Flores de Maio
Maio. Não é primavera, mas é tempo das flores de maio. Não é primavera, mas flores delicadas, grandes e brilhantes roubam à cena. Não é primavera, mas flores que são rosas, brancas, laranjas e vermelhas caem nas bocas dos beija-flores. E, em pleno outono, testemunhamos à floração do nascimento.
O escritor dá vida às histórias, o compositor dá vida às canções, o pintor dá vida às telas. Porém essas vidas são falsas. As histórias do escritor não continuam longe da fantasia dos livros, as canções do compositor deixam de existir no mais leve toque do silêncio e as telas do pintor não dizem nada num quarto escuro.
Mas e a vida em si? Como sobrevive? De onde surge? A cada momento nascem novos sonhos, cada qual com um rosto diferente, cada qual com sua beleza, cada qual com sua razão. E são tantos caminhos, tantos destinos, tantos desatinos num nascimento que não acaba. A vida surge num parto constante. A vida e a eterna gravidez de sentimentos.
Se não é o escritor, se não é o compositor, se não é o pintor, qual o artista que cria a vida? Eis que chegamos à personagem principal deste texto - a mulher. Isso mesmo leitor, a mulher, a criatura que guarda outras tantas vidas escondidas dentro de si. Vidas prestes a nascer. A mulher, artista por natureza e devoção. A vida, palavra e essência feminina. Pode dizer o que quiser leitor, mas cabe à mulher o papel, único, de gerar vida. O homem participa da criação, entretanto só a mulher faz do seu corpo uma eterna casa materna.
Homens não sentem a formação da nova vida, as mudanças no próprio corpo, os movimentos, as contrações e todas as dores e prazeres do parto. O homem cria guerras, máquinas, coisas que ninguém entende o porquê, enquanto a mulher cria vida e agora, não me refiro a vida das histórias, das canções, das telas, enfim, a vida com sabor de ilusão. Refiro-me à vida concreta, que nasce, cresce, sonha, vive, envelhece e que não pode ser guardada só para si.
Quem ainda não se convenceu, por favor, que olhe nos olhos de uma mulher. O que são os olhos de uma mulher? E quantos os mundos guardados nos olhos de uma mulher? O que é o andar, o falar, o gostar presentes numa mulher? A vida nas mãos da mulher, nada mais justo. Mulher... Que criatura é essa que não se explica ao certo? Que criatura é essa que coloca a vida recostada nos seios? Que criatura é essa que entrega um pedaço de seu corpo ao mundo? Que criatura é essa que sabe distinguir cada choro? Que criatura é essa que assiste o movimento do sol e da lua enquanto ronda o berço? Que criatura é essa que enfrenta, que defende, que acolhe? Que criatura é essa que sofre primeiro e que entrega qualquer sorriso seu para uma boca que nem sabe pedir? Que criatura é essa que os outros se acostumam a chamar de mãe? Mãe, mãe, mãe!!! Que criatura é essa? Criatura ou criadora, quem será?
Mãe, por mais que não o queria fazer, ama. Durante nove meses, ama sem saber a cor dos olhos, a textura da pele, o tom da voz, os desejos. Durante todos os outros anos, ama, perto ou longe, não importa, sem nunca se esquecer dos olhos, da pele, da voz, dos desejos. Mãe, difícil amor, ama a vida que é sua e que ao mesmo tempo pertence ao mundo.
Mãe de tantas mães. Mães de Hiroshima. Mães de Deus. Mães dos campos de concentração. Mães da AIDS. Mães da Candelária. Mães da espera. Mães dos estupros. Mães do perdão. Mães da fome. Mães da prostituição. Mães da preocupação. Mães da Praça de Maio. Mães da solidão. Mães do preconceito. Mães dos heróis e dos vilões. Mães dos retratos. Mães do amanhã. Mães que fecham os olhos dos filhos. Mães que enchem o útero de saudade.
Mãe, mulher feita de leite e mistério. Mãe, artista que dá vida para a vida. Mãe, flor de maio, junho, julho, agosto, setembro... Flor que nunca seca.
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