Grão de mostarda
Era um rosto ou uma parede aquilo que se equilibrava sobre seu pescoço? Essa era a pergunta que andava na cabeça dos bêbados de sol, de fome e de outros tóxicos. Um rosto duro instransponível homogêneo. Como se ela tivesse nascido da muralha da china. Nenhuma maquiagem. Nenhuma expressão. Só uma longa extensão de nada com coisa alguma. Assim, ela corria por entre as mesas de um restaurante de duas, no máximo, três estrelas.
O lugar era condizente com o rosto daquela mulher. Enquanto escondia o rosto, misturando boca, nariz e olhos num mesmo plano, sem profundidade ou relevo, levava seu umbigo sempre à mostra. Não tinha piercings, tatuagens ou qualquer outro marketing. Só o umbigo. E embora pequenino, perdido naquela falta de barriga, surgia como um estrondo diante dos olhos desavisados. Pudera, aquele umbigo tinha mais expressão que seus olhos.
Valendo-se disso, usava roupas que deixavam seu plexo solar à mostra, seja de forma escancarada ou insinuante. Quando vinha servir as mesas era possível quase ser engolido por seu umbigo. A relação com sua mãe rompida há tempos. Um atalho para o útero. Algo que levava a um terreno de grandes delírios, mas não tinha utilidade alguma. Afinal, para que serve um umbigo em idade adulta. E ela devia ouvir cantadas baratas daquele povo barato que freqüentava aquele lugar barato. E ela como uma pessoa barata devia gostar de ser tratada de forma barata como uma barata e sonhar seus sonhos baratos.
Era a única mulher daquele restaurante. Levava cervejas até as mesas dos homens que se sentiam provocados por seu umbigo a pedir outra cerveja e outra e mais outra. Além de virar conhaques baratos em copos baratos, cortava cebolas e chorava por toda sua vida caber em um umbigo. Não sabia andar, era desequilibrada, mas tinha lá sua graça. E essa estava toda em seu umbigo. Ganhava o suficiente para permitir que seu umbigo ficasse de fora. O que cabia ali? Um grão de mostarda?
Para os cineastas, aquele umbigo tinha uma beleza pornográfica. Para os moralistas, aquele restaurante devia ser proibido para menores. Mas quando se deparavam, num segundo momento, com o rosto da menina, deixavam-na lá. Ninguém haveria de se interessar por alguém com aquele rosto que mais parecia uma parede. O seu rosto, assim como seu corpo, assim como seu eu, já estavam aprisionados à solidão de um umbigo.
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