Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 305 de 320.

Globalização: cooperação ou privatização?

Teoricamente, globalização implica na queda de fronteiras (econômica/ política/ social) existentes pelo mundo. Num primeiro momento pode-se pensar num povo sem fome, sem guerra, com sorrisos estampados nos lábios em vista de um enorme pacto social de cooperação. Entretanto, a globalização se vende como uma proposta de paraíso perdido e age violentamente como uma nova colonização.

Quem controla a globalização são os países desenvolvidos. Eles, os donos da "cultura dominante", impõe as suas vontades ao resto do planeta. É como se o mundo fosse ditado pelas mãos de meia dúzia de ditadores. O exemplo concreto é o discurso que envolve a ALCA (Associação de Livre Comércio das Américas). Fala-se de união, mas nas entrelinhas do discurso de Bush esconde-se uma Cuba que ficará de fora da associação e um protecionismo voltado para os produtos americanos. Irão vender milhões de litros de Coca-Cola, de lanches do Mc?Donalds, de carros da Ford ao longo do continente americano, mas continuarão as inúmeras restrições relacionadas aos produtos de outros países no território do Tio Sam. E é assim com a França, a Inglaterra, a Alemanha... ...
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Grão de mostarda

Era um rosto ou uma parede aquilo que se equilibrava sobre seu pescoço? Essa era a pergunta que andava na cabeça dos bêbados de sol, de fome e de outros tóxicos. Um rosto duro instransponível homogêneo. Como se ela tivesse nascido da muralha da china. Nenhuma maquiagem. Nenhuma expressão. Só uma longa extensão de nada com coisa alguma. Assim, ela corria por entre as mesas de um restaurante de duas, no máximo, três estrelas.

O lugar era condizente com o rosto daquela mulher. Enquanto escondia o rosto, misturando boca, nariz e olhos num mesmo plano, sem profundidade ou relevo, levava seu umbigo sempre à mostra. Não tinha piercings, tatuagens ou qualquer outro marketing. Só o umbigo. E embora pequenino, perdido naquela falta de barriga, surgia como um estrondo diante dos olhos desavisados. Pudera, aquele umbigo tinha mais expressão que seus olhos. ...
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Grávida

Grávida, ela teria o andar equilibrista de sempre. Grávida, ela caminharia um pouco mais devagar. Grávida, existira o cuidado, o zelo, mas os saltos teriam a mesma altura. Grávida, ela traria os últimos botões desabotoados. Grávida, os cabelos viriam presos, não sei por qual razão, mas viriam presos. Grávida, ela passaria a conversar ainda mais consigo mesmo. Grávida, os sobressaltos seriam mais raros. Grávida, misturar-se-ia à barriga numa cena digna de filme europeu. Grávida, ela se pegaria lendo as mesmas páginas de um romance qualquer. Grávida, ela ficaria horas a fio, tentando adivinhar o sexo do bebê, a partir de seus movimentos, embora tivesse a resposta na ponta da língua. Grávida, encher-se-ia de segredos. Grávida, ela iria mergulhar ainda mais em si. Grávida, ela teria todos os motivos e justificativas para deixar escapar uma lágrima. Grávida, ela seria manhosa. Grávida, tantos sonhos seriam gerados com a criança. Grávida, ela procuraria um lugar para se esconder longe de qualquer civilização. Grávida, ela se fingiria carente. Grávida, ela acreditaria em fadas. Grávida, ela dançaria com a barriga, escondida de qualquer testemunha, uma música que há tempos não ouvia. Quem sabe Phill Colins. Grávida, a feminilidade lambuzaria os seus lábios. Grávida, seus sorrisos seriam ainda mais longos. Grávida, ela teria vontade de tantas coisas que não existem. Grávida, ela iria deixar ser tocada pelo sol. Grávida, ela pediria conselhos para a lua. Grávida, ela se tornaria mais arisca. Grávida, ela faria visitas a tantas portas que ela mesma havia trancado. Grávida, ela se sentiria mais forte. Grávida, as contrações não seriam maiores do que nenhuma outra dor. Grávida, o parto seria calmo, sem gritos ou gemidos. Grávida, o maior medo seria ver o bebê deixar o seu corpo. Grávida, agarraria a criança, como sempre tentou agarrar o mundo. No entanto, mesmo com unhas compridas, o bebê escaparia e deixaria a despedida em suas mãos. Grávida, ela se entregaria aos sonhos....
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Helicópteros e gatos vira-latas

Dois helicópteros voando feitos balões de hélio. O barulho das nuvens sendo cortadas, dilaceradas, despedaçadas por aquelas lâminas. Lâminas que depilavam os sonhos de uma mulher que via o mundo passar da janela de um ônibus. Assim como aquelas duas máquinas ovaladas, vestia-se de luto. Vestia a noite em seu próprio corpo. Corpo sem pêlos, sem apelos e com tantos dramas enrolados em feitio de novelos. Novelos prontos para serem tecidos. Mas ao invés dos teares, preferia entregar esses novelos para a brincadeira dos gatos vira-latas. Gatos que apareciam e sumiam de sua casa num piscar de olhos. ...
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Horário de ilusão

Pega, pega, pega o ladrão! Pega o ladrão! Fui roubado, furtado, assaltado... Dê o nome que quiser a esse crime, o fato é que me roubaram o tempo. Quando acordei, faltava uma hora, faltavam 60 minutos, faltavam 3600 segundos no meu dia, na minha vida, no meu destino... Quantos os beijos que poderiam ter sido semeados e colhidos durante o passar de uma hora e não vingaram? Quantos os versos que poderiam ter sido escritos durante uma hora e foram levados para longe das minhas páginas? Quantos os sorrisos que deixaram de fazer parte da minha boca e dos meus olhos nesse intervalo de tempo? Quantos sabores e perfumes eu deixei de sentir com esse autoritarismo? Quantos os sonhos que caíram assassinados durante essa uma hora? Pode parecer pouco, mas para quem enxerga a vida como uma colcha de retalhos, costurada de detalhe em detalhe, é muito... ...
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I like chopin

Sob o efeito de um meteoro, as árvores ficaram de lado e nem se atreveram, por medo ou vergonha, a jogarem suas sementes na clareira. Medo de um outro terremoto. Vergonha de serem expulsas por um pedaço de pedra. Sementes de conquista. Conquista de espaço e de tempo, sementes que alastravam clones daquelas árvores e sementes que faziam com que aquelas árvores se perpetuassem a cada broto.

Durante séculos ninguém pisou ali. Aliás, ninguém ousou pisar ali. Mas ousadia era uma palavra que não faltava no dicionário daquela que era ousada por natureza. E ela, para deixar as árvores boquiabertas, deitou em sua cama de lençol egípcio e amanheceu deitada naquela relva baixa que cobria aquela clareira amaldiçoada. Quando o sol deu vista aos olhos das árvores, elas não acreditaram. Tem alguém na clareira. Tem alguém na clareira. Tem alguém na clareira. Era essa a frase que ecoava pelas galhas das árvores como se fosse e voltasse pelo fio daquele telefone feito com duas latinhas. Telefone que se brinca quando criança. Mas ali parecia não haver nenhuma criança. E nem havia passado, o tempo era presente....
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Identidade secreta

Em um desenho futurista, três grandes argolas de ouro se entrelaçam em cada orelha. Designer norte-americano e filosofia oriental, lado a lado. Mas isso não é o mais importante para aquela mulher que gostava de esbanjar. Fosse por meio dos acessórios de shopping center, do carro de sangue alemão ou das fotos da última viagem transatlântica, ela, propositalmente, deixa-se à mostra. Não fazia por mal, mas gostava de chamar os holofotes para si.

As mulheres a odiavam. Amigas? Uma ou duas, no máximo. Os homens? Cafajestes e românticos, modistas e socialistas, figurões e plebeus eram unânimes no amor e no ódio que nutriam por ela. Amavam-na à primeira vista e a odiavam nas demais. Vivia com roupas de academia, o que a deixava ainda mais provocante. Vivia para o seu corpo e, nas horas vagas, passeava por lentes objetivas. Era modelo fotográfica. Outdoor, capas de revistas, interface de sites... Seu rosto de menina que cresceu comendo iogurte sempre aparecia ao lado de algum produto. Era um ótimo chamariz. ...
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Ilusão cortante

Silêncio. As palavras seguem as lágrimas que seguem as palavras num comboio sem hora para acabar. Os olhos se deitam no chão. O abraço dura uma vida. Aromas, texturas, cores passam apressados em nossas cabeças. O passado não acabou. O futuro não chegou. Ah! Tanto a dizer. E o silêncio é a melhor palavra. É proibido dizer adeus. Abraços, como uma ilha cercada pelo aceno da separação. E se houvesse música, haveria passos. Mas não havia som. E se houvesse seria bolero, tango. Diante da tristeza, melhor o silêncio. O mundo, em sinal de respeito, se calou. Não havia telefone, não havia pássaros, não havia carros, não havia crianças... ...
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In-Dependência ou morte

Ainda ecoam gritos de independência pelo ar. Tolos os que gritam independência ou morte! Mais do que defender a dependência, de todo coração, assumo-me dependente. Gritem ou esperneiem à vontade os historiadores, os cientistas, os políticos. A verdade é que eu sou infinitamente dependente do amor. Ah! A liberdade é coisa dos solitários. A individualidade é o locus dos que temem o ato de amar. O eu próprio é a antítese da coletividade, que é o alicerce da nossa existência.

Por tudo isso, o discurso da independência não passa de uma grande bobagem. Viver é uma eterna dependência. Precisamos disso e daquilo, daquele e daquela seja nas mínimas relações cotidianas ou nas mais complexas engrenagens da alma. Essa coisa de ir às ruas, de desfilar, de exibir o título de independente é a mais pura chacota. A dependência é um mal de raiz, cuja ruptura significa a própria morte. Assim, posicionar-se entre a independência e a morte é o mais equivocado dos atos. ...
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Ipê amarelo

Hoje o dia vai amanhecer como outros domingos. Cor de sol, perfume de pão, canto de galo, grito de criança, conversa na esquina... Mas o vento de agosto vai acentuar o que não tem nome, mas que se acostumou a se chamar de saudade. Ah! Como é triste o vento de agosto. Ah! Como dói o vento de agosto. Ah! Como grita o vento de agosto. Como é difícil estar longe quando se é tão perto.

Hoje, a lembrança fica ainda mais forte. Hoje, em tudo há um quê de falta. Falta um abraço, um beijo, um olhar... Mas nessas faltas, tudo se faz presença. Um sabor, um texto, um gesto... Dos detalhes mais simples faz-se o encontro. Hoje, vou ligar aquele radinho de pilha. Hoje, talvez eu faça carne moída. Detalhes... E são tantos encontros no espelho. As imagens se confundem. E é como se nos encontrássemos para além do espelho. Eis a beleza do sentimento. Ele existe para além do físico, do palpável, do concreto. ...
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