Daniel Campos

Texto do dia

Imprimir Enviar para amigo
13/01/2009 - O chão é calvo

Seja em caminhões, caminhonetes, mulas ou no próprio lombo, há sempre alguém a mudar, há sempre alguém a chegar e a partir, há sempre alguém a se desesperar, há sempre alguém a se separar, há sempre alguém a sorrir ao se encontrar, e sorrir ainda mais ao se reencontrar depois de dez anos ou um dia de saudade. E sempre há mais peso a ser carregado por quem parte do que por quem chega, porque sonhos e esperanças são tão leves quanto o ressonar de uma criança.

As lembranças pesam como móveis de lei e as expectativas podem quebrar como cristaleiras. E se tudo já vai mal, vale o conselho de que para cada expectativa quebrada são sete anos de azar. Quem parte sempre deixa algo, e quem deixa sempre perde, e quem perde sempre volta para tentar recuperar o que perdeu. Só que os tempos idos não voltam, quiçá são esquecidos. E o amanhã ainda não sabe o que é, só se sabe que ele vai chegar e partir de nós ou para nós.

E João, ao contrário de algum bibelô, quis levar o chão. O chão que lhe amparou da bebedeira. O chão que foi o leito de dezenas de suas crises renais. O chão que foi cama de suas noites mais ardentes. O chão que foi tão frio e vazio quanto sua separação. O chão que ajoelhou para rezar e que cuspiu por maldizer a própria vida. E agora, João? João deixa a casa e se vai pelas escadas, tentando agarrar os cabelos do chão. Mas para seu azar, o chão era tão calvo quanto ele.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar