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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 249 de 320.
18/03/2010 -
Sem maestro, a orquestra se cala
Hoje o galo de peito vermelho não encontrou motivo algum para cantar. Ao contrário de subir na cerca e cocoricar forte sua melodia caipira, abaixou a cabeça e silenciou. Seguindo seu exemplo, as galinhas carijós não vão botar ovo algum ao longo do dia. Brenda, aquela cachorra preta que o seguia pelo sítio afora, sequer se levantou. Os canários da terra e do reino, descendentes daqueles que ele capturava em arapucas de menino, não estralaram ao amanhecer do dia.
A barulhenta máquina de fazer fubá também ficou quieta em seu canto. Nem mesmo os tratores quiseram papo, ficaram mudos e com faróis baixos. Ao contrário de apitar, o trem que corta o sítio ao meio há mais de quarenta anos, soluçou. Os mais de mil pés de abacate se curvaram em sinal de reverência. A terra sangrou de dor ficando ainda mais vermelha. As águas correntes que alimentam o lago pararam de correr. As tilápias, tão cobiçadas por ele, não saíram de suas tocas....
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17/03/2010 -
O último capítulo
Dia 9 de fevereiro de 2010. Depois de seis meses, meus pés tocam novamente aquela terra vermelha. Dava para sentir boa parte de minha infância e juventude misturada aquele chão. Quase trinta anos de uma forte convivência com aquele lugar que acostumei a chamar de sítio do vô Libio. Quantas histórias vividas ali? Impossível calcular. Mas todo livro precisa ter um último capítulo. E o meu foi escrito naquela terça-feira gorda.
Liberato de Lima Barbosa, ou vô Líbio como sempre o chamei, estava com um câncer bastante agressivo na cabeça. Difícil reencontrar um homem sempre tão ativo e vistoso naquelas condições. O tumor malignamente já havia comprometido sua coordenação motora. O homem que percorria aqueles dez alqueires desde criança com passadas rápidas e largas caminhava com extrema dificuldade. Mas fizera questão de ir comigo ao sítio Boa Vista por mais uma ou pela última vez. ...
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16/03/2010 -
Capítulo 3
Do alto da fachada renascentista da igreja de uma só torre, São Miguel Arcanjo, estático como convém a uma escultura de mármore, observa o espetáculo que improvisa seu palco na estreita calçada da Avenida Bartolomé Mitre.
Após colocar a enteada no chão e ganhar uma série de tapas contra o peito, Sebastian pergunta se Micaela tem consciência do que acabara de fazer. E as palavras, assim como os olhares e gestos, surgem carregadas de ira:
- A culpa é toda sua! Foi você quem me matriculou nesse colégio careta. “Escravas do Sagrado Coração de Jesus”, isso não combina comigo. Eu não agüento mais desperdiçar meus domingos tendo que vir a esta igreja embolorada e ouvir um padre caduco para mostrar que somos uma família perfeita. Já estou farta de fazer o que não quero, de ser o que não sou......
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16/03/2010 -
Morreu o professor
Morreu quem me ensinou a viver intensamente o amor pelas coisas da vida. Morreu quem me ensinou que tudo é feito de terra. Morreu quem me ensinou a honrar a palavra dada acima de qualquer coisa. Morreu quem me ensinou o sentido de infinito. Morreu quem me ensinou a lutar e lutar muito. Morreu quem me ensinou a lidar com enxadas, serrotes, cavadeiras, foices, pulverizadores, debulhadores, plantadeiras... Morreu quem me ensinou que o melhor não é ver a obra finalizada, mas aproveitar cada momento do processo de construção. Morreu quem me ensinou a sonhar de olhos abertos. ...
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15/03/2010 -
Hoje é dia de Jobim
Hoje o dia amanheceu predestinado a dar errado, mas aí o rádio tocou Jobim e o enredo do cotidiano se transformou. Então, de repente, da boca fechada em copas nasceu um sorriso longínquo como a linha tridimensional do horizonte. Era como se as notas daquele piano tivessem o poder da criação. Será, perguntam os profetas do deserto, que os anos dourados de Deus residem debaixo do tampo daquele piano de cauda? Será ali a morada do criador, do salvador, do redentor???
Felizes os convidados a ouvir Tom Jobim. Por meio dos tons de seu piano o moço que andava cabisbaixo pela calçada ganhou ânimo para dançar com os postes; a senhora que passava de sombrinha, rodou, rodou, rodou até cair de contentamento; o velho fraco pensou que tinha ganhado asas e correu de braços abertos por entre o jardim de petúnias tentando voar; o menino se encheu de coragem e roubou da menina seu primeiro beijo; e o poeta colocou pau, pedra e o fim do caminho na poesia do dia......
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14/03/2010 -
“Não manche meu nome”
Hoje, quase 16 anos de ausência depois, o sobrenome Senna volta a uma pista de Fórmula-1 para disputar um Grande Prêmio Oficial. O capacete amarelo, com faixas verde e azul, também é cópia daquele que deixou o mundo boquiaberto. O locutor esportivo responsável por narrar os feitos do nome Senna também é um velho conhecido. No entanto, nada é igual. E não é preciso sequer assistir a corrida para saber disso.
O menino que hoje tenta trilhar os caminhos do tio dificilmente vai honrar o sobrenome e o capacete. E isso não é culpa de Bruno. A culpa é que um novo Senna não nasce assim. Ayrton chegou à F-1 consagrado nas categorias de base. Em sua bagagem, além da experiência, levou uma série de títulos e elogios. Bruno traz com ele um sobrenome de peso, que pode pesar demais sobre seus ombros, um capacete que ainda vive no subconsciente de muita gente e o dinheiro de uma empresa brasileira. ...
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13/03/2010 -
Misericórdia divina
Que Deus tenha misericórdia. Que Deus não lhe deixe sofrer mais. Que Deus coloque tua mão. Que Deus intervenha. Que Deus faça o que tem de fazer sem se preocupar com preces egoístas. Que Deus faça o melhor sem se importar com a dor que isso irá causar. Que Deus abençoe. Que Deus não falte. Que Deus coloque um ponto final nessa angústia. Que Deus lhe dê vida nova.
Que Deus prove o teu amor. Que Deus nos leve a acreditar que a morte não é o fim. Que Deus conforte os corações que ficam. Que Deus lhe livre e guarde. Que Deus não permita o prolongamento de sua agonia. Que Deus aja por interseção dos santos, dos anjos, da Virgem Maria. Que Deus conserve os momentos bons em nossa memória. Que Deus segure em sua e em nossa mão....
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12/03/2010 -
Charada
A mulher amada tem sempre uma charada a ser decifrada à flor de seus lábios. Entre o querer e o poder, ela quer e pode. É ela quem decide se quer ou não que você a decifre. É ela quem pode ou não lhe ajudar a descobrir o que esconde em seu corpo, em sua alma. Não há nada mais misterioso do que o enredo que compõe a mulher amada. Nem cineastas como Alfred Hitchcock conseguiram criar atmosfera semelhante ao suspense que cerca a mulher amada.
Diante dela, não se sabe se algo bom ou ruim está para acontecer. Sabe-se apenas que o quê de mistério da mulher amada lhe devora aos poucos numa sucessão de angústias e aflições e desesperos. Expectativa e medo dão as mãos e esperam aflitos o desenrolar de um dos dramas que povoam a mulher amada. E o pior sentimento é a perspectiva de que não se pode interferir em absolutamente nada no tocante aos rumos de seu mundo. ...
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11/03/2010 -
As mulheres de Atenas, agora são de Esparta
“Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
(...)
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas, cadenas (...)”
Chico Buarque que me perdoe, mas as mulheres de Atenas agora são de Esparta.
Anos e anos de luta pela autonomia feminina corroeram a era das mulheres educadas para serem dóceis e reclusas ao mundo doméstico.
Hoje, as mulheres precisam, sobretudo, viver entre a espada e o escudo. ...
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11/03/2010 -
Capítulo 2
Nem a espada de Miguel nem a testa franzida da madre superiora nem aquele homem sem nome no fundo da igreja nem os flashes de Sebastian nem a tosse insistente do padre intimidam Micaela. Ela respira fundo, retira o microfone do pedestal, deixa aquela redação na tribuna e, andando pelo altar, continua sua fala:
- Deus é o melhor e o pior de cada um de nós. Afinal, nem tudo é azul neste céu. O mesmo Deus que abençoa, castiga.
A madre arregala os olhos. O padre engasga. O padrasto interrompe os cliques. Malena aperta a mão de sua mãe, que já esperava por tudo aquilo. Dona Valentina tentou a todo custo cancelar aquela missa, porém, como sempre, não foi ouvida pelo genro. ...
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