Daniel Campos

Prosas

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12/06/2010 - Namorados, para sempre

Eu mergulho Santo Antônio de cabeça dentro de um copo com água pensando em você. Eu uso e abuso do pensamento positivo. Eu escrevo seu nome ao lado do meu com caneta vermelha na barra do vestido das noivas de Copacabana. Eu amarro e costuro cada letra do seu nomezinho na boca do sapo. Eu rezo dezenas, centenas, milhares de Salve-Rainha pedindo você. Eu levo sete rosas à igreja em dia de casamento e acendo uma vela virgem suportando a cera quente em minha mão pensando em você. Eu fervo uma rosa vermelha em um litro d’água e me banho querendo você. ...
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11/06/2010 - A morte da prima-ballerina

As pontas tateiam mais tristes os palcos bailarinos pelo planeta Grand Plié. Pontas enlutadas pela morte de Marina Semenova, a eterna primeira bailarina do teatro Bolshoi. Quando ela brilhava num pas de basque a Rússia ainda era vermelha de União Soviética. Indiscreto, o capitalismo suspirava por aquelas sapatilhas comunistas. Para além da guerra fria, Marina do Lago de los Cisnes, de La Bayardère e de Giselle. Aos 101 anos, a bailarina russa, por mais uma vez, calou o mundo do balé. Por ela, ou melhor, pela ausência dela, o Bolshoi chorou. ...
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10/06/2010 - Capítulo 28

Todos voltam satisfeitos para casa depois de passarem boa parte do dia no evento beneficente do centro espírita comandado por dona Valentina. Nem mesmo o fato de ter encontrado a cunhada Alicia esparramada e bêbada no sofá de sua casa, e o filho dela brincando com sua coleção de livros jurídicos, abalaram o humor de Sebastian. Um novo tempo parecia ter começado. E mesmo não querendo se encher de esperanças, ele, no fundo de suas crenças, acreditava que Jhaver havia dado uma trégua em sua onda de castigos. E melhor: que poderia revogar sua punição. ...
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10/06/2010 - Trinta anos

Há quem seja de carne e osso. Eu sou de histórias. Histórias de velho e moço. Histórias que o vento me trouxe, que me contaram e que eu inventei. Histórias do que vivi, vivo e do que hei de viver. Histórias de amor, de medo e de saudade. História da roça e da cidade. Histórias de flor, lua e segredo. Histórias vestidas e nuas, de anjo e inferno. Histórias de inverno e verão. Histórias de assombração. Histórias poéticas e de tamanha fonética. Histórias de chegadas e partidas. Histórias que brotam do chão, que caem do céu, que passam de boca em boca. Histórias de paixão louca. ...
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09/06/2010 - O velho e os bois

Lá vai o velho bem longe se vai tocando seus bois na estrada que a lua cai. Lua rancheira, tombada como pássaro no cano da cartucheira. Os bois vão passando e a lua iluminando os olhos da criação enquanto o velho vai aboiando pelo velho estradão. Já perdeu as contas de quantas cabeças ponteou por aquelas pontas. Já perdeu as contas de quantas moças deixou suspirando pelas varandas daquelas bandas. Só sabe que coração que extravasa em seu peito é marcado como seu gado, a ferro e brasa.

Lá vai o velho bem longe se vai abrindo porteiras cavalgando na ponteira da comitiva. Comitiva solidão o empurrando pelo sertão. Os bois vão marcando a terra rumo ao pasto lá do pé da serra. E o velho, com fé no dia, se benze com um ramo de guiné depois de rezar uma Ave Maria. Ele toca em frente ciente de que a saudade é uma estrada longa, que se prolonga do amanhecer ao anoitecer. Por isso quando a coruja pia o velho dá um jeito de cair nos braços da viola que chora e assovia dentro do velho peito. ...
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08/06/2010 - Capítulo 27

Sebastian desce do carro com uma cesta cheia de chocolates e um urso de pelúcia gigante. Com ele, descem Malena, Tomás e Micaela. O promotor conversa com o porteiro que, por sua vez, aciona o interfone. A voz do outro lado da linha autoriza a subida daquela família de rostos leves, animada com o que está prestes a fazer.

Três andares depois, quando a porta do elevador se abre, eis um cartão de boas-vindas. A mulher que registrou queixa contra Sebastian na delegacia naquele episódio do acidente os aguarda com um sorriso tendo a filha, aquela que ficou entre a vida e a morte no hospital, entre os braços. ...
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08/06/2010 - Mulher de San Petersburgo

Abundante de inverno, a mulher amada, nessa época, transforma-se na mulher de San Petersburgo, trazendo em si a nobreza da antiga capital do Império Russo e uma contemporaneidade de glamour inigualável. Causa suspiros e arrepios o caminhar dessa mulher por largas avenidas e canais de frio castigador. O luxo da mulher de San Petersburgo é alvejado pela inveja das parisienses e romanas. Isso porque sua saga histórica é assinada por Pedro, o grande.

A mulher de San Petersburgo está sempre grávida, carregando em seu ventre o berço da sociedade russa. Na boca da mulher de San Ptersburgo eclodem palavras do romancista Fiódor Dostoeysky. Mulher de czares e czarinas. Uma dica: essa mulher possui cenários noturnos e diversão intensa. Como é belo ver o Mar Báltico desaguando nos olhos da mulher de San Ptersburgo. Atenção! Foi sob os pés vermelhos dessa mulher que o exército de Hitler caiu. ...
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07/06/2010 - Um filme sem final feliz

Quem acreditava que a tecnologia humana poderia impedir uma nova edição do fim do mundo, como acontece constantemente nas telas de Hollywood, pode começar a desacreditar. Nem todo avanço científico nos coloca em vantagem aos dinossauros, que tiveram de presenciar passivamente a Terra ser alvejada por um meteoro gigantesco. E por que este pessimismo todo? Basta olhar a tragédia gerada pelo vazamento de um poço de petróleo. Ninguém, absolutamente ninguém, consegue dar um basta nessa catástrofe ambiental. ...
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06/06/2010 - Amor solto, south áfrica.

Quero lhe amar entre o Índico e o Atlântico azul, no sul da África do sul. Amar-lhe por entre os vestígios do amor humano que há mais de 100 mil anos se ama por ali. Quero falar que lhe amo em Bantu. Amar-lhe seguindo os elefantes. Quero lhe amar pelas minas de diamantes. Amar-lhe numa diversidade de culturas, idiomas e crenças religiosas. Quero lhe amar infinitamente, pois o índice de expectativa de vida nos obriga a amarmos hoje todo o amanhã. Amar-lhe com a devida licença dos orixás. Quero lhe amar em pinturas e esculturas tribais. Quero falar seu nome nas onze línguas oficiais reconhecidas pela Constituição sulafricana. Quero lhe amar na beleza e na pobreza da south áfrica num amor solto. ...
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05/06/2010 - Gaza, o território proibido

Ninguém pode chegar a Gaza. Ninguém pode sair de Gaza. Ninguém pode libertar Gaza. Gaza, o território proibido, segundo Israel. Será que o povo de Gaza consegue amar em meio a tanta dor. Será que o beijo beijado lá tem algum gosto diferente de pólvora e medo. Será que as grávidas dão à luz crianças ou prisioneiros. Gaza, tragédia humanitária. Gaza, ária que Mozart não ousou compor. Gaza, horror da tragédia anunciada. Gaza, bíblia revirada.

Quem se atreve a viver em Gaza, morre. Quem tenta socorrer Gaza, morre. Quem sonha Gaza, chora. Chora de pesadelo como criança no meio da noite escura procurando pelo colo da mãe. Gaza não é um país, mas uma faixa. Gaza não é uma civilização, mas um alvo. Gaza não é um lugar, mas um estado de guerra permanente. Gaza é o sonho palestino refém do próprio destino. ...
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