Beijo de aspartame
Pernas longas deixam quase vazias as pernas do jeans azul. O par solitário de uma sandália salto agulha dá mais magreza ao seu corpo. A blusa preta redimensiona seu colo, suas costas, seu útero,..., para uma resolução ainda menor. O cabelo escorre longo e indígena. Aquela mulher que se escora em sua própria longitude é de uma verticalidade fora do comum.
Se de perfil ou de frente ou de costas, não importa, tem a mesma sombra. Quase não tem carne. E seus ossos parecem ocos, dando-lhe a sensação de vôo em seu andar. Não tem o andar pesado das modelos de passarela, mas um andar gravitacional. Quase gaivota. Quase astronauta. Quase folha ao vento. E como que uma doença seus olhos são magros. Seu sorriso é magro. Até a bolsa é pequena demais para suas alças. Não deve usar biquíni. Deve ter vergonha. E pela sua pouca conversa tem pensamentos magros.
Deve fazer dieta de engorda, fazer tratamento contra anorexia, ter crédito com uma legião de costureiras que vivem de fazer apertos em todas as suas roupas. Pode parecer loucura, mas seu beijo deve ter gosto de aspartame. Devia ser invejada por muitas amigas acima do peso e até das que estão no peso ideal. Perto dela, todas estão de sobrepeso. Deve ser desprezada por muitos homens. Seu corpo lembra uma agulha de tricô. Sobra espaço na cadeira onde ela senta, na cama de solteiro em que ela dorme. Seu quadril não é muito diferente da sua cintura que não é muito diferente do seu busto. Mas parece gostar de ser assim.
Deve ter uma nudez magra. Um sexo magro. Uma vida magra. Faltam-lhe os exageros. Deve pedir um prato de criança e ficar bêbada com meia taça de champanhe. Deve ser facílimo levá-la no colo. Deve machucar os outros e a si própria com seus ossos quase expostos. Mas dentre todas as suas magrezas, tem uma vaidade até gorda. Pinta seus lábios magros com um batom magro e suas pálpebras magras com um rímel mais magro ainda. Deve ficar horas na frente do espelho diante de um reflexo magro.
Deve ter uma taxa mínima de gordura, colesterol e triglicérides no corpo. Não deve usar sutiã. Deve ter o hábito de fumar, ficaria muito bem com um cigarro magro na boca. Além do mais, deve ter uma série de sonhos magros, facílimos de realizar. Deve se dobrar com o vento, passar em qualquer vão, esconder-se atrás de um buquê. Não pode doar sangue. Deve passar muito frio. Não deve marcar o lençol. Mas há um agravante: seu coração deve ser magro e por conseqüências seus amores também.
Comentários
Nenhum comentário.
Escreva um comentário
Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.
livros
