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Encontrados 31 textos de janeiro de 2009. Exibindo página 2 de 4.
21/01/2009 -
O amargor do mundo
Na banca do camelô tem seriguela, pitomba e umbu. Por entre um leque de galhas obesas e tortas, lembro-me do cheiro, da cor e da textura das seriguelas. O pé ficava ao lado de uma cerca de arame farpado e de uma jaqueira, no sítio do meu avô. Em minhas retinas esse pé tinha um papel coadjuvante em relação a árvore das jacas, embora as abelhas e moscas preferissem as frutinhas que oscilavam do amarelo ao vermelho num alaranjado degrade. Tinha um gosto diferente daquelas outras que se espalhavam pelo pomar, por isso era tratada como a ovelha negra da família. Esquecida e abandonada, a árvore chorava o seu amargo doce, difícil de explicar às bocas que não o provaram. ...
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20/01/2009 -
Arrastão
Você chutou meu castelo de areia e agora eu sou mais um náufrago da sua maré cheia. E olha lá, vem vindo o arrastão, vai levar o que me resta de mim, o que me sobra de mim, o que você ainda deixou de mim. E eu já não sei quem é ou sou. E eu não sei para onde vou. Será que eu sou um coral longe de seu atol? Será que eu me escondo em uma ostra à procura de uma pérola ou da sua boca de limão?
Você fechou seu guarda-sol e me deixou ao sol. Você remou sua prancha para o oceano e me entregou de bandeja aos tubarões. Você fingiu que era guarda-vidas e me fez afogar. Eu fui pedir abrigo aos pescadores, aos surfistas, aos banhistas e corri, e chorei e entrei no primeiro castelo de areia, que uma criança esqueceu no meio da praia. Eram quatro torres e uma muralha e um rei sem rainha. ...
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19/01/2009 -
Quanto custa um pouco de paz
Quanto custa um pouco de paz? Será que uma noite mal dormida, um fim de semana longe de tudo ou o fim de um coração? Quanto custa um pouco de paz? Será que paz se compra em dólar, em euro, em dobrões portugueses??? Quantas lágrimas infantis são necessárias para se desfrutar um pouco de paz? Quantos sonhos precisam ser abatidos para que a paz prevaleça? Quantos de nós precisamos morrer para que haja um pouco de paz?
Quanto custa um pouco de paz? Eu quero comprar alguns minutos apenas, quanto custa? Quanto custa um pouco de paz? Com quanto choro derramado, com quanto sangue jorrado, com quantos destinos quebrados se compra um pouco de paz? Será que a paz custa mais do que promessas, esperanças e futuros desenhados no muro? Por ser tão rara, a paz tornou-se tão cara que é impossível comprá-la no varejo, no atacado, no mercado... ...
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18/01/2009 -
Arrancando os cabelos
Deitada sobre lençóis estreitos e amarrotados, uma menina, de olheiras roxas e olhos vermelhos, chora abraçada com um urso imenso e esbranquiçado. O urso, embora de pelúcia, chama-se Adolfo. O mesmo nome do namorado que o trouxe enrolado em papel celofane em um de seus aniversários. E, entre soluços, ela faz daquela cama seu palco e daquele urso, seu drama.
- Não pode ser verdade. Diz para mim, Adolfo, que isso não é verdade. Por que essas coisas só acontecem comigo? Por que toda vez sou eu quem tem que sofrer, chorar, arrancar os cabelos? Por que as mulheres têm de ser assim? O Adolfo, aquele seu xará, a essa altura deve estar ao lado de outra idiota, bebendo, fumando, beijando, amando, enganando... Ele não sofra, ele não chora, ele não arranca seus cabelos. E sabe por quê? Por que é homem, igual a você Adolfo, e homens não amam. Homens, no máximo, gostam. E gostar é pouco demais. Essa coisa de sentimento é uma doença exclusivamente feminina. Ah! Não fique me olhando assim Adolfo. Estou horrível. Essas noites mal dormidas, essas olheiras, esse cabelo sem escovar, essa falta de vontade de tomar banho, de escovar os dentes, de colocar uma roupa nova, de abrir a janela. Olha o que sobrou de mim, Adolfo? Não sou nem sobra da mulher que eu fui. Ah! Acho que mamãe tem razão, estou com depressão. E uma depressão profunda. Estou com medo. Tenho quase certeza de que isso não tem mais cura. Eu vou morrer, Adolfo. Não adianta ficar com pena de mim, com esses olhos fundos e brilhantes. O meu fim já é certo. Não tem nada que você pode fazer por mim. ...
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Comentários (2)
17/01/2009 -
Casa do jardim
É como se no nosso jardim fosse plantada uma casa. Uma pequena casa, de tijolos à vista e portas azuladas. Coisa de gente sonhadora, que não se contenta em viver em um só mundo. E pelas florações, de várias formas e tamanhos, espalha-se um colorido perfumado. Depois do chão, ramas e tramas de uma terra quente e úmida. Por mais improvável que possa parecer, nossa casa está ali, feito um formigueiro, dentro do jardim. Será de Aladim ou de Ali Babá, aquele jardim de mil e uma noites.
Seja em hastes solitárias ou em verdadeiras moitas, as flores tomam o jardim. Nem se incomodam com a nossa presença. Continuam a fotossíntese da paixão à vista de nossos olhos, por aquele jardim, onde nasceu a nossa casa, em uma primavera de tijolos, uma cadeira cor de goiaba, se equilibra em uma das vigas da varanda, pronta a balançar nossos corpos dinâmicos. Afinal, amores combinam com flores para além da rima....
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16/01/2009 -
Trem das montanhas
Eu quero embarcar no trem das montanhas que nascem ao fundo. Entre o verde e o azul, quero serpentear a serra sem ter hora para chegar, para voltar. Que a paisagem pouse em minha janela como pássaro que não sobrevive em gaiola. Onde é a minha estação? Onde é que eu pego esse trem? Cadê o meu bilhete? Não levo bagagem, apenas um ramalhete. E as rosas são verdes e as rosas são azuis no trem das montanhas.
Eu quero embarcar no trem das montanhas que crescem ao fundo. Que a viagem não tenha volta, e que seja de mil notas os sons e os cheiros montanhosos. Que o trem ricochetei pelas árvores e que eu seja chicoteado pela nudez de um mundo que nunca se vestiu. E que o trem dance uma dança cigana, já que minhas mãos, meus pés, meu corpo, minha mente serão lidos pelas criaturas que habitam o cerne das pedras. ...
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15/01/2009 -
E o amor ainda não vingou
Eduardo se rendeu ao ódio e feriu o próximo. Afonso brigou na escola. Manuela foi ameaçada. Joel matou dois. Inês puxou os cabelos de Lia. O morador de o sétimo andar pulou da varanda. O filho de seu Antônio morreu atravessando a rua. Osório roubou, de o verbo roubar, e Margarida, que ainda ontem era flor, foi violentada até despetalar. Clara encontrou uma bala perdida que não tinha gosto de hortelã e Vinícius pensou que era deus e apertou o gatilho. E o amor ainda não vingou.
Lucas apertou, sufocou, estrangulou sua namorada, sem dó nem piedade. Igor encheu suas mãos de sangue. Beatriz chorou o próprio luto. O pequeno João foi espancado ainda no berço. O padre falou em pecado. O delegado abaixou a cabeça. O morro desceu e a cidade subiu. Patrícia deu o último suspiro no corredor de um hospital. Jair rodou na roleta russa. Os olhos de Bianca, graças a um empurrão, nunca mais se abriram. E o amor ainda não vingou....
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14/01/2009 -
Que toquem os sinos
O entoar de um sino semeia, em suas dobras, sensações antigas e desconhecidas pelo nosso campo físico e psicológico. Que os cientistas e filósofos protestem, mas o coração me diz que, entre sinais e sinaleiras, há o sino das capelas que já não tocam mais, o sino dos cabritos que pisam o sertão, o sino de boas-vindas das casas de antigamente. Cenas de um romantismo difícil de ser encontrado e, principalmente, vivido. Os sinos e os meninos e os destinos e os alevinos e os hinos e os pinos da minha cabeça se dobrando aos sinos. ...
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13/01/2009 -
O chão é calvo
Seja em caminhões, caminhonetes, mulas ou no próprio lombo, há sempre alguém a mudar, há sempre alguém a chegar e a partir, há sempre alguém a se desesperar, há sempre alguém a se separar, há sempre alguém a sorrir ao se encontrar, e sorrir ainda mais ao se reencontrar depois de dez anos ou um dia de saudade. E sempre há mais peso a ser carregado por quem parte do que por quem chega, porque sonhos e esperanças são tão leves quanto o ressonar de uma criança.
As lembranças pesam como móveis de lei e as expectativas podem quebrar como cristaleiras. E se tudo já vai mal, vale o conselho de que para cada expectativa quebrada são sete anos de azar. Quem parte sempre deixa algo, e quem deixa sempre perde, e quem perde sempre volta para tentar recuperar o que perdeu. Só que os tempos idos não voltam, quiçá são esquecidos. E o amanhã ainda não sabe o que é, só se sabe que ele vai chegar e partir de nós ou para nós. ...
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12/01/2009 -
Apostando em pétalas
Tudo outra vez neste jogo de azar. As cartas estão na mesa, estão na manga, estão nos castelos de paus e ouros. E a dama de copas saiu e ainda não voltou. É ela quem lê e vê e coloca em prática a minha sorte. E eu a defendo com as espadas do meu carteado e dou xeque-mate em qualquer rei ou peão que usar cruzar o nosso caminho. Pelas paralelas ou diagonais, eu invoco os deuses do jogo, eu trapaceio, eu blefo, eu ganho e perco por amor.
Eu bato figurinhas e viro o nosso destino. Eu pulo amarelinha e chego ao seu paraíso. Eu faço apostas no banco imobiliário do nosso futuro. Eu escrevo seu nome no muro e saio pelas ruas brincando de me esconder e de lhe achar. Eu me enforco em busca de uma palavra que lhe traduza. Eu caço seu nome em sopas de letrinhas, eu ligo pontos que formam seu rosto, eu procuro sete erros em você e desisto. ...
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