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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 256 de 320.
10/01/2010 -
Um amor condenado
Ela sabia que se amasse estaria condenada à morte. O amor sempre apareceu como pistoleiro em sua vida. Depressões, dores, tiros, facadas, socos, pontapés, agressões, palavrões, bebedeira, tentativas de suicídio, ameaças... todos os seus relacionamentos lhe traziam um quê de morte. Por mais inocente que fosse a paixão ela se transformava em algo assombroso, digno de filme de terror ou de boletim de ocorrência.
Ela tinha medo. Mas não conseguia deixar de gostar, de amar, de jogar. Gostava de se jogar de cabeça em seus romances. Era ciumenta demais. Era possessiva demais. E traia demais. Seu amor não tinha sentido, não se sustentava, mas ela vivia enchendo a boca para dizer que amava e, pior, amava demais. Enlouquecia seus namorados, noivos, amantes. A doçura dos beijos e o inferno das atitudes. ...
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09/01/2010 -
Suspiro de Neruda
Antes do último suspiro, fez o último dos últimos pedidos. Queria ouvir novamente um poema de Neruda. Ora, veja se isso é hora de se preocupar com um poeta chileno. Podia ter pedido um legítimo escocês 20 anos, um chocolate suíço, um charuto cubano... A enfermaria virou uma confusão. Nenhuma das enfermeiras saberia declamar o tal poema que falava de amor, de juventude, de liberdade... O anestesista não gostava de poesia, o cirurgião só lia literatura inglesa e a médica chefe não quis mais saber dessas manifestações artísticas românticas depois que teve seu noivado desfeito. ...
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08/01/2010 -
Jandaias
Como é bom acordar pela manhã e, ao saudar o dia recém-nascido, encontrar um casal de jandaias nas galhas desfolhadas por um outono fora de época. Equilibrando-se entre as cruzas dos ventos sudoestes, os enamorados periquitos realizavam uma espécie de dança naquela árvore do cerrado. De maneira bastante sutil, beijavam-se, agarravam-se, desejavam-se. O céu gritava azul ao contrate das duas jandais que insistiam em misturar seus corpos verdes.
A poucos metros de distância tentei escutar o que diziam. Mas como não entendo jandaês, pus-me a imaginar o cancioneiro poético que o macho soprava no ouvido da fêmea. Não estavam discutindo a relação, afinal a conversa era intimista demais. Também não falavam amenidades, pois as palavras motivavame e eram motivadas por carícias. Devia ser algo impróprio para o horário já que o barulho costumeiro das aves se restringia a sussurros. ...
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07/01/2010 -
Sem papo
Eu não quero falar, ver, tampouco saber de você. Que você suma do mapa geográfico, político, astral. Que você desapareça sem deixar endereço, telefone e sequer ponto final. Que você enlouqueça, desapareça, vire às avessas que eu não ligo. Aliás, maldigo você do primeiro ao último instante. Que duvide, que revide, que olvide, mas se mantenha distante. Não me importo com o que faça, com o que seja, onde esteja. Vá com os diabos porque Deus está de férias. Ao menos, de férias para você.
Não me aborde mais. Não me escreva mais. Não me pense mais. Não insista mais em mim. Já estou para lá das fronteiras da delicadeza. Daqui por diante meu comportamento pode não ter a mesma nobreza. Invente outro caminho desde que ele não cruze com o meu. Faça qualquer coisa desde que não interfira em meus dias. Tome chá de sumiço, vire-se em seu reboliço, tome rumo num feitiço... mas sai daqui, daqui de perto, de perto de mim. Entenda de uma vez: é o fim. ...
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06/01/2010 -
Como é bom te amar
Amar-te é bom como é bom te amar. É como esperar por um tempo muito quisto, é como acreditar em uma lenda, é como saborear um gosto que não sai da boca, amar-te é bom. É como se sentir a vida brotando pelos poros, florescendo desejos e fantasias pelas artérias que nos irrigam de prazer... Ai, como é bom te amar. Amar-te é bom como beijo de beija-flor, como vôo de condor, como ver o sol se pôr. É como reger uma orquestra de assovios, uma orquestração de rios que se contam e se encontram na expressão de como é bom te amar. ...
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05/01/2010 -
Ponta do mar
É na ponta do mar que os pescadores casam suas histórias. É na ponta do mar que as redes se enroscam. É na ponta do mar que os peixes namoram. É na ponta do mar que as sereias capturam suas vítimas. É na ponta do mar que as ostras fazem as pérolas mais bonitas. É na ponta do mar que os veleiros queimam como parafina. É na ponta do mar que os náufragos pedem socorro. É na ponta do mar que a vida se divide como uma estrela, entre luz e escuridão.
É na ponta do mar que a maré enche. É na ponta do mar que o tubarão espreita. É na ponta do mar que o cardume tinge o azul. É na ponta do mar que surfista tira onda. É na ponta do mar que baleia encalha. É na ponta do mar que Netuno fincou moradia. É na ponta do mar que tem arraia e enguia. É na ponta do mar que as algas descansam. É na ponta do mar que as ondas quebram. É na ponta do mar que o sol se banha. É na ponta do mar que o mistério começa....
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04/01/2010 -
Subir no telhado
Ela tinha vontade de subir no telhado. Mas isso não era coisa de menina. Ainda mais de uma menina de onze anos. Tinha que ter desejos menos perigosos, como uma boneca nova. No entanto, ela insistia na história do telhado seja com o pai, com a mãe, com a irmã, com a avó, com o tio, com a faxineira, com a professora. Chegaram a marcar uma consulta em um psicólogo infantil, mas, em razão do pai achar essa imersão na psicologia perigosa demais, a menina não precisou falar de sua vida para um profissional que tinha grandes chances de jamais ter subido em um telhado....
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03/01/2010 -
Do mesmo amor
Eu quero um pouco e muito mais do mesmo amor. Do mesmo amor que há pelas ruas do meu corpo. Amor inocente, amor docente, amor de repente amor. Eu preciso da próxima fala, da próxima cena, do próximo capítulo desse amor. Nada de pausas ou de interrupções, que venha a continuidade da história. Uma história de muitas páginas e sem final. Amar é querer viver mais e mais páginas sem nunca se encontrar com o ponto derradeiro.
Eu quero um pouco e muito mais do mesmo amor. Amor que tem me dado todos os dias como prenda e oferenda. É vital tirar mais açúcar dessa moenda sentimental. Abuse da imaginação para criar o que já foi criado. Inspire-se no amor dos beija-flores, das jaguatiricas, das aranhas fulanas de tal. Redimensione as planilhas do coração, coloque mais versos na canção e reze pelo milagre da multiplicação....
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02/01/2010 -
O amor e o divórcio
O número de divórcios vem batendo recordes. Pudera, o amor vem sendo abatido pelo amor. Como assim? Simples, abdica-se de um amor sob a justificativa de outro amor. Seja para procurar ou viver um novo amor. É como se milhares de pessoas descobrissem que elas vivem um pseudo-amor. Diante disso, sentem-se livres para tentar um amor ideal: inteiro, verdadeiro, real.
Pode parecer complicado, mas a raiz do divórcio está na deturpação do conceito de amor. Muitos acham que aquele sentimento que nutrem por outra pessoa, independentemente de tempo e intensidade, pode ser considerado amor. Paixões repentinas, amizades amorosas, conquistas juvenis, vontade de ficar junto, desejos são falsamente encarados como amor para vida toda sob a instituição do casamento. ...
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01/01/2010 -
Uma nova lavoura
A terra está preparada. Pode começar a lavoura. Converse com o tempo e entrem em um acordo. Flerte com as sementes. Quanto mais rápido plantar, mais rápido terá do que se alimentar. No entanto, que essa plantação lhe valha a curto, médio e longo prazo. Afinal, o infinito é finito. E que a plantação seja sua imagem e semelhança. Plante sentimentos, plante pessoas, plante sonhos. Plante o que quiser plantar desde que seja responsável pelo que estiver em seu terreno.
Não sufoque a plantação com cercas. Opte pela diversidade, pela multiplicação, pela comunhão de culturas. Cuidado com os corvos, com os gafanhotos e com outras criaturas que possa a vir chamar de pragas. E saiba que ao escolher entre a mão e os tratores estará influenciando diretamente no sabor das coisas. Não se esqueça da adubação, da irrigação, da relação entre planta e plantador. Quanto maior a cumplicidade nessa relação maior será a colheita. ...
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