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Encontrados 31 textos de maio de 2009. Exibindo página 2 de 4.
21/05/2009 -
A senhora ainda não voltou
Já se vão seis meses sem me deparar com aqueles óculos arredondados escondendo seus olhos pequeninos. Já se vão seis meses sem vê-la ficar vermelha depois de dois copos de caipirinha. Já se vão seis meses sem ouvir seu bom-dia antes mesmo do galo cocoricar. Já se vão seis meses sem que se bata mais sabão de soda na velha lata de tinta. Já se vão seis meses sem que as tartarugas comam sua salada de frutas. Já se vão seis meses sem que as roupas sejam chuleadas por suas mãos. Já se vão seis meses sem que o radinho de pilha fale uma palavra sequer. Já se vão seis meses sem que as contas de seus terços sejam contadas. Já se vão seis meses sem aqueles chinelinhos de dedo surrados andando pra lá e pra cá. Já se vão seis meses sem que o café chegue até São Benedito. Já se vão seis meses sem que ela traga um raminho novo de flor para enterrar no jardim. Já se vão seis meses sem que eu não tenha torresmo em minha marmita. Já se vão seis meses sem polenta com frango caipira nas noites de quinta-feira ou nos almoços de domingo. Já se vão seis meses sem seus choros solitários. Já se vão seis meses sem seu contentamento triste. Já se vão seis meses sem sua presença tímida, discreta, porém constante. Já se vão seis meses sem seus cochilos no sofá da sala de televisão. Já se vão seis meses sem que o quintal de sua casa quare mais roupa. Já se vão seis meses sem que bocas recebam de sua mão o corpo de Cristo. Já se vão seis meses sem que aqueles brincos portugueses que ficavam em suas orelhas italianas estão desabrigados. Já se vão seis meses sem que aqueles seus braços pintados pelo tempo abracem alguém. Já se vão seis meses sem entender muita coisa. Já se vão seis meses sem compreender a vida nova. Já se vão seis meses sem que eu lhe traga carne do açougue do João no guidão da bicicleta. Já se vão seis meses sem que a senhora me conte sobre seu canteiro de hortelã, tão cobiçado pelos vizinhos. Já se vão seis meses sem que eu lhe dê o braço para a novena de Natal. Já se vão seis meses sem que me torture com as temidas trocas das cortinas da sala. Já se vão seis meses em que a senhora me busque na escola. Já se vão seis meses desde o dia em que a senhora resolveu partir. ...
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20/05/2009 -
Hoje, só hoje
Se eu pudesse, não teria amanhã. Encerrar-me-ia hoje, no dia de agora, mesmo que para isso precisasse andar em círculos por toda a eternidade que me resta. O amanhã me traz mensagens codificadas, situações não alinhadas, uma vida ainda não versada. E eu tenho medo do que se esconde por baixo dos véus que cobrem o amanhã cedo.
Que Cronos, o deus tempo, tenha piedade e quebre o relógio do meu hoje, no último segundo deste dia. Amanhã poderá ser tarde demais. Aliás, amanhã sempre é demais em matéria de perigo. Amanhã é o dia não nascido. Prefiro enraizar-me no hoje, sugando ao máximo suas terras e putrefando-me junto dele na metamorfose do passado....
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19/05/2009 -
Eu queria um tempo a mais
Eu queria um dia a mais do que o permitido para falar eu te amo outra vez ao seu ouvido. Eu queria ter mais da sua boca em minha boca num dueto sublingual. Eu queria vê-la mais vezes em meus contos e ver-me outras vezes em suas contas. Eu queria, como os que catam conchinhas trazidas pelo mar, catar as notas que a brisa traz aos seus cabelos. São tantos Lá, Sol e Dó prontos para cair em seu piano, ah! queria ser eu o seu piano.
Eu queria um santo a mais para rogar por você. Eu queria uma vez mais poder fazê-la dormir em meus braços. Eu queria outra vez soprar barquinhos de papel pelos canais de seus olhos mareados. Eu queria subir, mais uma vez, às masmorras do seu coração e me observar, uma vez mais, sorrindo entre a lua nua e a sua nudez lunar. Eu queria, como colecionadores de borboletas, pregar seus beijos, ainda vivos, com pequenos alfinetes num quadro. ...
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18/05/2009 -
As voltas que o mundo dá
A humanidade caminha em círculos, batendo cabeça e tropeçando em passos alheios e próprios. Desde que o mundo é mundo homem e mulher se amam e se odeiam num sexo existencial. A pedra sempre foi da selva e a selva, de pedra. Há sempre um anjo para cada mil demônios. As flores nascem e geram as abelhas, que geram o mel, que gera o urso, que gera homens e mulheres, que geram o desejo de hibernar como os ursos no único intuito de se amar e gerar outras flores.
A lei sempre foi do mais forte. O sul sempre veio depois do norte. E o hoje é só um corte entre o ontem e o amanhã. Ninguém nunca está contente plenamente. Há sempre a falta de algo ou alguém calando fundo nas almas presas a terra. O céu é o inferno do penitente, que se penitencia para chegar até ele. E existe sempre dois lados na mesma moeda. Só não se sabe se o lado de hoje é cara ou coroa. Então, há de apostar e correr o risco de ganhar ou quebrar toda e qualquer expectativa. ...
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17/05/2009 -
A cabreúva e o jacarandá
Era só uma árvore. Uma cabreúva. Mas eu quis saber sobre teu nascimento, relacionamentos e dramas. Tinha quase trinta metros de altura, copa frondosa, flores e sementes delicadas, mais do que isso, tinha uma boa memória. E ao contrário das paineiras que se fecham em espinhos ou das gameleiras que escondem demônios ou dos mognos que são meio caladões, aquela era uma árvore simpática, que gostava de conversar. E ela tinha história e histórias para contar.
Foram tantas conversas, tantas fofocas, tantos gritos, tantos rompantes, tantas calúnias, tantos romances, tantos jogos de sorte e de azar, tantas núpcias, tantas declarações, tantos pedidos de perdão, tantas mentiras, tantas divagações, tanta bebedeira, tantas preces, tantos cochilos, tantos duelos, tanto riso, tanto pranto, tanta brincadeira, tanta cantoria, tanta romaria, tanto vento e sentimento passando entre suas galhas e suas raízes....
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16/05/2009 -
Tonico e Tinoco
Contrariei a moda e comprei um disco de moda de viola. Depois de um tempo de garimpo, vibrei, sem que o vendedor entendesse nada, com um exemplar de Tonico e Tinoco em minhas mãos. Na verdade, um CD remasterizado contendo os dois primeiros LPs da dupla, datados de 1958 e 1959. Ao colocar o álbum para rodar, rodei, rodei rodei até cair dentro de mim. Não sabia que aqueles dois caipiras tinham o poder de fazer-me voltar pelos caminhos da vida.
Entre rasqueados, arrasta-pés e valsas, eu fui parar na Rua Mato Grosso, levando meu violão nas costas, lá pelos dez anos de idade, da casa de meus avós até a do meu professor. Oswaldo, este era o nome daquele que me ensinou os primeiros acordes. Na verdade, ele mais cochilava do que ensinava, deixando-me a vontade com seus cadernos de música caipira. O cheiro, a temperatura, o sabor das coisas do campo em cifras. ...
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15/05/2009 -
Um dia depois de outro dia
Entre uma xícara de chá e um copo de café, o acordo entre céu e terra segue de pé. Como será que é não ter sido o que fui ontem ou agora? Discussões. Divagações. Distorções de um eu convalescido de mim. Entre meias seduções e meias orações faz-se inteiramente à mente dos corações, que pensam e repensam antes de cada batida do baticum da vida. E tudo é somente um dia depois de outro dia.
Pode parecer confuso, mas entre o céu e o inferno somos intrusos, cometendo uma série de abusos. Somos visitantes, cavaleiros errantes, mas somos nossa existência uso-fruto de alguém que de amor é refém. Numa noite de parto normal, o céu se abriu ao crepúsculo zodiacal e deu cria às criaturas das criações. Nascemos para adorar, para contemplar, para rogar, para amar o criador por tanto e tão sublime amor.
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14/05/2009 -
Sobre viver
Não tenho muito tempo. São só alguns minutos. Tudo irá se perder. Tenho pressa. Tenho muita pressa. Aliás, tenho urgência. Urgência em viver, em ser, em fazer, em crescer, em aprender, em desenvolver, em compreender, em escrever, em ler, em refazer. São passos e mais passos, tropeçando e se engalfinhando pelo caminho. Nada em mim quer ficar para trás. Mas já há muita coisa pelo caminho. E eu não tenho braços para recolher tudo. Não há mais tempo. Eu tenho que ir. Eu tenho que seguir. Eu tenho que prosseguir. Custe o que custar. ...
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13/05/2009 -
O Brasil desprezando o Brasil
"Vou contar a minha vida, do que eu já tenho passado
Sempre foi rapaz de gosto, um cabocro arrespeitado.
Já fui violeiro de fama, das morena cubiçado.
Tudo isso se acabo, hoje eu vivo desprezado".
(trecho da canção Desprezado, de Tonico e Tinoco)
Imagine um nó de boiadeiro lançando a alma da gente. Sem dúvida, uma asfixia que fere a alma de qualquer um. Foi isso que senti ao ver Tinoco, da dupla Tonico e Tinoco, aos 89 anos de vida, na tela de um programa popular da televisão, pedindo ajuda para salvar a mulher que está com câncer. O violeiro de inúmeros sucessos já gastou tudo o que podia e também o que não podia para tentar salvar a bem amada. Cheio de dívidas, pôs-se a fazer uma rifa, entre amigos, do único bem que lhe resta (um Gol 1998) para tentar contornar a situação. ...
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12/05/2009 -
Cocada preta
Quando abri a embalagem, estranhei a cor, a textura, o aroma. Estranhei positivamente falando. Pudera, era a primeira vez na vida que estava diante de uma cocada legítima, com direito a baiana e Bahia. Aquele coco açucarado foi remetido diretamente de São Salvador para o meu paladar. Com a boca cheia d`água, dei uma colherada e senti o sabor doce e forte dos orixás. Senti em minha boca os tambores, as contas, as saias rodadas, os balangandãs da terra de todos os santos e me calei. Eu podia gritar, afinal, naquele momento, era o rei da cocada preta, mas me rendi ao silêncio. ...
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