Daniel Campos

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Encontrados 112 textos. Exibindo página 3 de 12.

22/10/2015 - Vamos à praia

Vamos ver o sol nascer molhado. Vamos ter no mar nossos corpos lado a lado. Vamos pular sete milhões de ondas. Vamos catar conchas no raiar do dia. Vamos nos despir de tudo o que já não vale à pena. Vamos nos oferecer à rainha do mar. Vamos ver o mar azul ficar esverdeado. Vamos bailar nas dunas. Vamos trocar beijos à luz da lua e das lunas. Vamos ter um faroleiro só pra nós. Vamos jogar búzios e runas. Vamos descarregar o que não dá mais pra levar. Vamos salgar nossos corações. Vamos reabastecer nossas lágrimas, renovar nosso sal interior. Vamos selar nossos tecidos contra mau-olhado, inveja, olho-gordo e todo engodo. Vamos nos enroscar nos corais. Vamos nos casar e casar os casais. Vamos nos deixar à maré. Vamos mais uma vez ser homem e mulher. Vamos ter asas de espumas. Vamos nos perder nas brumas. Vamos morar num castelo de areia. Vamos ter com a sereia. Vamos ser, sobretudo e para tudo, o momento. Vamos nos atirar ao vento e ouvir o que netuno quer nos dizer.


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03/10/2015 - Visões

Quando você vê uma teia de aranha, arranca-a ou fica admirando a arquitetura das fiadas certeiras? Logo após um susto, toca em frente ou para agradecer aos céus pelo prolongamento da sua vida? Diante do por do sol, você percebe os anjos misturando as cores ou só vê mais um dia se acabando? Se estiver caminhando e for surpreendido pela chuva, corre reclamando da água ou abre os braços e encara aquilo como uma benção? Ao folhear um álbum de fotografias antigas se prende às mudanças da aparência ou às lembranças boas? Diante de uma encruzilhada, pega o caminho mais bonito, mais fácil, mais conhecido ou aquele que seu coração indica? Tem buscado mais os ponteiros do relógio ou os pássaros que seguem outro tipo de horário? Ao olhar a sua volta consegue ver tudo ou pouco tem percebido da vida que o rodeia? Se a mata incendeia você fecha as janelas para não entrar fuligem ou sofre com as árvores e animais queimados? Encara tudo como um acaso ou fruto de um propósito maior? Convive com os outros como se fossem apenas ilhas ou partes do seu continente? Tem sido mais razão ou emoção? Tem sido mais diferente ou indiferente? Tem sido mais o que você quis ser ou o que já foi um dia? Quando entra num mar, num rio, numa mata pede licença ou acha que tudo aquilo lhe pertence? Há mais saudade ou vontade dentro de você?


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02/10/2015 - Vamos coqueirar

Se eu sou coqueiro, coqueiro é, estica uma rede entre nós pra dona saudade deitar. Embala a saudade, embala pra lá e pra cá. Deixa o vento dobrar suas folhas, perfuma o ar. Deixa o alento revirar suas folhas, colore o mar. O sol já saiu e a noite fugiu. Sombreia na areia que dona lua já dormiu. O pescador saiu pra jogar sua rede. Dona moça ficou olhando a maré verde esperando seu bem voltar. E como o mar não tem parede, estica a rede no coqueiro pro barco descansar. Vamos coqueirar, coqueiro é santo quebra corrente e dá encanto de se enamorar. Se eu sou coqueiro, o que é que há, coqueiro é, coqueiro beira de mar, quem disse que as árvores não podem se apaixonar? Requebra coqueiro veleiro das matas, cascata que não quebra. Se eu sou coqueiro, dona brisa, coqueiro é.


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28/09/2015 - Verdades não ditas

Bicho do mato não pode sair do mato senão bicho não se responsabiliza por seus atos. Saudade comprida vai até onde a gente encomprida. Se a onça não tem pinta não é a gente que vai pintar. Tem mais sabiá cantando do que chorando e isso é bom de imitar. Tudo que é de se querer sem ver é de coração. Nem sempre o que embala o sono é uma canção. Se fossem de néon as estrelas dançariam de tão leves e durariam mais do que o universo se atreve. Se saudade valesse algo de verdade não ia faltar frete.


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16/09/2015 - Virando do avesso

Toma minha boca como sua e sai pela rua comemorando o fato de ter colocado entre eu e o tempo o seu retrato. Ouça balbuciar ainda em seus lábios, mesmo que distante de mim, a minha última palavra, já rouca, pedindo para você ficar mesmo sabendo que você não é de atender pedidos. Tropeça nos gatos vadios. É iluminado pelos faróis bêbados dos carros. Ganha cantadas baratas. E mesmo assim vai caminhando para longe de quem nunca lhe foi nada além de uma boca cheia de palavras sem sentido. Nunca entendeu um poema que foi dito aos seus ouvidos ou escritos em suas costas. No começo eu a rejeitei. E depois eu me neguei. E pior, acostumei a me negar para continuar lhe querendo. Comemora em outros copos o fato de ter feito desse homem sem saudade um copo vazio cheio de lembranças.


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18/08/2015 - Viramento

Vira mais uma de amor. Estamos a oito mil rotações por minuto. Tudo gira. E a cada beijo eu sinto parar no alto da roda gigante de um parque iluminado de lua cheia. Rodeia-me enquanto rodo o seu corpo no meu. Sou seu catavento. Roda, roda, roda seus olhos nos meus olhos enquanto nossas peles misturam seus óleos. Rodopia sobre mim. Faz viramento de mim. E vamos nos virando e nos amando e nos encontrando nas voltas desse carrossel. Faz seu circulador em mim. Corrupia-me com seus passos, braços, traços, percalços, estardalhaços, compassos. Volteia-me com suas voltas sem volta virando sempre mais uma de amor.


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11/07/2015 - Viva você

É preciso deixar de fazer tantas coisas inúteis. Deixar de doar o melhor do seu tempo a essas pessoas fúteis. Dar um basta na produção para viver o teor do seu canto de sublimação. E o meu canto é o encanto da imaginação. Imagina uma nova realidade. Imagina a cidade sem a cidade. Imagina que possa voar e voa. Permita-se estar à toa. É preciso viver fora da ordem. Não deixa que eles lhe podem. Busque você em você. Olhe pra dentro. O que é que você vê? Crê em sentimento? Se não crê passe a crer e a viver de dentro pra fora. Tira o melhor do seu tudo e dá ao mundo. Ria. Chora. Pia. Cora. Do jeito mais profundo sem ajeito mas no feito que vai fundo. Deixa de ser rente. Larga de ser gente. Faça a semente que é você vir a furo. Seja você no seu teor mais puro. Não faça ou desfaça sua vida pelos seus vizinhos. Cada um que siga os seus caminhos.


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21/05/2015 - Vida de cachorro

Meu cachorro me falou que não quer mais ser cachorro, que não aguenta mais viver no osso da vida pós-moderna. Enjoou da ração que é todo dia sempre igual. Sente necessidade de ter crédito na praça para comprar o que vê nas propagandas da televisão. Quer fazer terapia para passar incólume pelos pets shops. Meu cachorro está depressivo com saudade de ser cachorro de verdade, seja correndo pelo campo, rolando na grama, latindo quando lhe der na telha. Agora meu cachorro tem que respeitar a lei do silêncio do condomínio estando, portanto, terminantemente proibido de uivar para o melhor da lua cheia que é na noite alta. Tem saudade até do tempo que tinha uma pulguinha ou outra para passar boas horas se coçando. Hoje com esse tanto de shampoo e condicionador canino está tão limpo e macio que parece mais enfeite que cachorro. Ele queria mesmo era correr livre, rosnar pra carteiro, roçar nas cadelinhas, cheirar o traseiro alheio. Mas agora vive entre paredes, espiando o mundo apenas da janela do décimo sétimo andar. E quando sai é de coleira. Deixou de ser cachorro para ser um produto. Ele sente falta do tempo que eu tinha tempo para brincar com ele e não apenas para postar suas fotos nas redes sociais. Meu cachorro anda tão estressado que morde o próprio rabo e deita de barriga para ficar olhando pro teto. Odeia o funk, o sertanejo universitário, o pagode dos vizinhos. Queria mesmo era poder escutar o som do vento batendo nas árvores, a cantoria da passarada, as prosas das pessoas que tinham muita história para contar. Hoje meu cachorro tem as unhas compridas porque só anda no porcelanato. Queria mesmo era pegar carrapicho, correr atrás de galinha, deitar em qualquer lugar. Queria poder comer comida de verdade, meter as fuças onde quisesse e ainda sorrir numa total falta de compromisso, pois na sua agenda só constaria uma anotação: ser cachorro.


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19/05/2015 - Vira homem vira bicho

O sapo se incha todo e até toma banho no lodo querendo namorar. O pavão abre a cauda, a cigarra estronda, o cachorro uiva querendo namorar. O gato mostra as unhas, a galinha abre as asas e o rato sai da toca querendo namorar. O canguru troca de bolsa, o jacaré palita os dentes e a girafa estica ainda mais o pescoço querendo namorar. O galo estufa o peito, o macaco faz graça e a cobra encontra seus pés querendo namorar. O porco rola na lama, a mula pisa feito uma dama e a lagartixa cai na cama querendo namorar. O grilo afina a sanfona, o tatu fica nu e a maritaca se ataca querendo namorar. O pato até bota ovo, o carrapato desgruda e a matilha fica muda querendo namorar. O leão penteia a juba, o cisne faz pose e o cavalo empina querendo namorar. A formiga sai da trilha, a hiena fica séria e o elefante é todo ouvido querendo namorar. A onça dá pinta, o lagarto dá língua e o papagaio dá o pé querendo namorar. O morcego dá com a cara na parede e o peixe cai na rede querendo namorar. O cupim morde, o bode cospe, o hipopótamo se sacode querendo namorar. A vaca se esfrega, o coelho não sossega, a cabra fica cega querendo namorar. O tubarão se faz de vilão, o pinguim jura fidelidade e a aranha teia a saudade querendo namorar. O jumento dá coice, o camaleão muda de cor e a taturana pega fogo querendo namorar. O homem vira bicho e o bicho vira homem querendo namorar. ...
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02/05/2015 - Vidinha do mato

Nunca quis vida de novela. Não sou do asfalto nem da favela. Sou do mato. Nunca fui de contentar em ver a vida passar debaixo da minha janela. Sou simples, mas de fino trato. Na minha aquarela, as cores se casam, e se misturam e se lambuzam. Não quero que nada caia do céu, mas não admito que roubem o meu papel. Sou dono da minha cena. Sou a alma do poema. O amor é o meu lema, minha lança e o meu escudo. Sou sonhador, rei do meu ludo. Lá, e ainda lá, tenho nada e tenho tudo. Sou do alecrim, da arruda, do guiné... Sou do povo da fé. O tempo brinca em meus canteiros. Cada esperança é uma corda que me sustenta. Sou violeiro que inventa moda em penca. E não acredito no azar da avenca. Sou da roça e o destino não se dá a quem não se coça. Na minha viola ganho mola, vou às nuvens e faço bossa enquanto sinhá anja me roça e adoça.


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