Ilusão cortante
Silêncio. As palavras seguem as lágrimas que seguem as palavras num comboio sem hora para acabar. Os olhos se deitam no chão. O abraço dura uma vida. Aromas, texturas, cores passam apressados em nossas cabeças. O passado não acabou. O futuro não chegou. Ah! Tanto a dizer. E o silêncio é a melhor palavra. É proibido dizer adeus. Abraços, como uma ilha cercada pelo aceno da separação. E se houvesse música, haveria passos. Mas não havia som. E se houvesse seria bolero, tango. Diante da tristeza, melhor o silêncio. O mundo, em sinal de respeito, se calou. Não havia telefone, não havia pássaros, não havia carros, não havia crianças...
O céu só não se fez cinza porque não teve ânimo. Meus sapatos calados nos seus saltos. E tudo o que se falasse naquele momento não seria suficientemente sóbrio para ser dito. Despedidas nunca são sóbrias. E a elegância pede silêncio. Nada de escândalo, pieguismo, novela. Maior que a dor, somente a elegância. Desfaz-se o abraço e os olhos caem ao chão como bolas de gude. A respiração se estende. Disfarça. Fica difícil seguir. Uma taça se parte ao chão. Cuidado! Muito cuidado com os cacos da uma ilusão cortante.
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