Daniel Campos

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 237 de 320.

20/06/2010 - De arrepiar

Meu avô foi saci, meu bisavô curupira, meu tataravô boitatá. Sou filho de boto com mãe d’água. Tive uma avó que era pisadeira e a outra, mãe d’ouro, filha de uma mula sem cabeça com um negrinho do pastoreiro. Isso sem falar que sou afilhado de um lobisomem e compadre de bicho-papão. E quem duvida de mim pode ir lá pra casa em noite de lua cheia. Só não vale levar ferradura, réstia de alho e galho de arruda. Tem que ir de peito aberto, certo de que tudo o que falei não passa de lenda, ou como costumam chamar, de folclore. ...
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19/06/2010 - A era da fragilidade

Das relações econômicas às amorosas, vivemos a era da fragilidade. Tudo se quebra e se rompe e se desmancha com extrema facilidade. Contratos e beijos são voláteis. Hoje são e amanhã já não estão. Os índices das bolsas e o grau dos sentimentos se alteram numa velocidade absurda. Nunca se observou tantos corações partidos. Os divórcios batem recordes. Palavras dadas, declaradas, juradas somem no ar evaporando como fumaça. O duradouro é um tesouro raríssimo de ser encontrado e, conseqüentemente, roubado. ...
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18/06/2010 - A mulher amada e seus caminhos interiores

No interior da região oeste da mulher amada há um caminho lendário. Os apaixonados passam por este caminho levando nas costas pesados fardos de sentimento. Para conquistar o amor dessa mulher é necessário enfrentar essa trilha cheia de intempéries. Uma trilha escondida, íngreme e escorregadia. O relevo da mulher amada é o resultado de anos e anos de monções diluvianas. É preciso medir os passos, se agarrar em esperanças e até mesmo voar para não cair nos precipícios da mulher que é um verdadeiro desfiladeiro de sonhos e paixões. ...
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17/06/2010 - Amor junino

Amor junino que se preze pula fogueira, ferve como quentão e estoura dentro da gente feito pipoca. Tem um toque caipira de inocência. No amor junino a quadrilha é de dançarinos; o casamento, de mentira e o pé de moleque, de amendoim. Sob os olhos e bênçãos de Santo Antônio, o coração é aberto com muito jeito à moda de pinhão. No amor junino, o milho assado ganha bastante manteiga e o vinho, açúcar e quentura. A mulher tem olhos de balões coloridos, tranças de Rapunzel sertaneja e sonhos de arraial. ...
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17/06/2010 - Capítulo 30

A boca de Sebastian, tão acostumada a passar horas a fio orquestrando palavras em um tribunal de júri, emudece. Os olhos baixos também não se expressam. Sempre tão firme e objetivo em suas decisões, o promotor cambaleia. De forma maquiavélica, Jhaver o colocou na condição de castigador. Independentemente de quem escolhesse, castigaria a todos. Seria para sempre lembrado como o carrasco dessa história.

A equipe médica aguarda a decisão daquele homem que, a partir de então, será acusado fria ou emocionalmente, não importa, de ter matado alguém. Não pode escolher mãe e filho. Não pode ceder sua vida para salvar outra. Não tem outras opções senão escolher entre a mulher que ama e a criança que é resultado deste amor. Por mais que pense e tente fugir, não existe outra saída. ...
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16/06/2010 - Raios e trovões

Zapeando pela televisão noturna descobri que o SBT resolveu reprisar, 20 anos depois, “A História de Ana Raio e Zé Trovão”, telenovela originalmente produzida pela extinta TV Manchete. Para além da trama, em si, e da qualidade das imagens, chama a atenção o espírito interiorano da obra. Impressiona o Brasil de Tom Jobim e Chico Buarque ser o mesmo país de Almir Sater e Irmãs Galvão. O Brasil litorâneo se mistura ao pantaneiro e o resultado disso é uma bela diversidade de cores, sabores, perfumes e ritmos. ...
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15/06/2010 - A impaciência como combustível

Se o preço de ser premiado na loteria é amargar uma eternidade em uma fila admito que jamais ganharei uma bolada dessas. Tenho horror a filas. E mais horror ainda em pedir que alguém enfrente, em meu nome, tamanha fila por conta de um jogo. Chego a deixar de comer em restaurantes e lanchonetes pratos que insuflam meus desejos por conta de filas. Nasci mergulhado em impaciência. E conforme os anos passam eu conto com ainda menos paciência. Corpo e alma me alertam em sinal de advertência, mas eu insisto. ...
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15/06/2010 - Capítulo 29

Diante daquela cena, Sebastian tem vontade de atirar, de esfaquear, de espancar, de esganar. Seu desejo é de atear fogo naquela cama, em nome de Deus, assim como os católicos medievais queimavam suas bruxas. Quem dera se tivesse condições de se internar em uma caverna, isoldando-se para sempre. Pela óptica da dramaticidade, quer arrancar o coração do peito e jogá-lo aos leões.

Há uma sucessão incrível de pensamentos em sua cabeça. A dor de presenciar aquela cena joga turbilhões de adrenalina em sua corrente sanguínea. No entanto, ao contrário de explodir em agressividade, as pernas enfraquecem e ele se ajoelha diante daquele altar profano enquanto se entrega a um choro quieto e corrosivo. Sem escândalos, o choro queima, como ácido, sua face e todos os sentimentos bons que encontra pelo caminho. ...
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14/06/2010 - Vuvuzelas

Se o nome já é estranho, o que falar do som? A corneta plástica colorida, típica do mundial sulafricano de futebol, infestou as ruas. A epidemia já é maior do que a registrada pela gripe H1N1. O barulho surge como um espirro, inesperado e assustador. Quem pagará as quebras de pensamento provocadas por essas vuvuzelas? Chego a ter saudade dos caminhões de gás que passavam buzinando pelas ruas, ou dos produtores de laranja que convocavam a freguesia por meio de megafones, ou ainda dos vendedores de bijus que estralavam suas matracas pelas esquinas. ...
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13/06/2010 - Amor toscano

Ao longe, seus olhos badalam como sinos. Da varanda, lhe avisto rompendo as olivas e se embrenhando pelos vinhedos que circundam nossa casa. Vem misturando suas cores quentes àquelas tonalidades de verde como um autêntico pôr do sol. Na cozinha, sem que você saiba, nossa pasta já está al dente. Depois de demorados goles de um cálice tinto, minha boca lhe espera seca e doce de desejo. Posso dizer que o ato de lhe ver me deixou mal acostumado e exigente com a beleza.
Vê-la assim é, no mínimo, cinematográfico. ...
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