Daniel Campos

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15/06/2010 - Capítulo 29

A mão esquerda de Deus

Diante daquela cena, Sebastian tem vontade de atirar, de esfaquear, de espancar, de esganar. Seu desejo é de atear fogo naquela cama, em nome de Deus, assim como os católicos medievais queimavam suas bruxas. Quem dera se tivesse condições de se internar em uma caverna, isoldando-se para sempre. Pela óptica da dramaticidade, quer arrancar o coração do peito e jogá-lo aos leões.

Há uma sucessão incrível de pensamentos em sua cabeça. A dor de presenciar aquela cena joga turbilhões de adrenalina em sua corrente sanguínea. No entanto, ao contrário de explodir em agressividade, as pernas enfraquecem e ele se ajoelha diante daquele altar profano enquanto se entrega a um choro quieto e corrosivo. Sem escândalos, o choro queima, como ácido, sua face e todos os sentimentos bons que encontra pelo caminho.

Se não bastasse aquela visão, risos invadem sua cabeça. Não há ninguém no quarto além dele, Malena e Hernández. Mas Sebastian escuta dezenas de risos como se houvesse ali uma grande platéia. Risos de deboche, de humilhação, de ironia. Risos satisfeitos com o acontecido. Risos que devoram, que aterrorizam, que horrorizam. Risos que provocam, que atormentam, que afligem ainda mais aquele homem que é de carne e fraquezas como qualquer outro.

Mesmo diante de tudo aquilo, o promotor ainda encontra forças e fé para implorar por São Miguel. Pede para que o arcanjo transpasse sua espada em seu corpo, ceifando sua vida. Para ele, todos os sonhos, os projetos, os desejos de futuro terminam ali. Para que continuar vivo? Valentina estava certa. Jhaver não deu trégua alguma em sua horda de castigos. Apenas o enganou para que pudesse apunhalá-lo pelas costas.

Parte daqueles risos deve, sem dúvida, perterncer a ele. Risos que saem vitoriosos daquela boca castigadora. E junto com os risos surgem vozes distorcidas que provocam novas dores e revoltas. Vozes que chamam sua atenção para as roupas e garrafas de bebida jogadas em volta da cama.

Vozes que lhe contam como aquela noite foi quente para os dois. Vozes que detalham as posições amorosas que aqueles amantes realizaram naquele quarto. Vozes que repetem as frases e declarações feitas um para o outro. Vozes que chegam ao ponto de dizer que aquilo se repetiu por muitas vezes durante esse período que ele chama de casamento. Vozes que colocam em dúvida a paternidade do filho que Malena leva em seu ventre.

O promotor pede por Miguel. Pela espada de Miguel cortando o cordão que o prende a este mundo. E, diante das negativas do arcanjo, suplica por Jhaver. Que o anjo castigador lhe aplicasse enfim a pena de morte, condenando-o às trevas. Não agüenta mais tanta castigação. O que ainda pode acontecer? Ele soluça por dentro, caído ao chão em sua tragédia particular.

Eis então que ele escuta sons nada agradáveis aos seus ouvidos. É Hernández que murmura enquanto marca o rosto de Malena com beijos e lambidas. Não há espiritualismo que agüente aquilo. Sebastian se levanta num berro ensurdecedor. Hernandez sorri um sorriso cínico. Malena não acorda, apenas se espreguiça abraçando o ex-marido.

Instantes depois, Micaela está no quarto. Ela se espanta com o que vê, temendo pelo que o padrasto possa fazer com seus pais. O temor se justifica, pois o promotor transpira fúria e ódio. Agride verbalmente Hernández, tenta avançar sobre ele, mas é seguro pela enteada.

Gastón chega e também se choca com a imagem que cresce em suas retinas. Micaela bate no rosto da mãe na tentativa de fazê-la despertar. Depois de muita insistência, Malena desperta, assustada com aquele alvoroço em seu quarto e com a presença do ex-marido em sua cama. Tenta se desvencilhar dos lençóis, mas enrola-se ainda mais ao corpo do homem que divide a cama com ela. Está bêbada de sono.

Hernández a abraça. Com raiva, o estapeia e exige explicações. Sebastian avisa que ela não está em condições de exigir nada. Que ele não vai aceitar encenações, vitimizações ou qualquer outra coisa. Afinal, tudo está claro. Claro até demais. Paralelo a isso, Hernández agradece Malena pelas horas inesquecíveis que ela ofereceu a ele. Tenta beijá-la e ela o afasta negando suas insinuações. Tomás entra no quarto e se esconde debaixo da cama. Diz que há muitos homens horríveis ali, com corpos ensangüentados, gargalhando.

Gastón pede calma, alertando para a presença de muitos espíritos ruins ali. Diz que as vibrações estão péssimas e que é melhor esfriar a cabeça para que a situação não piore ainda mais. Sebastian, tentando seguir a orientação do médium, dá às costas aqueles dois depois de dizer que eles se merecem. Mas Hernández o provoca ao dizer que o promotor além de não ser homem o suficiente para conseguir fazer um filho em sua esposa agora tem medo de fantasmas.

Sebastian não se segura e parte para cima do dançarino de tango. Os dois se atracam quebrando vários objetos do quarto. Malena, completamente nua, levanta-se para tentar impedir os dois. Hernandez a empurra e ela bate as costas contra a parede, caindo sem jeito sobre a cama. Micaela grita. Gastón tenta conter a briga. Tita entra no quarto ameaçando chamar a polícia no momento exato em que Sebastian quebra uma garrafa na cabeça do pai de Tómas, que fica um tanto tonto ao chão.

Tita olha para o patrão e pergunta com que autoridade ele faz aquelas acusações se há pouco ela o pegou beijando Alicia na garagem. Ele dá um tapa com toda força no rosto da empregada e a demite em seguida. Malena a readmite dizendo que a casa é dela e que há tempos ela desconfia de suas traições. Só não sabia que ele teria coragem de fazer isso com sua própria irmã.

É a deixa perfeita para Alicia entrar no quarto, aos prantos, dizendo que foi forçada a ter relações sexuais com o cunhado. Mostra escoriações pelo corpo, inventa histórias, chora copiosamente. Sebastian parte para cima de Alicia, disposto a matá-la, quando é ameaçado por Micaela, que segura uma faca em defesa da tia. Ele se atraca com a enteada e a desarma, jogando a faca ao chão.

Malena ordena que ele largue sua filha e o expulsa o de casa. Diz que tem nojo dele. Ele pergunta de quem é aquele filho que ela carrega e como resposta ganha uma bofetada no rosto. Em seguida, se contorce de dor. Desde que bateu as costas violentamente na parede começou a sentir contrações. As cólicas só fazem aumentar. Enquanto Sebastian se recupera do tapa, Hernández pega a faca e parte em sua direção.

Nesta hora, Gastón entra na frente e leva a facada no peito em seu lugar. Todos se calam enquanto Sebastian dá um pontapé em Hernández o jogando contra a janela, que se estilhaça fazendo com que o dançarino despenque no jardim. Gastón agoniza. O promotor avisa que vai chamar um médico, uma ambulância. O médium diz que não precisa, pois sua hora chegou. Pede para que ele procure por Augustin. Em seguida, suas palavras silenciam-se em meio ao sangue.

O sangue também tinge o lençol da cama de Malena. Ela tem fortes dores e cólicas. Micaela diz que vai chamar o resgate. Sebastian diz que não há tempo para isso e que ele mesmo vai conduzi-la ao hospital. Ela esperneia, diz que não quer saber dele, que prefere morrer. Ele finge que não escuta os desaforos e a pega no colo. Ela bate contra seu rosto, suas costas, seu peito. Mesmo assim, ele desce as escadas e a coloca no banco detrás do carro.

Ela o maldiz e chora ao mesmo tempo de dor. Em um dado momento, ela se cala. Pelo retrovisor, Sebastian enxerga a mulher desmaiada, perdendo muito sangue. Entra alucinado no hospital exigindo socorro. Malena é posta em uma maca e a equipe médica os separam. Ele reluta, mas vai para a sala de espera e ela, para o centro cirúrgico.

Todo manchado de sangue, ele se ajoelha no meio da sala de espera e clama por Miguel. Pede para que o protetor não o abandone. Que nada de mal aconteça para Malena e para seu filho.

Pouco tempo depois, um médico, acompanhado por dois enfermeiros, vai até ele no intuito de dizer que o estado clínico de Malena é muito complicado, que ela perdeu muito sangue e...

E que ele precisa escolher rapidamente entre a vida da mãe e a do filho. Por mais que tentassem, só conseguiriam, se é que conseguiriam algo, salvar uma das vidas.

Nesta hora, ele cai, como que se rendendo, e brada:

- Jhaver, seu desgraçado, você conseguiu...

O médico volta apressado à sala de cirurgia enquanto enfermeiros esperam a resposta do promotor pedindo para que ele se acalme. Um deles pergunta quem é esse Jhaver...

Ele responde rangendo os dentes:

- A mão esquerda de Deus.

Observação do autor: Próximo capítulo: 17/06 (quinta-feira). Até lá!


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