Daniel Campos

Texto do dia

Se você gosta de textos inéditos, veio ao lugar certo.

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Encontrados 31 textos de maio de 2009. Exibindo página 1 de 4.

31/05/2009 - Mundos e mais mundos

Um homem, de mangas de camisa, caminha em círculos, sem pressa, mas com uma agonia estranha em seus passos. Quando chega ao centro do palco imaginário em que se encontra, retira um pedaço de giz do bolso e começa a riscar uma linha de fora a fora. E se posiciona no lado direito.

- Pronto! Agora o mundo está dividido ao meio. No tempo que eu era criança sempre existia a rua de cima e a de baixo. Eu tinha de me contentar em jogar bola na rua de baixo. A de cima era comanda pelos meninos que tinham mais força, dinheiro e a simpatia das meninas. Já na escola, o mundo era dividido entre meridianos e trópicos. Como era mesmo aquele nome que fatiava o mundo em duas metades de laranja? Greenwich! Lembro que tirei uma nota baixa por errar o nome dessa linha imaginária. Também aprendi que a história é dividida em antes e depois de Cristo. Depois, fui descobrindo que o mundo era dividido entre ricos e pobres, mocinhos e bandidos, brancos e negros, crentes e descrentes, capitalistas e socialistas... Agora, eu invento mais uma divisão. O mundo com e o mundo sem mim. É claro que o mundo comigo é bem melhor. Portanto, podem vir para o meu lado....
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30/05/2009 - Folhas avermelhadas

O outono já se vai e eu ainda não vi as folhas avermelhadas das árvores forrando gramados e calçadas. Quantas vezes eu sonhei em caminhar, deitar e rolar por essas pétalas cor de ferrugem. Mas eu não as encontro por aqui. A única forragem que piso é de tom pastel. E, diga-se de passagem, esse tom é bem menos mágico do que o visto nas rubras árvores européias, japonesas e até argentinas. Sem as árvores vermelhas meu romance é só papel jornal...

A mulher amada anda pelos bosques de Viena. Ela leva um violino em suas mãos e o corpo envolto por lenços. Ao pé de uma dessas árvores, um mendigo, mendiga por um pouco de música. Ela empunha o violino e começa a tocar uma legítima valsa austríaca, de modo a reger o vento. E por aquele bosque de galhas seminuas dá-se início a um balé de folhas avermelhadas. É como se naquelas nervuras que correm pelas folhas corresse sangue. Sangue de quem ama ou amou demais....
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29/05/2009 - O que deseja de mim

Eu não sei o que quer de mim, mas eu estou aqui. Não tenho nada além da vida que carrego em minhas costas, como casa e caracol. Foram tantos passos dados. Foram tantos sonhos lançados. Foram tantos versos gerados. Dez anos vivendo de poesia em poesia, ei-me aqui, braços abertos como um redentor sem corcovado. Tenho muitos olhares. Tenho muitos lugares. Tenho muitos bares em meus copos vazios. Bebi tantas luas e sóis que agora eu lhe vejo nua em meus lençóis.

Sou pássaro esperando suas asas para voar. Sou semente esperando seu sopro para procriar. Sou vela esperando sua chama para lhe adorar. O que eu faço é lhe esperar e amar, dia após dia, colocando a poesia no fio da navalha, no pico de uma hemorragia. Eu amo. E amo demais. E no mais eu já vivi tudo isso em um tempo que não se compreende em relógios ou calendários. Eu sou o futuro do pretérito imperfeito vivendo seu amor-perfeito. Temporalidades à parte, eu estou aqui, à espera e esperança....
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28/05/2009 - Sinal vermelho, esmolas e condor

O vermelho no semáforo vai além de um código de trânsito, é o sinal da abertura de um comércio de bens duráveis e de não duráveis, de cultura, de propaganda, de tragédias, de medo, de corpos e de almas. Pelas janelas, quase sempre fechadas, passam vendedores de balas e chicletes, vendedores de panos de chão e flanelas, vendedores de água e de cabides, vendedores de caquis e vícios, vendedores de bonecos infantis, vendedores de promessas publicitárias, vendedores de sonhos e pesadelos.

Pela fila estreita de carros, passam cadeirantes, homens com muletas, mulheres com crianças atarracadas em suas tetas, homens sem pernas, sem braços, sem dentes e com muitas feridas pelo corpo. Sóbrios ou não, todos eles são filhos da miséria humana. Meninos e meninas de tão pouca idade, mal vestidos e com um português ruim, pedindo, mentindo, exigindo dinheiro. Meninos que trocaram os carrinhos e meninas que trocaram as bonecas pelas ruas, pelas esmolas, pelos sinais vermelhos....
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27/05/2009 - Procura-se um sorriso

O mundo rodou, outro dia já nasceu e o sorriso ainda não voltou. Folhas de outono. Vento de inverno. Tudo é tão seco e cinza lá fora que eu preciso descortinar uma outra realidade através de seu rosto. Mas as janelas de sua fronte estão fechadas. As árvores estão nuas, mas tão brutas em sua nudez que causam espanto. Quantas lágrimas serão precisas para rolar as pedras do seu olhar de pedra?

O seu hálito anda tão áspero quanto brisa de invernada, a ponto das palavras já saírem armadas, prontas pra ferir e serem feridas. A fome de esperança aperta enquanto a boca seca ao medo da frase ou do gesto seguinte. O coração, como almofada de costureira, é cravejado de pontas. Tudo tem sido tão diferente, tão de repente, tão ausente como chuvas agostinianas. Não saber o seu sorriso arde mais do que sol sertanejo. Eu lhe olho, lhe olho, lhe olho e não me vejo. ...
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26/05/2009 - O silêncio de um eu te amo

Hei de cantar até o silêncio dessa trova que berra entre nós. Criatura amada, mais que amada, faz-se nua no céu para eu possa enfim me por na quietude de sua serenata. Que a lua, por ciúme, não vaie. Que o sol, em ardume, não ovacione. Que as estrelas se aquietem em constelações e não intervenham no espetáculo da paixão. Que o único ruído dissipado seja o gemido dos olhares indiscretos e o grito das mãos pedindo bis aos pecadores. No mais, que o manto do silêncio nos cubra e nos guarde para sempre amém. ...
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25/05/2009 - O frio chegou

O frio chegou transatlântico. Âncoras às avenidas principais. Vento ártico a bombordo. Auroras boreais no horizonte e icebergs pela calçada. Os pingüins passeiam tranquilamente enquanto o urso polar cochila no colo da menina. Névoas, nevoeiros, neblina. Os faróis rodam pelo mar da cidade como pescoços de coruja na noite escura. Um copo de rum desce a garanta para espantar o frio da lágrima da santa que chora a friagem humana.

Vai gear, diz o lavrador diante da lavoura verde e indefesa. Vai se danar, diz o moleque de calças curtas contrariando o tempo. Vai gamar, diz a noiva que espera o bem amado debaixo das cobertas. O frio chega e traz segundas e terceiras intenções às cabeças de friorentos e calorentos. Cada um quer aproveitar o frio da melhor ou da pior forma possível. Afinal, o frio está aí para ser vivido ou usado e, até, abusado. ...
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24/05/2009 - A inquisição das paixões guardadas

Uma mulher, sozinha no palco, observa um armário com várias camadas do verniz do tempo.

- Perdi a conta de quantas vezes abri essas suas portas. Um encontro diário. Aliás, vários encontros por dia. E até agora não sei, ao longo desses anos todos, se eu mais lhe odiei ou amei. Você me trouxe sorte e azar em doses variadas. Já encontrei aves raríssimas dentro de você e também cobras e lagartos. Tantas vezes me surpreendeu positiva ou negativamente. É certo que na maioria das vezes eu já lhe abria com alguma coisa em mente, mas em várias oportunidades não achei propriamente o que buscava. Você me presenteou, me iludiu e me enganou em proporções díspares. Ao mesmo tempo em que você me deu glamour, fez-me ridícula. E eu não lhe perdôo por isso. Afinal, tanto pessoal quanto profissionalmente, muita coisa estava em jogo. E você sabia disso. Isto é, eu acho que sabia....
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23/05/2009 - Até tu, canário!

Ele sempre se levantava após o som de um canário belga ecoar pela casa. Não saía da cama por nada antes que o tal pássaro cantasse uma ou duas árias. Há anos era assim. De domingo a domingo, a ave cumpria o ritual de forma pontual. Entre as sobras de noite e a declaração do novo dia, surgia a cantoria. Mas naquela quinta-feira o silêncio prevaleceu. Até o preguiçoso curió cantou antes dele. O sol esquentou e seu relógio de penas não despertou. Era praticamente impossível sair da cama sem aquele sinal. Supersticioso como poucos, classificou aquilo como o fim dos tempos. ...
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22/05/2009 - Quero o amor nu

Quero o amor nu. Desfaça-se de todos os penduricalhos do tempo. Dispa-se de todos os alhos com bugalhos do momento. Quero o amor que se esconde por debaixo das costelas, no cair das entranhas, no choro das velas que rubra as maçãs do seu rosto. Para meu gosto, quero o amor que não tem peso ou medidas - aquele das esperanças perdidas. Portanto, esqueça balanças e a dialética da moda. Quero o amor nu, sem métrica, sem poda.

Quero o amor desnudo de todo pudor. Quero o amor das sobras, das sombras, da cobra que ainda zomba do pecado da maçã. Quero o amor das covas e das manhãs. Quero a nudez amorosa dos milagres não reconhecidos pelos padres. Quero o amor nu antes que seja tarde. Retira os véus e os céus de sua face e cace o amor in natura. Não me venha com lapidações, com depurações, com destilações... Eu quero o amor nu e bruto, impoluto de prazer e sofrer. ...
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