Daniel Campos

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Encontrados 278 textos. Exibindo página 23 de 28.

21/12/2008 - Olhos de terra

O trator, na magia das rodas-gigantes, vai rodando pela terra que nos leva a rodar com ela. Sentado na carenagem do pára-lama vou de passageiro, de aventureiro e de companheiro de um tempo que já longe se vai. E ali, naquele altiplano, vou pela estreita estrada de terra escorrida entre árvores, plantações e o desfiladeiro da linha do trem. Na direção, como capitão daquelas terras, segue Liberato Barbosa, também chamado por Líbio ou vô. A estrada é curta perto do risco que nos rodeia. O sol, feito um pássaro de luz, pousa na palha dos chapéus e fica por ali, cantando seu canto de calor. ...
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19/12/2008 - O que é o amor

Já que o amor nasce do livre-arbítrio, ser amante é uma questão de liberdade e escolha. Ou você ama ou odeia. Nunca fique no meio termo, para o seu próprio bem. Amar não é uma coisa morna, mais ou menos, vivida pela metade. Amar é a entrega por inteiro, a busca constante do infinito e o viver da forma mais intensa possível. Por isso, antes de crer no amor, é preciso compreendê-lo. O que é o amor? É algo que versa sobre a existência e a eternidade da alma e de seus caminhos. O amor transforma quem ama para que o ser amante ou amado transforme o mundo. Há toda uma ação e uma reação, uma causa e uma conseqüência, um impulso e uma cadeia de acontecimentos por detrás do ato de amar....
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15/12/2008 - Ora bolas

Bola de chiclete. Bola de boliche. Bola do globo ocular, do lustre da sala de estar. Bola de entorpecente. Bola de mamona. Bola de lua cheia. Bola de meia. Bola de botão. Bola de bolinha. Bola de bilhar. Bola de golfe. Bola de bolo alimentar. Bola de embolada. Bola de basebol, de futebol, de basquetebol, de voleibol, de frescobol, de handbol. Bola chutada, arremessada, lançada, acertada, soprada por alguém. Bola de sabão, boiando no céu, transparente e inocente, desafiando o mundo num sopro de ilusão. ...
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11/12/2008 - Onofre, nofeeeee

Sem quaisquer avisos, seu Antônio, um camponês de olhos doces e barriga avantajada, apareceu na vila, que fica lá detrás do mundo, trazendo um casal de bezerros recém desmamados. Até aí, nada de anormal. O intrigante dessa história é que uma menina de dois anos chamada Maria se apaixonou perdidamente pelos bichos, principalmente por Onofre. Isso mesmo, por distração ou pirraça, seu Antônio batizou o boi caramelo com o nome do coronel mais temido do local. E se dependesse da empolgação de Maria, o cabra saberia logo do acontecido e seu Antônio pagaria o pato. Mas como a história não é nem de cabra nem de pato, vamos dar a palavra ao Onofre. ...
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15/11/2008 - O mundo na barriga

Já havia passado do prazo dado pelas suas contas, pelos médicos e pela natureza. O menino estava a cada dia mais forte, cansando-lhe o corpo. A maratona de hospital-casa, casa-hospital já havia virado rotina. As dores do parto, as contrações, a eliminação de líquido eram mais que suficientes para ela acreditar no nascimento e rumar para a maternidade. No entanto, os médicos diziam que a dilatação não era aquela, que as contrações eram psicológicas, que o bebê estava bem. Coisas de primeira gravidez. Ah! Ela era mãe pela primeira vez e a culpa de tudo parecia estar nesse fato....
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03/11/2008 - O gosto amargo de 1989

Há títulos que custam muito suor, muito talento, muita determinação, muita ousadia e muito dinheiro. No caso da decisão do campeonato de F-1, que vestiu de verde, amarelo e vermelho o circuito de Interlagos, as cifras roncaram tão alto quão os antigos motores V12 da Ferrari. Eu acompanho esta modalidade esportiva desde as primeiras corridas de Ayrton Senna e posso afirmar, com certeza, que algo não cheirou bem na última do GP Brasil. E esse fedor não foi de borracha queimada ou de motor estourado. ...
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30/10/2008 - Olhos de peixe morto

Os olhos tristes do peixe na banca da feira são tão profundos quão o mundo que está ao nosso redor. Olhos de uma tristeza que aflora às escamas. Olhos parados, cansados de tanta guerra. Olhos vidrados, que não enxergam o anzol por detrás da isca. Olhos molhados, cujas lágrimas de sal nunca foram vistas. Olhos enlaçados por redes, cortados pela lâmina fria de um sangue que já não jorra. Olhos de peixe grelhado, ao molho, ensopado, ao azeite, assado, cru. Olhos de peixe cru. Olhos de peixe morto. ...
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26/10/2008 - O crime do padre

Com olheiras roxas, dignas de um vampiro de ressaca, ele foi para a cama. Mas não conseguiria dormir. As últimas noites foram tomadas pelo misterioso assassinato do padre Felício. Rolava de um lado para o outro, mas a cena do pároco morto, aos pés do altar, não lhe deixava a cabeça. O fato de ser devoto de São Jorge, o santo guerreiro patrono daquela igreja, intrigava-o ainda mais. Quem teria cometido o crime e por qual razão? Triplicou o seu consumo de cigarro e passou a roer unhas. Um homem formado daquele roendo unhas? Delegado há 28 anos, poucas coisas mexeram tanto com ele quanto essa tragédia. ...
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20/10/2008 - Ópera do operário

No alto da construção, com uma lata de concreto na cabeça, o operário olhou o mundo ao seu redor e chorou de soluçar. Peito em pranto, a lata balançou, o andaime tremeu. Entre tijolos e vergalhões, dobrou os joelhos, como se o céu lhe pesasse sobre os ombros e rezou mesmo sem saber rezar. Agradeceu, confessou seus pecados, pediu proteção e, sem saber o que aconteceria dali por diante, tentou voar. Abriu os braços, respirou fundo e, em feitio de asa-delta, saltou da laje.

Diante de seus olhos, uma criança revirava uma lata de lixo, uma mulher era espancada pelo companheiro, uma senhora era roubada em mil cruzeiros, um bêbado dormia pela sarjeta, um menino queimava uma pedra de craque, um jovem deixava os estudos de lado, uma garota era violentada sem amor, um homem abria a carteira vazia em troca de pão, uma vizinha fofocava com outra sobre a vida de alguém, um senhor chorava a dor e a falta de remédios, tratamentos, cuidados e, sem direção, um moço estendia a mão em busca de uma esmola... ...
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06/10/2008 - O resultado da eleição

Pelas ruas, fotos e números de candidatos. O que era propaganda transformou-se, definitivamente, em lixo. E os garis, com seus uniformes fluorescentes, cor de tangerina madura, arrastam suas vassouras secas por entre promessas. Eu prometo mais emprego, mais saúde, mais segurança, mais... E essa promessitude vai alimentando os carrinhos de lixo, que se fartam daqueles desejos em decomposição. Assim como os panfletos, a faixa colorida pendurada no meio da praça, o muro pintado com a marca da campanha, os adesivos que grudaram na roupa, no carro, nos postes não fazem mais sentido. Hoje, segunda-feira, o futuro virou passado. ...
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