Daniel Campos

Texto do dia

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12/05/2009 - Cocada preta

Quando abri a embalagem, estranhei a cor, a textura, o aroma. Estranhei positivamente falando. Pudera, era a primeira vez na vida que estava diante de uma cocada legítima, com direito a baiana e Bahia. Aquele coco açucarado foi remetido diretamente de São Salvador para o meu paladar. Com a boca cheia d`água, dei uma colherada e senti o sabor doce e forte dos orixás. Senti em minha boca os tambores, as contas, as saias rodadas, os balangandãs da terra de todos os santos e me calei. Eu podia gritar, afinal, naquele momento, era o rei da cocada preta, mas me rendi ao silêncio.

Queria gritar como marinheiro que avista um mundo novo do alto do navio, mas foi aquele mundo que gritou mais alto em mim. Como um diamante em estado bruto, em minhas mãos, uma cocada preta, feita da mais pura rapadura, vinda dos engenhos nordestinos. E uma série de sentimentos trovejava em mim ao devorar aquela cocada com o entusiasmo da descoberta, mas com um incomensurável sentimento de perda. A cada colherada eu me perdia naquele mundo. E quanto mais me perdia, mais queria me perder.

Era como se eu estivesse lá, por aquelas ladeiras de cheiro e cor, vendo aquela pedra de rapadura fervendo e se levantando em espuma preta enquanto derrete pretamente em açúcar no fundo do tacho de cobre. E esse doce melado sendo mexido e remexido por uma baiana devidamente vestida de baiana. E o coco fresco, ralado ou em tiras, sendo polvilhado ao entoar de cânticos antigos, como que numa bruxaria de muito axé. E, finalmente, o coco branco se entrega ao amor negro, derrubando toda e qualquer fronteira entre a casa grande e a senzala. Aliás, aquela cocada era a prova da queda de todas as fronteiras.

Observação do autor: Epa Hei doutora Luislinda, canto negro da justiça que ecoa na boca dos desvalidos, muito obrigado por me apresentar à verdadeira cocada baiana. Saravá!!!


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