Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 319 de 320.

Versos tatuados

Não sabia as horas, tampouco a data. Sabia apenas que o céu, como se de luto, cobria-se de negro e que aquele era o melhor momento para encontrá-la. A mulher, de sorriso leve, pouco a pouco, tornava-se mais a vontade diante dos olhares de algas marinhas que lhe olhavam do espelho. A cada novo encontro, o sorriso parecia mais leve e os olhares mais surpresos.

Na beira do cais, nos campos de girassóis, na rua mais famosa da cidade, num quarto escuro... Não havia lugar certo para se dar o encontro. Depois de quebrar todos os relógios e rasgar todos os calendários, ninguém mais tinha consciência se ela se atrasava ou não... Eu, uma embarcação a deriva no tempo, apenas navegava em suas ondas. Ela, o próprio tempo....
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Vestida de baile

Com um vestido de baile que nunca dançou, saiu pela cidade afora. Saltos nas mãos, pés na grama úmida, olhos para além dos anéis de saturno. Vestido cor de peixe, saltos cor de lua, grama cor do mar que não havia ali e olhos cor de céu em noite de cometas. Passos de campari. Ora mais pra lá ora mais pra cá de uma linha imaginária. Assim como a bebida, seus passos eram vermelhos e vinham num doce-amargo. Em seus passos folhas, caules, raízes, frutos e flores dos quatro continentes.

Não levava cigarros na boca ou na bolsa, aliás, não levava bolsa nem o toque de um celular. Mas levava preocupações. Era o trabalho da faculdade, o crediário de três ou quatro necessidades fúteis ou futilidades necessárias, era o mau-humor do chefe, era o sono, era o vizinho, era o começo da gripe, era o ciúme do pai, era a tosse da mãe, era a histeria da irmã, era a estripulia de um cachorro, era o relógio quebrado, era a roupa manchada, era um disco emprestado, era a azia do jantar, era o cunhado bêbado, era o carro enguiçado, era a falta de tempo, era a segunda-feira, era a falta de algo ou de alguém, era o fim da festa antes do fim. Festa? ...
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Viagem ao espaço

Depois de um longo tempo sem emprego, foi contratada para fazer propaganda de uma multinacional. Quando pegou o imenso balão vermelho em suas mãos, pegou também uma dezena de sonhos e sabores que andavam caídos dentro de si. Sonhos de quando queria ir às estrelas, completar a volta ao mundo em um balão, testemunhar o sol mais de perto, sentir seu calor, seu suor.

Mas seu corpo, pelo regime de tantas ilusões, não conseguia suportar tanta força. E tantas vontades aliavam-se a um vento forte para arrastá-la para os céus. Os pés chegavam a derrapar no gramado ao lado da avenida onde tinha que ficar segurando a propaganda com um nome em inglês. ...
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Vida em folha morta

Dizem que meus escritos são tristes. Não me considero o senhor da tristeza. Digo e afirmo que nunca quis adotar um estilo trágico, sequer apoio o drama como forma de vida. Mas além de sofrer influências do mundo de sentimentos que me cerca, talvez eu tenha um toque natural de tristeza. Onde toco não vira ouro, vira tristeza.

Escrevo o que sinto - nada além nada aquém. Não disfarço os sentimentos, eles se afloram em mim na sua forma bruta para posteriormente serem lapidados. O ideal é que as palavras, mesmo refinadas, sejam fortes. Fortes na essência. Cada letra deve guardar algo, uma razão que possibilite a sua estada no contexto. As palavras não são os frutos de uma angústia nem de um contentamento, ao contrário, são produtos do momento. Procuro passar para o papel aquele momento. O estado é transitório. Transcrevo o instante. Escrevo no meu tom, não tenho culpa se o julgam como triste. ...
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Vidas que sangram

A natureza está morrendo. A frase parece banal ou óbvia demais, quando, na verdade, é de uma simplicidade forte. Uma morte silenciosa. Sem línguas de fogo ou gemidos de dor. Estamos em franca extinção. Não sorria ou ache que é mais uma profecia como tantas outras que não se cumprem. Não sou profeta. Sou apenas um observador dos sentimentos do mundo.

Você que agora lê essas pobres linhas, olhe a sua volta. Exceto se estiver num sítio, nos poucos que ainda sobrevivem, quase não encontrará o verde. As árvores restantes se contorcem entre fios, condenadas pelas podas criminais. Seus olhos, já cinzas, irão se encher de concreto. Ah! A dor dos olhos de concreto. Espere! Pare por alguns segundos a leitura e tente escutar o canto de algum pássaro. Não falo de pássaros engaiolados ou aqueles de aço. Silêncio... Onde estão os pássaros? Onde estamos??? Perguntas... O inverno passa sufocante, com febre e saudade do frio. A seca se alastra e, a cada novo ano, abraça mais dias do calendário. O céu é borrado em tantas cores artificiais que lhe roubam o azul. O meio ambiente é estuprado em praça pública. A palavra é forte, mas se faz necessária. Estupro!...
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Vila das valsas (trecho I)

"Dançava descalça pela grama enquanto estendia algumas peças de roupa. Inventava coreografias com os tecidos antes de pendurá-los no varal. Um balé entre roupas vermelhas, azuis, verdes e lençóis brancos. Um balé sem sapatilhas. Como num efeito óptico, ora eu via todas as linhas de seu corpo num desenho mágico ora eu via somente uma sombra escondida atrás de algum lençol. Não seria demais se ela se equilibrasse no arame do varal com a ponta dos pés, sem sombrinha, sem rede, sem público... e rodopiasse sem tocar os pés no chão"...
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Vila das valsas (trecho II)

"Sem adeuses, propriamente ditos, e em silêncio. É assim que eu parto, como fora assim em todas as outras vezes. Não podia impedir esse caminho que se traçava dentro de mim. Vontade de ficar e de ir embora ao mesmo tempo. Portanto, não podia dar ouvidos às minhas vontades. Apenas, fazia o que era para ser feito. Certo ou errado, tinha de ser feito. Pouco a pouco, os pés ganhavam ritmo. Eu e a estrada, velhos companheiros. Se gostamos um do outro, não sabíamos, mas guardamos certa intimidade. Eu não fugia dela, tampouco ela fugia de mim. Quando um de nós, independentemente de quem fosse, procurar pelo outro, saberia aonde encontrar".


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Vila das valsas (trecho III)

"Um casebre de madeira com uma longa varanda sustentada por velhos mourões. Talvez eucaliptos. Desci sem companhias. O trem, sem estímulos, cumpria o seu curso e aos apitos, alimentava-se de trilhos. Eu, sozinho, um lugar onde jamais pusera os pés antes. Fiz, mas o porquê de fazê-lo ainda não sabia. O estranho é que quando o trem parou, algo me dizia que aquela era a minha estação. Sem ninguém para pedir conselhos, tinha que escutar vozes que vinham não sei de onde. Hipóteses à parte, o fato é que eu estava na Estação de Vila das Valas. Uma placa trincada, talvez por prego, talvez por caruncho, talvez por idade, dependurava-se tímida num dos caibros da varanda. Vila das Valsas. Por enquanto, simples dizeres. Vila das Valsas. Uma cidade perdida entre o horizonte nublado e a terra úmida".


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Vitrines

O sol, imenso e amarelo, ardia em febre. Perdia-se facilmente a conta entre os tantos graus Celsius. Aflito, deixava um pouco dessa febre nos caminhos por onde andava a procura de algo que não se sabia exatamente o quê. Enquanto procurava, a vida prosseguia com as suas tarefas de rotina.

O sol quente. Em uma espécie de tontura, ela apóia-se numa vitrine qualquer. Cabeça baixa. Pouco a pouco, a sensação de ver o mundo sem eixo, sem gravidade, sem juízo. Conforme respira lentamente, os olhos se enchem de sol e os mistérios se confundem. Os mistérios daquele sol e daqueles olhos, lado a lado. E numa falta de memória repentina, não sabia onde estava. A única coisa que sabia é que aqueles que lhe olhavam da vitrine, e que parecia conhecer de algum lugar, tinham uma tristeza qualquer. Aqueles olhos tristes, berçários de beleza. ...
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Vocabulário do sítio

Jabuticaba. Carambola. Pitanga. Amora. Manga espada. Goiaba vermelha. Ninho de pomba. Samambaia em penca. Tijolo à vista. Rádio caipira. Flor de erva-doce. Capim gordura. Caco de telha. Água de poço. Lagoa de mina. Flor do brejo. Canário da terra. Cobertura de salitre. Ovo de angola. Canto choco. Fumo de rolo. Ronco de trator. Gato no telhado. Torresmo no caldeirão. Amarelo girassol. Cacho de banana. Bainha de canivete. Chapéu de palha. Pedra de amolar. Torrão de terra. Barranco para pescar. Touceira de bambu. Enxada de duas libras. Olho de vaca. Lenha no fogão. Porteira aberta. Arame farpado. Rama de abóbora. Roupa para quarar. Assobio para chamar. Imagem de santo. Caveira de boi. Ameixa amarela. Parreira de chuchu. Mastro de São João, Santo Antônio e São Pedro. Buraco de tatu. Barulho de abelha. Travesseiro de paina. Mandioca pão. Casca de mexerica. Chão de folhas. Rastro de rastelo. Carreiro de formiga. Sinal de chuva. Cheiro de mato. Canto de cigarra. Brabeza de galo. Canto de sapo. Rede de retalhos. Café de coador de pano. Pastel de palmito. Marmita embrulhada no jornal. Conversa no poço. Cavalo marchador. Arado de boi. Leite no mangueiro. Goiabada cascão. Sombra fresca. Causo de assombração. Rapadura no tacho. Apito de trem. Mosquito porva. Palma benta. Cachorro brejeiro. Formiga saúva. Garrafa com sete ervas. Orquídea olho-de-boneca. Criança sapeca. Calça rancheira. Carreta de milho. Caipirinha de limão galego. Vestido para quarar. Tilápia, traíra e lambari. Lagarta e borboleta. Casa sem forro. Bolo de fubá. Frango no terreiro. Conhaque pra quebrar a friagem. Carreador. Fiapo de manga. Arapuá, abelha de caixão, tapagüela e marimbondo vermelho. Cobra coral. Sinal de raposa. Espinho de ouriço. Casa de joão de barro. Caroço de abacate. Espinho de carneiro. Folha de alface. Ronco de chuva de pedra. Vento de três dias. Lua com círculo de seca. Pão sovado. Queijo meia-cura. Mel em favo. Arroz do diabo. Véu de noiva. Guanxuma. Coquinho. Macaúba. Baqueara. Laço de corda. Moda de viola. Estrada de pedregulho. Morcego. Galinha carijó. Pimenta de arder. Garça, paturi e mergulhão. Mourão de cerca. Bagaço de laranja. Jatobá. Vestido de jabuticaba. Boca de amora. Toucinho no defumador. Gordura de porco. Cana no facão. Lima limão. Balãozinho e beija-flor. Sombra de figueira. Conversa sem pressa. Vôo de gavião quero-quero. Pio de coruja. Preguiça de cachorro. Galho no caminho. Remendo na camisa. Pasto e cupim. Invernada em pleno verão. Medo de geada. Paiol. Casca de cigarra. Ferradura de sete buracos. Tomate cereja. Mastro de São José. Canteiro de alface. Caminho de barro. Sal grosso em cruz. Palha de milho. Folha de coqueiro. Cancela de oito fiadas. Leite de mamão. Pontilhão. Visita pra chegar. Conversa de grilo. Milho de cural. Leite no mangueiro. Mamangava de maracujá. Alho em réstia. Broto de couve. Pena de galinha. Ovo azul. Musgo na calçada. Verde abacate. Brancura de algodão. Abraço de cipó. Saudade caipira. ...
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