Daniel Campos

Texto do dia

Imprimir Enviar para amigo
30/05/2009 - Folhas avermelhadas

O outono já se vai e eu ainda não vi as folhas avermelhadas das árvores forrando gramados e calçadas. Quantas vezes eu sonhei em caminhar, deitar e rolar por essas pétalas cor de ferrugem. Mas eu não as encontro por aqui. A única forragem que piso é de tom pastel. E, diga-se de passagem, esse tom é bem menos mágico do que o visto nas rubras árvores européias, japonesas e até argentinas. Sem as árvores vermelhas meu romance é só papel jornal...

A mulher amada anda pelos bosques de Viena. Ela leva um violino em suas mãos e o corpo envolto por lenços. Ao pé de uma dessas árvores, um mendigo, mendiga por um pouco de música. Ela empunha o violino e começa a tocar uma legítima valsa austríaca, de modo a reger o vento. E por aquele bosque de galhas seminuas dá-se início a um balé de folhas avermelhadas. É como se naquelas nervuras que correm pelas folhas corresse sangue. Sangue de quem ama ou amou demais.

O mendigo se levanta no redemoinho avermelhado e agarra a mulher. O violino vai ao chão. Os lenços vão ao chão. Os corpos vão ao chão. Ao chão das folhas. Das folhas avermelhadas que fazem do chão um tapete, um lençol, um espaço propício à paixão. E as folhas vão tatuando sua vermelhidão na pele dos amantes. E entre beijos e gritos outonais, as árvores fecham os olhos em seu lenho e o céu de pôr-do-sol ruboriza sua fronte.

Ao final do vento, as últimas notas suspiram e os corpos se vão. A mulher empunha o violino e segue em silêncio enquanto o mendigo se decompõe em folhas e mais folhas avermelhadas pelo chão.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar