Daniel Campos

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Fios do tempo

Os cabelos desfiados cobriam o sono do rosto. Um corte moderno e um sono antigo. Foram noites e noites quase sem dormir. Também os preparativos foram tantos. Desde a apresentação do último projeto, algumas despedidas, a lista de convidados, o estresse com o trabalho, com o tempo e até com o corte de cabelo. Tudo pronto em cima da hora. Também, o baile de formatura era a sua maior ambição desde que entrara para a faculdade. Era a realização plena. Estaria formada. Chega de provas, de listas de presença, de trocar o sono pelo estudo. Agora poderia dizer quando lhe perguntassem: sou advogada.

Chega do rótulo de estudante. Mais de 20 anos com esse rótulo. Mas não tinha emprego na área ainda. Trabalhava como assessora de um figurão de uma empresa de telecomunicações. E o importante da faculdade eram os amigos e esses continuariam. Ao menos, pensava assim. Estaria pronta para uma vida independente, para casar, viajar. Fama. Carreira. Quem sabe ser juíza. Quem sabe, daqui a alguns anos, ministra do Supremo Tribunal Federal. Seu corte de cabelo desfiado faria sucesso entre os magistrados grisalhos?

Poderia ter carro, apartamento e tudo mais que viesse a querer. Seria feliz. Aquele baile de formatura era uma espécie de divisão em sua vida: af. e df. Ou seja, antes de formada e depois de formada. A vida seguiria em outro ritmo, com outros olhos, com outro tudo. Ela seria outra. Ainda não tinha emprego à vista, mas isso era apenas um detalhe a ser resolvido depois do baile. Baile? Uma festa para quase 1.500 pessoas. Ela tinha um limite para convidar. Apenas vinte pessoas. Não podia deixar ninguém de fora. Pai, mãe, irmãos, namorado, avós, um ex-namorado, um quase namorado, amigos, vizinhos, primos, tios, tinha que escolher com muito cuidado. Era como se convidasse as vinte pessoas mais importantes da sua vida. Depois do baile poderiam já não ser as mesmas vinte, mas no baile seriam as vinte pessoas da sua vida.

Passou horas no salão de beleza e depois ainda se deu ao direito de passar intermináveis minutos frente a frente com espelho. Isso sem falar do flerte com o guarda-roupa (isso porque o seu longo já estava separado, há mais de duas semanas, ansioso para vestir o seu corpo). Foram longas voltas do relógio de pulso de correias vermelhas flertando com cabides. Mas cada detalhe era importante. Não podia esquecer de nada. Era o dia mais importante dos seus últimos dias. A conquista do primeiro emprego, a primeira transa, o baile de debutante, a carteira de motorista, a suposta independência aos 21, o ingresso na faculdade... Essas datas ficavam para trás, pormenorizadas, pulverizadas, ridicularizadas.

Atrasada, feito noiva, fez o pai quase voar na estrada. O clube escolhido para a festa era na cidade vizinha, com cascata artificial e banda e DJs. Nada de novo para alguém da noite. Já devia ter ido para festas melhores, mas nenhuma delas era sua. O momento era especial, como mais tarde seria seu casamento, seu primeiro filho, os 15, 18, 21 anos do seu filho e o baile de formatura do seu filho. Mas isso era futuro. E o futuro não estava entre os vinte convidados. E o baile acontecia no agora. Queria, inconscientemente, ouvir que estava linda. Aquele corte ousado de cabelo dera um outro ar para o seu rosto. Estava mais mulher. Ou ao menos pensava estar mais mulher.

Depois de taças de vinho, de muita dança e alguns beijinhos e abraços em todos os colegas de turma, de ouvir seu nome ser anunciado pelo cerimonial da festa, de ter participado de um dos discursos... Depois disso e daquilo, ela estava exausta. Quase no fim da noite, não poderia negar o pedido daquele seu quase namorado para uma dança. Afinal, eram grandes amigos. E depois, já havia dançado com namorado, pai, irmão, primo, amigo... Estava exausta e consagrada. O cabelo desfiado escondia o sono. Para os seus pensamentos mais vorazes, ela chegava ao fim de uma era. Chega de carteirinha de estudante, chega de festas universitárias, chega de conversas típicas de estudante, chega de trabalhos em grupo... Uma sensação de perda. Assim como perdera aquele namorado que nunca teve e que agora dançava com ela. Ela dançava em passos lentos e deixava os sentimentos, assim como seus cabelos, escorrerem desfiados.


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