16/05/2009 - Tonico e Tinoco
Contrariei a moda e comprei um disco de moda de viola. Depois de um tempo de garimpo, vibrei, sem que o vendedor entendesse nada, com um exemplar de Tonico e Tinoco em minhas mãos. Na verdade, um CD remasterizado contendo os dois primeiros LPs da dupla, datados de 1958 e 1959. Ao colocar o álbum para rodar, rodei, rodei rodei até cair dentro de mim. Não sabia que aqueles dois caipiras tinham o poder de fazer-me voltar pelos caminhos da vida.
Entre rasqueados, arrasta-pés e valsas, eu fui parar na Rua Mato Grosso, levando meu violão nas costas, lá pelos dez anos de idade, da casa de meus avós até a do meu professor. Oswaldo, este era o nome daquele que me ensinou os primeiros acordes. Na verdade, ele mais cochilava do que ensinava, deixando-me a vontade com seus cadernos de música caipira. O cheiro, a temperatura, o sabor das coisas do campo em cifras.
Foi num ranchinho de telha de zinco no quintal de sua casa, sob um abacateiro velho, que Tonico e Tinoco entraram em meu violão. Tempos em que os ouvidos de pianista de Vó Ofélia sondavam meu aprendizado e os olhos de Vô Antônio brilhavam diante das minhas mãos, que solavam a "Tristeza do Jeca". Eu sempre fui desafinado, mas, para ele, eu tinha futuro como cantador e violeiro. Pois bem, o futuro chegou, levou minhas cantorias, minha viola e me avô, deixando-me em silêncio com minha poesia caipira.
O disco segue e a valsa "Saudades de Matão" se espalha pelo quarto, que se desmancha transformando-se numa casinha de sítio, rodeada de árvores e com um lago ao fundo. Pela varanda da casa, Vô Líbio e Vó Adélia rodam seus corpos pelo salão, valseando ao som de Tonico e Tinoco. O cavalheiro curva-se sobre a dama enquanto seus pés, para lá e pra cá, vão correndo o piso num balé caipira. Enquanto ele se exibia todo, enfeitando a dança, ela, tímida, mantinha-se concentrada no ritmo, dançando praticamente de olhos fechados.
Vô Antônio, que também bailava na juventude, sorria, de felicidade, ao ponto de bater palma e pedir bis. E eu, com olhos brilhantes, achava que aquilo tudo era pra sempre. Mas vieram os ventos do futuro e levaram Vó Adélia, trazendo uma série de dores físicas e emocionais ao maior pé de valsa que já vi em cena. Sem a dama, o cavalheiro foi atrofiado pela saudade.
Com a voz entalada na garganta, o coração descompassado e as mãos trêmulas, eu me vi, então, nos braços de Marilene. Eu que sei dançar somente as palavras no papel fui riscando o chão do quarto em versos e estrofes, reinventando o tempo numa toada caipira. Caipira de ritmos, gestos e sentimentos.
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