Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 304 de 320.

Fios do tempo

Os cabelos desfiados cobriam o sono do rosto. Um corte moderno e um sono antigo. Foram noites e noites quase sem dormir. Também os preparativos foram tantos. Desde a apresentação do último projeto, algumas despedidas, a lista de convidados, o estresse com o trabalho, com o tempo e até com o corte de cabelo. Tudo pronto em cima da hora. Também, o baile de formatura era a sua maior ambição desde que entrara para a faculdade. Era a realização plena. Estaria formada. Chega de provas, de listas de presença, de trocar o sono pelo estudo. Agora poderia dizer quando lhe perguntassem: sou advogada. ...
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Flores de Maio

Maio. Não é primavera, mas é tempo das flores de maio. Não é primavera, mas flores delicadas, grandes e brilhantes roubam à cena. Não é primavera, mas flores que são rosas, brancas, laranjas e vermelhas caem nas bocas dos beija-flores. E, em pleno outono, testemunhamos à floração do nascimento.

O escritor dá vida às histórias, o compositor dá vida às canções, o pintor dá vida às telas. Porém essas vidas são falsas. As histórias do escritor não continuam longe da fantasia dos livros, as canções do compositor deixam de existir no mais leve toque do silêncio e as telas do pintor não dizem nada num quarto escuro. ...
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Flores de outras épocas

Crisântemos, cravos, antúrios,..., ao abrir a janela, o tédio nos invade. A data do calendário muda e continuamos com a sensação de que anda tudo normal. Sensação de fazer parte de uma espécie de paraíso. Vez ou outra surge algum problema, mas nenhum "monstro de sete cabeças" vaga pelas ruas ou se esconde nas bancas de revistas. Eis o cabresto da inocência. Somos obrigados (inconscientemente) a viver algo que sequer existe.

"Quem vai me escutar, quem vai me entender, ninguém pode mais sofrer"... A canção de protesto de Geraldo Vandré de outras épocas volta aos nossos assobios. Sofremos sem saber que o fazemos. O sofrimento não é só uma dor física e aparente, mas também uma dor moral, íntima e que passa despercebida. Entretanto, parecemos padecer na morfina. ...
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Fogueira

Em plena cidade grande, o céu de nanquim é cortado por fogos. Fogos de fagulhas reluzentes. Estrelas de pólvora. Estrelas efêmeras. Estrelas fugazes. Estrelas instáveis. Estrelas de moças e de rapazes. Ora luz ora sombra. Ora tudo, ora nada. Ora enchendo os olhos de alguém ora sumindo de vista. E era assim que aquela menina olhava os céus ? como quem olha um cartão postal pela primeira vez.

Por alguns minutos, ela consegue se sentir dona daquele céu de brilhos repentinos. Brilhos que explodem de dor ou de prazer e gritam na língua dos estrondos. Por alguns minutos, ela consegue se esquecer da vida e de tudo mais que a rondava. Ela, num estágio ômega ou alfa de meditação, consegue a proeza de deixar de pensar. Só sonha. Sonha com aquelas estrelas que tão logo alcançam o céu, caem como uma chuva de luz. E ela consegue se sentir sozinha, como que no meio de um descampado, observando aquelas pétalas de fogo se formando e se desmanchado no céu. ...
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Fósseis de verão

Caminhões caçamba se enfileiravam nos desfiladeiros da construção. Ou melhor, da desconstrução. A terra, vermelha, batida, úmida pelo suor do centro da terra ou pela promessa de chuva. Duas escavadeiras espichavam seus braços longos e amarelos e quase se abraçavam. Em uma delas, uma concha. Em outra, uma broca. Ao redor delas, trabalhadores com chapéus alaranjados se movimentavam como formigas. E naquele labirinto de trilhas que rodeava o que ainda restava de concreto armado, caminhava desarmada uma menina. ...
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Fotografia de conhaque

Um leve toque na campainha. Parece não haver ninguém em casa. O olhar se confunde nos riscos do relógio. Suspiros. A campainha soa novamente. O som percorre cada milímetro da vida que adormece lá dentro e não traz resposta alguma. As mãos pensam em bater na porta, mas desistem na metade do caminho. Mais uma vez, os ponteiros e os riscos do relógio. Mais suspiros.

Balança a cabeça em sinal de desconsolo. Sem mais esperas, pega a chave no bolso. Disfarça. Um sorriso fechado. Um cumprimento tímido ao casal do apartamento da frente. Um casal que segue de mãos dadas. Por um instante, o olhar acompanha os enamorados, noutro se enche da areia daquele imenso deserto. Um deserto solitário, sem camelos ou odaliscas. Sem querer, assusta-se com os próprios pensamentos e os olhares se perdem no corredor vazio. ...
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Gafanhotos

As palmas infestam o ambiente como uma epidemia de gafanhotos. As mãos se tornam asas verdes e se batem e se debatem. Não, ela não está no palco de um teatro, na frente de uma sala de aula, na apresentação de um balé. Está em sua casa, diante de um bolo com uma vela acesa.

Aquelas palmas, mais do que aplausos, eram a marcação de uma música que esbofeteava seu rosto. Os algarismos da vela indicavam vinte anos. Muitos diziam 15 e 18 como datas fundamentais, mas nenhuma data lhe doera mais do que os 20 de agora. Legalmente, era o último ano de sua dependência. Mas ela era dependente demais. Seus pais eram como se fossem suas drogas. Encontrava o êxtase nos olhos do pai e a cocaína no colo da mãe. Dependia deles para tudo....
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Garça que se esgarça

Na janela, espreguiça com ares de garça. Podia ter vontade de espreguiçar na cama, mas antes de consumir essa vontade, espreguiçava-se na janela. Uma varanda pequena, do 2º piso. Uma varanda minúscula. No máximo, dois metros quadrados que, na verdade, eram dois metros retangulares. Mal dava para caber seu corpo se ali deitasse. Era só para poder dizer que tinha varanda. Fez questão daquele apartamento, que nem era o melhor localizado e o com o melhor preço, mas era o que tinha a varanda perfeita para seus desejos. ...
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Gaveta sem fundo

Muitas vezes, ela abria a gaveta e me tirava dali. Como se ela fosse palavra e eu um papel em branco. E, pouco a pouco, ela se debruçava sobre mim. E ia me tingindo me manchando me marcando. De repente, ela se separava do meu corpo suado de tremores e pavores e me convidava para dançar.

Era como se ela convidasse a si própria para uma contradança. A cada vez, ela me impregnava mais com palavras suas. E dançava por alguns passos, mas antes da música acabar, ela se despedia. E eu entrava em uma espécie de gaveta sem fundo. Eu caia, caia, caia... Até que, tempos depois, acordava. E sempre despertava assustado com a impressão de acordar cada vez mais tarde. A cada novo despertar, meu sorriso era mais leve. E a cada novo descerrar, meus olhares guardavam mais surpresas.


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Ghostwriter - Apresentação

Bem vindos a um mundo fantasma

No mais íntimo dos mundos, todos sonham em ser outra pessoa. Só que poucos sabem a dimensão e as conseqüências deste desejo. Isso porque, em um dado momento, o sonho se torna realidade e essa outra pessoa lhe possui de uma forma, praticamente, sem volta. No início, esse relacionamento é de conquistas e prazeres. Com o passar do tempo, o personagem, criado por você mesmo, rouba sua vida e lhe deixa de coadjuvante em sua própria história.

Vivendo este universo de duplicidade, o irlandês Mark Egan, na verdade, é o britânico Colin Collins (CC), um famoso ghostwriter (escritor fantasma) à beira dos 50 anos e de uma grande crise existencial. O personagem CC criado por Mark ganhou fama e dinheiro, mas condenou o verdadeiro autor a um ostracismo perturbador. Depois de escrever centenas de livros, milhares de artigos e outros textos para personalidades dos quatro cantos do mundo, Mark duela com Colin para tentar trilhar um novo caminho. O que ocorre, a partir de então, é um duelo de fantasmas....
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