Daniel Campos

Prosas

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26/01/2011 - Clonar ou não clonar?

O clone humano só valeria à pena se os cientistas por meio das teclas de piano fizessem nascer um novo tom, maestro Jobim. Se com o DNA asfáltico do autódromo Interlagos, mais precisamente do S do Senna, acelerassem um novo Ayrton. Se de um copo de uísque trouxessem novamente ao mundo, com a benção dos orixás, Vinicius de Moraes. Se com uma pimentinha reavivassem por mais uma vez o canto de Elis Regina.

Os médicos poderiam pegar palavras, em genes de versos e prosas, e fazer novos nerudas, drummonds, pessoas, guimarães. Poderiam apanhar rosas que não falam e florescer outros cartolas. Poderiam isolar células de solidariedade e dar à luz a betinhos, uma série deles. Poderiam juntar marios e lagos e reproduzir Mario Lago. Poderiam fazer uso da mais pura matéria teatral palco afora e dar um bis de Paulo Autran, Raul Cortez, Paulo Gracindo......
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25/01/2011 - Dormenina

Dorme menina, dorme fingindo ser minha. Dorme em silêncio ou falando sozinha. Dorme como maranhão pedindo linha e mais linha ao vento. Dorme suspirando, sonhando com contos e fadas. Dorme escondendo os olhos. Dorme fugindo da verdade. Dorme diminuindo a saudade que há entre o real e o imaginário. Dorme nos braços de Maya, a deusa da ilusão. Dorme no peito de Morfeu, o anjo do sono. Dorme encolhida, despreocupada da vida, amada e decidida a acordar só depois das seis. Dorme agora inédita ou como da outra vez....
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24/01/2011 - Doce voz

Como é doce ouvir a sua voz. Como é doce ouvir a sua voz no silêncio de uma oração ou no meio da multidão. Como é doce ouvir a sua voz na linguagem dos sinos, construindo destinos como quem constrói frases. Como é doce ouvir a sua voz curando cicatrizes, fixando raízes, colorindo almas em seus matizes. Como é doce ouvir a sua voz. Como é doce ouvir a sua voz falando de nós.

Sua voz que vem em forma de vento, brisa, ventania. Sua voz que cobre nosso coração em feitio de manto. Sua voz que não diz adeus e que tem tanto de deus. Sua voz que vinga a poesia, que aflora o mesmo pranto que cala. Sua voz que clareia a escuridão, que destrona a solidão, que se espalha feito canção nas bocas dos pássaros de amores e perdão....
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23/01/2011 - Sem luz

Estou sem força, sem energia, sem luz, sem eletricidade. Estou ilhado, no escuro, com saudade dos watts e volts. Já perdi a hora de quantas horas vivo em blackout. Perdi o capítulo da novela e da janela só se vê o breu. Voltei ao tempo da roça, dos lampiões e lamparinas, de andar pela rua escura em companhia da lua. Os cachorros não param de latir, assombrações e ladrões aproveitam, cada um ao seu modo, dias e noites assim.

Não há como ligar o computador, recarregar o celular, ouvir um disco, assistir um filme, fazer uma ligação. Em seus altos e baixos, em seus piques e repiques, a energia ainda se dá ao desfrute de queimar o que restou na tomada. Tá tudo um caos. É preciso comprar mais velas e pilhas para as lanternas. Estou, como tudo ao redor, apagado, desligado, exilado... se explodir a terceira grande guerra só irei saber quando os soldados chegarem aqui....
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22/01/2011 - Deixa a madame pra lá

Não, não meu senhor, não adianta discutir com a madame. A madame tem sempre razão até mesmo quando não é sim e sim é não. Não, não meu senhor, não adianta discutir com quem não dá o braço a torcer e não se importa de fazer sofrer. Não, não meu senhor, não reclame, não adianta discutir com a rainha do enxame.

A madame finge eu é feliz ou infeliz conforme lhe convém, esquece o que faz, o que pensa, o que diz. Ela varre sua sujeira pra debaixo do tapete. Bate, assopra e esconde o cacete. Madame dá vexame e jura que é lady, mas vive de band-aid em band-aid juntando cacos e fazendo pactos. Madame entende de máscaras e disfarces. Vai à igreja, de praxe, mas seu forte é a mandinga. Excomunga o santo, se vinga, amaldiçoa e põe quebranto. ...
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21/01/2011 - Sertaneja

Antes de se por, o sol entra pela rocha dos seus olhos, que vão mudando de cor, e tudo vai virando sertão. O coração de arenito bate forte e se esfarela ao vento em grãos de paixão. A maré de sentimentos enche, transborda, seu corpo mareia, oceana e sua boca vira refúgio, ilha de garças e beijos esgarçados.

Ao se por, o sol vermelho amarelo laranja vai morrendo em sua pele morena que arde em cheiro e sabor como pimenta sertaneja. E a beleza segue como cacto, resistente com espinhos se transformando em flor. O romance se pendura no varal dos seus cabelos, vira cordel e repete e se reinventa como cordel. ...
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20/01/2011 - Paixão despedaçada

Depois de muito tempo e de um tempo muito, sangro minha boca de uísque. Uísque caubói como um dia imaginamos ser. Aliás, como um dia fomos. Uísque para lhe chamar, para lhe invocar, para lhe encontrar... Mais do que nunca, é preciso lhe pedir perdão. Perdão por não ter honrado a promessa feita diante de seus olhos verdes de nunca deixar seu império se perder. Seu mundo particular, feito de terra vermelha e fantasia, depois de mais de setenta anos, passa para mãos que não tem seu sobrenome e que não conhecessem sua história. ...
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19/01/2011 - Pirenópolis

Eu a vejo entre ruas estreitas, ladeiras de pedra e beiras de janela debruçando seus peitos nos parapeitos. Eu a vejo passar, dançar, beijar bocas de vento e solidão. Eu a vejo muda e cor ao passar pelas fachadas coloridas das casas e casarões. Eu a vejo badalar no sino da matriz e a rezar e a pedir e a perdoar e a sorrir e a pecar. Eu a vejo chorar na beleza das quedas d’água. Eu a vejo em silêncio e conversando na língua dos viajantes do espaço e do tempo.

Eu a vejo sendo festejada e disputada pelas cavalhadas. Eu a vejo usando o artesanato local. Eu a vejo com lábios açucarados pelos doces de compota. Eu a vejo beliscando biscoitos e outras quitandas. Eu a vejo correndo pelo cerrado caça e caçadora. Eu a vejo como um retrato em movimento. Eu a vejo entre a cadeia de montanhas e numa fantasia tamanha. Eu a vejo passar pela ponte do rio das almas e pousar passaramente em uma de suas pousadas....
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18/01/2011 - Tão perto e tão longe do Natal

Ainda é janeiro e os papais-noéis sumiram das ruas, das lojas, das casas. Onde se esconde o bom velhinho? Pólo Norte? Lapônia? Belém? Tão pouco tempo nos dista do Natal e ninguém fala mais em presentes, em peru, e m árvores, em enfeites, em luzes que imitam estrelas, em espírito natalino.

É como se Noel nunca tivesse existido. Ninguém sabe dele, não há qualquer sinal de sua passagem. Algumas crianças brincam com brinquedos supostamente trazidos por ele, mas já pensam no que querem ganhar no próximo Natal. Tudo é de uma brevidade tamanha a ponto de transformar o Natal e seus feitos em itens completamente descartáveis. ...
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17/01/2011 - Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo...

Só a força do choro é tão forte quanto a força da chuva. As lágrimas rolam o rosto como as águas rolam os morros. A dor avança como avalanche, arrancando tudo, tomando tudo, arrastando tudo, devastando o mundo que há, ou melhor, que houve. Os deuses ganham os refletores. É a força dos deuses que são chamados, benditos e amaldiçoados. Há os que se conformam a partir dos deuses e os que se revoltam com os seres supremos. Ao longo desse cenário há quem busque estar ainda mais próximo ou ainda mais distante deles. ...
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