04/01/2010 - Subir no telhado
Ela tinha vontade de subir no telhado. Mas isso não era coisa de menina. Ainda mais de uma menina de onze anos. Tinha que ter desejos menos perigosos, como uma boneca nova. No entanto, ela insistia na história do telhado seja com o pai, com a mãe, com a irmã, com a avó, com o tio, com a faxineira, com a professora. Chegaram a marcar uma consulta em um psicólogo infantil, mas, em razão do pai achar essa imersão na psicologia perigosa demais, a menina não precisou falar de sua vida para um profissional que tinha grandes chances de jamais ter subido em um telhado.
Embora se tentasse entreter a menina com outras coisas, essa história de telhado não deixava sua cabeça. A irmã mais velha, que não agüentava mais esse papo, chegou a dizer que a caçula estava obcecada pelo telhado. Era melhor que ela subisse logo, caísse e se quebrasse toda. Só assim essa falação teria fim. Diante de tal absurdo, a mãe se incumbiu em dar umas palmadas na filha que vivia a falta de paciência da adolescência. O tio, por se achar super-herói, resolveu levar a menina ao telhado. A avó viu e fez o maior escândalo, de tão nervosa teve um princípio de derrame. O tio foi convidado a não freqüentar mais a casa.
Chegaram a pegar a menina escalando uma escada deixada em local indevido pela faxineira que se sensibilizou com a causa da menina. A mulher foi demitida. Por divergirem sobre a questão do telhado, pai e mãe se separaram. E a menina, ficando com a mãe, foi morar em um apartamento sem telhado. A história estava ficando cada vez mais perigosa, trazendo inúmeros prejuízos para a harmonia do lar. Nem com tantos acontecimentos negativos a menina se esquecia do telhado. Pedia, insistia, batia o pé no chão querendo voltar à casa antiga.
Curiosamente, não contava para ninguém o que queria fazer lá em cima. Será que queria ver as nuvens, a rua, as casas vizinhas, a caixa d’água, os pássaros? Ninguém conseguia decifrar o desejo da menina. Até que um dia, o pai resolveu, para tentar reconquistar o amor da filha e da mãe, oferecer o telhado para a menina. Só que para surpresa geral ela recusou o convite. Dizia que viu num desenho que de cima do telhado dava para ver o futuro. Só que agora, depois de tudo, ela não precisava subir num telhado para saber seu futuro.
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