bethânia me arrepia, me extasia, me contagia e me excita numa mais que completa poesia. Bonita em uma singeleza que se transforma e se agiganta, canta, canta flor incandescente de Bethânia. Do ventre para o palco, fazendo do parto um abrir de cortinas, Bethânia é rio que não passa, palhaço que não é só graça, mas também o choro que se avista ou não, mas que se sente presente e arrebatador como num refrão. É Maria, é Bethânia, é carcará, abelha rainha, fera ferida, a lida constante e vibrante do artista. É a vista que olha pra dentro, coração ao vento, palavra que fere, adere e firma o alento em todos nós. O canto de Bethânia não nos deixa sós, e roga por mim, por você e por todos nós. Canto que quebra demanda, rompe quebranto, arrebenta corrente, liberta, reboliça, enfeitiça de pureza. É um canto baiano, indígena, brasileiro de aruanda. Bethânia com seus mantos, com seus pés descalços, com seus penachos, com suas entregas, com uma vocação, um sacerdócio que não nega. Bethânia é um canto de ar, de terra, de cascata, de sangue, de fogo, de mata, de néctar, de pólen tão saboroso quão manga madura colhida no pé. Bethânia do que deus quiser, de Santo Amaro, de Gantois, de Mangueira, de Mãe Menininha, de Dona Canô, de Caetano, de Cartola, de Vinícius de Moraes. Bethânia rei e rainha, de tantos plurais, dos circos e dos grandes teatros, aclamada por poetas clássicos e regionais, trilha de solitários e casais, organismo vivo e divino dos apaixonados de toda ordem, certeza de que céu e terra se encontram e de amor explodem.


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31/12/2015 - Barco rumo ao mar

Uma boa sorte para você. Toma o barco e confia no tempo que vai te levar rumo ao mar. Escolha o seu rio, sem medo, e deixa o barco correr ao vento que deus dá. É você quem segue nas águas e águas passadas têm que ficar para trás. São as águas novas que te chamam, que sustentam teu barco e te tão de beber. Aceite o que vem pela frente de bom grado e tudo mais deixa acontecer. Não pense no que está lá na frente, deixa fluir, o rio da vida leva o que tem para levar no seu tempo, com certeza e beleza, ao mar. E o mar é o todo, é onde a gente quer chegar, é onde a gente vai se encontrar com tudo o que sempre quis. O rio é sinuoso, sobe e desce, às vezes dá alvoroço, é mais largo ou mais estreito, mais fundo ou mais raso, dependendo da passagem, toda hora muda a paisagem, mas é o rio da vida que nos dá ao mar, como barquinhos cheios de sonhos e pedidos às mãos de Iemanjá. Deixa clarear. Deixa raiar. Deixa correr o rio que há em você. E vamos ao mar, vamos nos entregar, vamos nos deliciar com cada curva do rio. O hoje não volta. E o agora está mais perto do amanhã do que se pode imaginar. Viva o rio da vida, com tudo o que ele pode te oferecer, sem deixar de sonhar, desejar e se ter com o mar.


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19/11/2015 - Breve e certa

A felicidade rompe quando a tristeza se corrompe. Aproveite as falhas do triste. A felicidade é a brevidade do que existe. Ninguém é feliz para sempre, mas todo mundo pode ser fruto, flor e semente. Basta aproveitar as oportunidades. Basta não querer viver de saudade nem de anti-realidade. Não morda a isca da felicidade distante. A felicidade, como amante, mesmo abstrata e proibida, deve andar perto. A vida é um deserto, então, aproveite os oásis que surgem como miragem em seu caminho. A agulha por mais pontiaguda precisa da maciez do linho para dar os pontos necessários no destino. Se o espelho mostra um homem é porque um dia já aprisionou o menino.


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11/11/2015 - Bate no peito caboclo

Bate no peito caboclo que é. Pede respeito, grita sua fé. Bate no peito índio cacique pajé. Avisa que chegou e que a luz já raiou. Não deixa mal algum de pé. Bate no peito e faz trovoada. Leva todo ódio, olho-gordo, maldição a bater em revoada. Bate no peito com seu jeito próprio. Bate no peito para despertar todo amor que há. Bate no peito e faz estrondar. Faz o seu canto e com o seu encanto jaz o meu pranto. Evolução do guerreiro que bate no peito se fazendo inteiro. Bate no peito como quem bate numa árvore acordando sua natureza. Bate no peito como quem bate na pedra chamando o que há para além da sua dureza. Bate no peito como quem bate no coração evocando sua pureza. Bate no peito caboclo que é. E não é caboclo qualquer. Bate no peito levantando toda vida dos ninhos, dos leitos, das fogueiras, das cachoeiras, das pedreiras, das matas inteiras, dos caminhos de deus. Bate no peito e que as coisas ruins digam adeus.


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