Daniel Campos

Texto do dia

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21/01/2009 - O amargor do mundo

Na banca do camelô tem seriguela, pitomba e umbu. Por entre um leque de galhas obesas e tortas, lembro-me do cheiro, da cor e da textura das seriguelas. O pé ficava ao lado de uma cerca de arame farpado e de uma jaqueira, no sítio do meu avô. Em minhas retinas esse pé tinha um papel coadjuvante em relação a árvore das jacas, embora as abelhas e moscas preferissem as frutinhas que oscilavam do amarelo ao vermelho num alaranjado degrade. Tinha um gosto diferente daquelas outras que se espalhavam pelo pomar, por isso era tratada como a ovelha negra da família. Esquecida e abandonada, a árvore chorava o seu amargo doce, difícil de explicar às bocas que não o provaram.

A minha boca se amargou nas seriguelas, mas no sítio não tinha pé de pitomba, tampouco de umbu. E eu decidi arriscar. De umbu, não conhecia nada. Da pitomba, apenas um verso de uma música do Chico Buarque, onde ele dizia que as meninas tinham peitinho de pitomba. Mas aquele suposto doce, que se escondia por detrás de cascas arredondadas e marrons, amarrava na boca. Quando desfiei o cacho, quebrei a casca no dente e coloquei a carne da primeira pitomba na boca, tive de discordar da poesia de Chico Buarque. Diante do tamanho amargo que sangrou em minha língua, pitomba não era nada daquilo que ele cantou.

E o umbu? Também arredondado, só que de casca esverdeada. Tinha lá o seu amargo, mas um amargor divino. Aqueles filés de umbu se debatendo, moendo, gritando no liquidificador dão origem a um suco, no mínimo, exótico. O verde do umbu foi me calando, desarmando e logo eu estava nos braços da minha docíssima amada. Será afrodisíaco? Sem conhecer a fundo as propriedades dessas frutinhas, só posso dizer que essa mistura de amargores oferecidos pelos camelôs trouxe sentimentos estranhos em mim. As três frutas não eram marcadas pelo doce, mas por níveis diferentes de amargura. Será que essas árvores guardam em seus frutos um pouco do amargor do mundo?


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