Daniel Campos

Prosas

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13/07/2008 - Chora Sanfona

"Tudo em vorta é só beleza
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor"
(trecho de Assum Preto, de Luiz Gonzaga)

Ele se chamava Malaquias. Embora soasse bíblico, não tinha nada a ver com aquele santo de mesmo nome, que tinha visões do futuro. Esse Malaquias de quem falo, chamado de Malaco pelos mais próximos, pouco enxergava o tempo presente mesmo. Pudera, depois que passou da casa dos 80 anos, via muito pouco a sua frente. Caminhava devagar, mas era presença constante nas calçadas. Principalmente, naquelas que levavam à Praça da Capela....
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14/11/2012 - Chora, o Delegado foi embora...

Quem vai prender as cabrochas na conversa
Agora que Delegado foi embora
Quem é que vai me algemar ao samba que versa
Agora que Delegado foi embora...

Quem é que vai dar voz de prisão à tristeza
Agora que Delegado foi embora
Quem vai ser mestre-sala com tanta nobreza
Agora que Delegado foi embora...

Chora, chora, Mangueira chora
Chora, minha Estação Primeira...


Diante do corpo de Delegado, deitado na quadra da escola, a bateria da verde-rosa repicou o Hino da Mangueira. Ainda se tinha esperança de que a qualquer momento Delegado levantasse daquele caixão e começasse a dançar por aquela quadra, que coleciona, impregnado em seu piso, tantos de seus passos, de seus volteios. Era inconcebível ver o corpo do lendário dançarino estático, imóvel. Como é que o samba ia sair, sem Delegado? ...
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30/03/2011 - Choradeira

Chora. Chora feito chuva. Choro manso ou de vento, choro fino ou de granizo, choro que cala à terra ou que troveja de dor. Chora feito uva virando vinho. Chora feito viúva sem carinho. Chora como uma porta se abrindo e deixando escapar o que esconde. Chora como se estivesse em trabalho de parto, perdendo um pedaço de seu corpo. Chora como choram as virgens, meio que sem saber chorar. Chora por brio, vazante como um rio. Chora como uma gaivota que voa. Chora sem motivo, chora à toa.

Chora como se fosse o tempo das águas. Chora mariritamente mágoa a mágoa. Chora o choro dos cristais. Chora aos deuses do sal. Chora suas muitas marés. Chora o amor de um corsário. Chora fazendo de seus olhos um perfeito aquário. Chora e me conta quem é. Chora como prova de fé. Chora num tamborim. Chora um choro de guerra ou de festim. Chora com perfume de flor. Chora de favor. Chora baladas e hortelã até amanhã de manhã. ...
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28/06/2012 - Choram as estrelas

Não há mais nada a explicar, tampouco prazo para tentar mudar o imutável. Choram as estrelas um sereno de parafina, que em alguns momentos é muito frio e, em outros, muito quente. O céu vira praça de guerra. Qual coração que não erra? Olhos de arranha-céu tentam se aproximar das pontas da bailarina estelar, mas a menina dos brilhos não é de perdoar.

Céu apagado, estrelas da escuridão, lua quebrada, noite naufragada no silêncio da canção entoada pela estrela da incompreensão. A estrela não compreender dor que não seja a sua dor. A estrela não entende a preocupação dos mortais. A estrela não se rende aos sonhos alheios. Estrelas de ponteio, de centeio, de serpenteio, sem começo nem fim, criaturas meio. ...
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28/02/2013 - Chorante

Chora o sabiá na dobra da janela. Chora o sol nos quartos da lua. Chora o serrote no cerne do jequitibá. Chora o tempo nas voltas do relógio. Chora o grilo em roçadas de pernas. Chora o broto rompendo o chão. Chora a cortina que fecha o espetáculo. Chora o buquê pela separação da noiva. Choram as paralelas por viveram lado a lado e não se cruzarem nunca. Chora a garrafa vazia nas mãos de um bêbado. Chora a cigarra esperando a chuva. Chora o violão nos braços dos desafinados.

Chora o lavrador no meio da estiagem. Chora a amora lágrimas de sangue doce. Chora as palavras a cada investida da borracha. Chora o pescador pelos peixes que não pescou. Chora a bailarina condenada ao silêncio. Chora o peito flechado de solidão. Chora a saudade em cada uma de suas camadas. Chora o destino que não vingou. Chora o mar no balanço das ondas. Chora a cebola na ponta da faca. Chora o sereno no hálito da madrugada. Chora o galo fechando o dia no alto do mourão.


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07/12/2010 - Chorar pelo leite derramado

Depois de hoje só restará amanhã. E amanhã já será tarde. Tarde para colocar nossos sonhos em prática. Tarde para fazer valer nossos desejos. Tarde para chorar pelo hoje. Tarde para querer o que não corremos atrás no passado. Tarde para comer o que não foi semeado. Tarde para perder o que não foi achado. Tarde para cantar a letra que não foi composta. Tarde para silenciar o que foi falado. Tarde para ninar o filho que não foi gerado. Tarde para chorar pelo leite derramado.

Ouça as sirenes do tempo. O dia de hoje é urgente, pois amanhã já será tarde. Tarde para reconstruir um caminho. Tarde para negar o destino que ajudou a forjar. Tarde para esconder o que não tem esconderijo. Tarde para ter medo do perigo que sempre lhe rondou. Tarde para remediar um coração sem remédio. Tarde para esquecer o que não dá para esquecer. Tarde para cumprir a promessa que não foi feita. Tarde para colorir o passado. Tarde para chorar pelo leite derramado. ...
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28/10/2016 - Choro de ninguém

Acostumei a chorar como choram as árvores, um choro quieto e camuflado, ora seiva ora orvalho, que serve como alimento para as novas folhas. Choro é sinônimo de renovação, de mudança, de nascimento e, sem dúvida, de crescimento. Ninguém cresce ou amadurece sem lágrimas. Porém, tenho o cuidado de não deixar gosto algum de choro nos frutos que ofereço, pois ninguém merece se alimentar da minha tristeza. Aos outros, por mais triste que esteja, devo oferecer o que tenho de mais doce, forte e belo. Que venham as flores porque florir é um outro jeito de chorar. É um chorar colorido, perfumado, bonito. Quem disse que o choro precisa ser sinônimo de dor? O meu choro é o meu sustento, é o que me faz ter a certeza de que preciso de raízes cada vez mais firmes para sustentar tudo o que eu amo, o que eu sonho, o que eu desejo. ...
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10/11/2009 - Choro em memória das mangas verdes

A doçura das mangas não combina com pedradas. No entanto, nesse momento, há milhares de moleques apedrejando mangas-rosas pelas ruas. Moleques que não têm paciência para esperar os frutos madurar. Derrubam do pé pelo simples fato de derrubar, de destruir, de acabar com aquela quitanda ao céu aberto. Naquele estado verde, as mangas não possuem o mesmo sabor, o mesmo perfume, o mesmo suco que as fazem apreciadas por uma legião. São apenas frutos incompletos, como fetos abortados.

Poeta que sou choro em memória das mangas verdes. A cidade poderia ficar mais colorida e cheirosa e saborosa, no entanto, o que se vê é um rastro de barbárie. As mesmas mãos que picham muros, que riscam carros, que apedrejam vidraças põem fim ao sonho das mangas que um dia se ruborizariam de desejo. Mas isso não importa às mãos que não sossegam enquanto não pelam a mangueira. Se ao menos a árvore pudesse fazer pernas de suas raízes e braços de suas galhas para reagir aos ataques......
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01/11/2015 - Chovendo em mim

Quando chove eu fico verde, as águas do meu ser ganham volume, os pássaros interiores cantam como se tudo e todos fossem amores. Quando chove eu durmo em paz, tenho mais apetite e sou dado a ficar grudado com quem me quer bem. Quando chove eu floresço o que não me esqueço e como flores eu reapareço na felicidade dos casais numa saudade que nunca ficou pra trás. Quando chove eu fico fértil à inspiração que brota em mim como lua no sertão, imensa e desejada, densa e amada. Quando chove eu me liberto e tenho a felicidade por perto. A felicidade das matas, das nascentes, da bicharada em meio a chuva que cai fazendo ninhada no meu coração que se enche feito ribeirão.


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13/11/2008 - Chover em paz

A tarde vai caindo e com ela, uma chuva inesperada. Uma chuva fina, fria, bailarina. Cai em pontas, mas como uma delicadeza capaz de arrancar aplausos. Aos poucos, o sol torna-se negro e cede espaço para a água. Agora, não sei se ele deixa o tablado por ato de cavalheirismo ou por medo de se molhar. O fato é que aos poucos a chuva vai calando a rua, entre o concreto e o imaginário, dando um ar daqueles filmes europeus ao nosso tropicalismo.

Com a mudança de clima, as sombrinhas e guarda-chuvas aparecem às pencas. E o que era para dar mais cor e classe ao espetáculo das águas torna-se um ato melancólico. As sombrinhas trombam uma nas outras, as varetas dos guarda-chuvas espetam o rosto alheio, a água acumulada é chacoalhada em cima dos outros passantes... Um verdadeiro circo de horrores acaba com a beleza da chuva entardecida que, envergonhada, vai embora. ...
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