Ou exibir apenas títulos iniciados por:
A  B  C  D  E  F  G  H  I  J  K  L  M  N  O  P  Q  R  S  T  U  V  W  X  Y  Z  todosOrdernar por: mais novos
Encontrados 3193 textos. Exibindo página 297 de 320.
A nudez de um encanto
Noite. Noite qualquer. Embora noites tenham sempre algo que foge do qualquer. Calada, sem mais anunciações, surge a lua. Surge sozinha em si e sem ninguém por perto. Surge nua, simplesmente lua. Lua nua lua, rimas perfeitas. Se surgisse cheia de enfeites talvez não tivesse graça e, sobretudo, mistério. A nudez da lua é a nudez a ser perseguida pelas criaturas femininas. Lua que surge com o corpo despojado (inteiramente nua) e passa coberta de lembranças, profecias, mistérios. Enfim, coberta com sua própria nudez. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
A tarde em um porta-retrato
Devagar, a tarde desliza nos confins do horizonte e sem atrasos, surge você. Surge sem escândalos, sem avisos, sem maiores explicações. Você (apenas) surge e a tarde se encarrega de acontecer. Você (apenas) surge e a tarde deixa de lado o que estava por fazer. Você (apenas) surge e a tarde passa a depender dos seus cabelos.
Se surgir com os cabelos soltos, as canções irão adormecer, lentamente, nos fios da ilusão. Canções inéditas. Canções de improviso. Canções que duram o tempo do seu passar. Os fios soltos no ar como pinturas abstratas. Os fios soltos no ar como caminhos ainda não descobertos. Os fios soltos no ar como riscos de giz. Pinturas sem nome. Caminhos sem volta. Riscos sem destino. Os fios dos seus cabelos e os fios de um destino ainda não traçado. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
Abacateiro
Lá no sítio, no terreiro da primeira casa de um recém-casal, um abacateiro é testemunha do casamento que completa hoje cinqüenta anos. Há 50 anos, um casal chegava de mãos dadas naquela terra vermelha, onde casariam seus destinos, suas lutas, suas vidas. Nesses 50 anos, quantos galos cantaram pra eles a chegada de um novo dia. Quantas valsas seus corpos rodopiaram ao longo desses 50 anos. Quantas roupas foram colocadas pra quarar. Quantos almoços foram feitos em plena madrugada. Quanto de suor foi derramado por esses rostos. Ao longo desses 50 anos, quantas vezes esses lábios choraram e esses olhos sorriram. Quantos sonhos queimaram à luz de um lampião. Quantas vezes a égua Faísca os levou pela estrada afora. Quantas plantas, quantos animais, quantas pessoas fizeram parte de suas vidas ao longo desses 50 anos. Quantos foram os encontros e quantas foram as despedidas. Quantas dificuldades, quantas saudades, quantas vontades se misturaram ao longo desses 50 anos. Quantas vidas germinaram dessas mãos no decorrer desses 10, 20, 30, 40, 50 anos. A cada novo ano completado, uma nova semeadura, uma nova floração, uma nova colheita. Quantos dias nasceram, lado a lado, por entre o ubre das vacas. Quantos dias anoiteceram, lado a lado, na brasa do fogão. Quanta fé, quanta devoção, quanta reza ao longo desses 50 anos. Assim como o tronco daquele abacateiro, as mãos que agora recebem as alianças de bodas de ouro guardam marcas que o tempo não conseguiu esquecer. Mãos de Liberato e Adélia. Mãos de seu Líbio e dona Délia. Mãos de trabalhadores que cuidam da roça e cuidam da casa. Mãos de vencedores que cuidam dos filhos, dos netos e agora, de um bisneto. Mãos de sonhadores que cuidam um do outro, num amor à moda deles. 50 anos depois, mesmo com os galhos mais retorcidos e com as folhas mais desbotadas, aquele abacateiro oferece seu tronco para que a vida escreva ali mais uma página da história de ouro de um casal feito de terra, de esperança e de amor.
Seja o primeiro a comentar
Agora eu era o herói
O sol, mais amarelo do que de costume, caía sobre as costas envoltas numa bandeira do Brasil. O prenúncio de um pôr-do-sol se dava num pedaço de pano rasgado, desbotado, suado. A bandeira cobria as costas calejadas de um corpo sem identidade, certidão de nascimento, título de eleitor, contracheque. Era apenas um corpo que tropeçava em sua vida tão torta quão as pernas de Garrincha.
Podia ser Ronaldo, Roberto, Lúcio, Émerson, Adriano. Mas era apenas um sem nome acompanhado de dois cachorros magricelas, Ponta-esquerda e Centro-avante, em dia de Brasil e França. Que importava os acordos comerciais, diplomáticos, poéticos entre os dois países? Naquele dia, o que aquele brasileiro mais queria era acabar com a França através das pedaladas de um menino, do passe mágico de um gaúcho e do chute de um fenômeno. Podia ser 1x0 magro. Bastava uma vitória para vomitar a final de 1998. Nem sua condição de mendigo o envergonhava mais do que aquela derrota....
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
Ainda que de repente
Do efêmero bom dia aconteceu o interminável adeus. Conheci-a e a perdi não mais do que de repente. Encontrei-a de verdade tempos depois e então a perdi para todo o sempre. Sempre pode morrer ou renascer. Sempre é mais do que um poente. Sempre é o retrato do ausente que fica a lhe observar.
Deixou-me sem me deixar. Não telefonou, nem escreveu, nem ao menos apareceu num instante sem querer. Tento fazer-me esquecer, fingindo ser tudo tão normal. Mas ela tendia ao infinito, e sendo assim, não acaba como as outras acabaram. Tem todo um caminho a ser percorrido e de nada vale pular etapas....
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
Ano novo, velhos sonhos
As borbulhas mergulhadas no interior das garrafas de champanhe guardam segredos inconfessáveis, ao menos, num primeiro momento. Não são simples bolhas de ar com uma densidade diferente. São guardiãs de sonhos que só podem ser realizados no instante em que a rolha é expulsa e as borbulhas se tornam livres da prisão da espera. Não é para menor encanto. Um jantar com a pessoa amada, o nascimento de um filho, a concretização de um grande negócio, enfim, em datas raras e ocasiões especiais, quando os sonhos se tornam de carne e osso, o líquido espumante se faz presente. Entretanto, numa dada época, a magia do champanhe se torna ?comum? e as borbulhas se multiplicam entre tantas promessas....
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
Ao cair da tarde
Ao cair da tarde, tento conversar com as rosas de Cartola. Mas elas me dizem silêncio. Ao cair da tarde, coloco um verso de Vinícius num copo ao lado de duas pedras de gelo. Ao cair da tarde, o mundo se transforma em uma grande Ipanema. Ao cair da tarde, arde o tom de um piano imaginário. Ao cair da tarde, o sol ainda suspira. Ao cair da tarde, vem uma tristeza, uma saudade, como se o mundo pedisse maysa. Ao cair da tarde, as folhas de uma mangueira caem secas. Ao cair da tarde, a lua se tranca no camarim e finge ser estrela. Ao cair da tarde, os poetas ainda estão grávidos de sonhos. E vêm as dores das primeiras contrações. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
Arrozal
Os cochichos de ave-maria se misturam ao ensaio do coral. As ministras, longe da Esplanada dos Ministérios, escolhem quem vão fazer as leituras, carregar as velas, o pão, o vinho, os cestos da oferenda... Os fiéis entram, ajoelham-se, benzem-se e rezam alguma coisa rápida. Depois dessa reza, ela senta-se e espera pelo início da missa. Ao deixar a mão cair sobre o banco de madeira, tateia alguns grãos de arroz. Arroz sem casca e sem cozer.
Grãos de arroz crus. Se juntasse o arroz daquele banco e o que estava no chão, certamente daria um punhado. E ela, sozinha ali, põe-se a imaginar. O tapete vermelho. A chama dos lustres, das velas, dos olhos. O arranjo dos copos de leite ou dos lírios de São José, como bem desejar, ao longo de um caminho tão perto quão longínquo. O vestido da noiva e a longa cauda, que arrastava levando os olhares de tantos. Ela, de braço dado, com o pai, que fizera questão de colocar seu melhor terno. Ela caminhava vendo rostos se misturarem, a emoção não dava para capturar detalhes. Quem estava ali de fato, ela só saberia na fila de cumprimentos ou no álbum de fotografias. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar
Avalanche no deserto
A noite parece ter caído toda de uma só vez a ponto de não ter mais nada para cair até o amanhecer. E não passava das 21 horas. Nas mãos, um copo de água com açúcar. A sensação de o mundo, por alguns segundos, ter se apoiado em suas costas. Os pensamentos revirados. As emoções desencontradas. Andava em círculos. Amanhã teria de acordar cedo, mas o sono não vinha. Talvez não viesse nunca mais. Ora tinha vontade de trancar a porta do quarto ora queria abrir o portão e caminhar na rua, descalça. Não sabia o que queria. Poucas vezes se viu tão confusa. O telefone, cheio de impressões digitais e de confissões não dizia nada. Parecia exausto. Por hora, deitou no colo da mãe, fez um monte de perguntas abstratas e fugiu antes do final do abraço. Parecia sufocada. Colocou um disco. E talvez a música servisse para abafar o choro, que já era tão quieto. Foi para frente do espelho, vestida com uma jóia ainda não vista pelo espelho e os olhos não entendiam as lágrimas. Olhos que se agarravam a algumas linhas repetidas vezes. Guardou o colar embrulhado no papel e abriu a janela. Não tinha nada para ver lá fora, mas olhava fixamente para si mesma. E ali, entre um gole e outro de açúcar, separava sentimentos dos nós que a vida havia dado. De repente, desceu da janela e ganhou a cama. De repente, um suspiro. Estava feliz. Contente da vida. E mais uma vez, o disco, que se repetia pela sétima vez, abafava seus risos calados. Virou de lado e dormiu em paz. Só tinha um único medo, o medo de ter certeza.
Comentários (1)
Beijo de aspartame
Pernas longas deixam quase vazias as pernas do jeans azul. O par solitário de uma sandália salto agulha dá mais magreza ao seu corpo. A blusa preta redimensiona seu colo, suas costas, seu útero,..., para uma resolução ainda menor. O cabelo escorre longo e indígena. Aquela mulher que se escora em sua própria longitude é de uma verticalidade fora do comum.
Se de perfil ou de frente ou de costas, não importa, tem a mesma sombra. Quase não tem carne. E seus ossos parecem ocos, dando-lhe a sensação de vôo em seu andar. Não tem o andar pesado das modelos de passarela, mas um andar gravitacional. Quase gaivota. Quase astronauta. Quase folha ao vento. E como que uma doença seus olhos são magros. Seu sorriso é magro. Até a bolsa é pequena demais para suas alças. Não deve usar biquíni. Deve ter vergonha. E pela sua pouca conversa tem pensamentos magros. ...
continuar a ler
Seja o primeiro a comentar