Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 227 de 320.

07/09/2010 - Um avô, um neto e as damas de setembro

- Alôôô!

- Oi seu Líbio, tudo bem com o senhor?

- Oi Daniel, que saudade! Falei agora mesmo com a sua avó que já ia muito tempo que a gente não se falava.

- Pois é, meu avô, a saudade fala mais forte. Que falta me faz o senhor.

- Tempos bons que não voltam.

- E como estão elas?

- Elas quem?

- Elas, as damas de setembro.

- Ah! Já sei do que está falando. Estão lindas.
...
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06/09/2010 - Capítulo 52

Quilômetro a quilômetro, a estrada vai engolindo Sebastian.

Para piorar, seu celular acabou a bateria antes dele conseguir falar com Tomas ou Micaela.

Também tentou ligar para Celeste para que cuidasse das crianças, mas ela não atendeu. Talvez não pudesse ou será que foi proposital. A dúvida tinha motivos. Depois daquela cena constrangedora que ocorreu no apartamento eles não se falaram mais. Ele não a procurou, tampouco ela o fez.

Eles ficaram distantes e calados pelos dias que se seguiram, um temendo os pensamentos do outro. ...
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06/09/2010 - Pescar como pesca o pescador

Ah! Se eu tivesse a coragem do pescador que pega seu barco e se deixa engolir pelo mar. Tempo bom, tempo ruim, o pescador rema, rema, rema remador, espia o peixe, puxa corda, sacode a rede. Não tem medo de o barco virar, de não voltar, de deixar alguém a lhe esperar para sempre na areia da praia. O pescador não leva bagagem, sai vestido apenas com o couro do corpo e as traias da pesca. É ele e o barco, é ele e o mar, é ele e o mundo das águas e dos ventos.

Queria saber pescar sonhos como pesca o pescador, que enfrenta a dor, a solidão e o desconhecido sem gritos. É o homem que deixa a terra, que tira o chão de seus pés e desafia os limites da fé. É homem duro, castigado e imolado a cada amanhecer, mas com o coração tão puro quanto à vida virgem do alto mar. Ele sabe que pode ser tragado e ceifado a qualquer momento por aqueles deuses que habitam o fundo do mar. Por isso, tenta ser o mais leve possível de modo que flutue entre o espelho d’água e o peito do céu.


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05/09/2010 - Senhora dos remédios

Olha lá quem vem vindo, subindo as estradas que margeiam o rio Douro, é Nossa Senhora dos Remédios. É ela quem nos cura das doenças do corpo e da alma. Lá vem a imagem da santa trazida pela procissão do Triunfo. Só que não é procissão de velas ou de senhorinhas, mas de bois. Carros e mais carros de boi que vem rangendo, tangendo o estradão que vai se abrindo em torno daquela senhora de mantos rosa e azul. As rodas do carro vão girando como que chorando aos santos pés daquela senhora que cura o pranto de quem chora. ...
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04/09/2010 - Olhos de brisa

Seus olhos são cursos d’água. Sentimentos e palavras correntes pelos contornos urbanos do seu eu. Olhos de rios. Olhos de lagos. Olhos oceânicos. Olhos submersos, escondidos a mil léguas submarinas. Olhos ilhados, boiando nos meus. Olhos doces, néctar das gaivotas. Olhos de sal, saudade da cidade lateral. Como é bom sentir seus olhos respingando nos meus. Quantas braçadas são necessárias para cruzar seus olhos? Como eu faço para levar meu barco ao seu porto? Será que basta fechar os olhos e esperar seus ventos me soprarem seus segredos? ...
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03/09/2010 - Deus, salve a incompreensão

Difícil escrever assim; viver escritamente assim. Há uma voz que me censura. Há um coração que não me entende. Há uma língua que me fere ferinamente. As palavras que oferto são renegadas. A essência dos textos é blasfemada. O sentido do sentimento é deturpado. E tudo vira motivo de discussão e censura. Cortam-me as asas da imaginação. Proíbem-me a loucura. Podam-me o direito à licença poética. Falta respeito e gratidão ao amor que canto, ao pranto que rolo e às linhas e versos que acolho em meu colo....
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02/09/2010 - Bater um tambor

Vamos bater um tambor, meu amor, que a noite é de lua cheia. Vamos bater um tambor, meu amor, incendeia. Vamos bater um tambor, chamar o preto velho e o caboclo roncador. Vamos bater um tambor, tomar banho de flor, de mato e de pipoca. Vamos bater um tambor, e fazer macumba e fazer kizumba falando de amor. Vamos bater um tambor, dançar com Iansã, caçar com Oxossi, sorrir pra Xangô. Vamos bater um tambor, meu amor, pedir ajuda para o babalaô. Vamos bater um tambor, senhora, pro senhor do tempo. Vamos bater um tambor, senhora, no terreiro de dentro. Vamos bater um tambor, rodar a saia e segurar nas palmas. Vamos bater um tambor e lavar as almas. ...
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01/09/2010 - Ao sul do equador

Não existe milagre ao sul do equador. Abaixo da linha imaginária que divide o mundo não há muita expectativa. Há um leque de assassinos à solta e um ladrão de galinhas detrás das grades. Há milhares de focos de queimada transformando o verde em cinza. Há uma indústria produzindo promessas e mais promessas que jamais serão cumpridas. Há incontáveis escândalos públicos e privados. Há uma mulher que apanha e cala. Há uma criança que perdeu a fé no sonho. Há valas e mais valas onde se enterra o orgulho e o respeito e a esperança. ...
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01/09/2010 - Capítulo 51

Não há mais o que esperar. As mãos de Jhaver finalmente vão ao encontro do chicote. Miguel observa com um quase sorriso na boca. O mesmo quase sorriso que deve se manifestar na boca de Deus.

Chega de tanto resistir, de tanto negar a própria essência. O maior castigador de todos os tempos voltaria a castigar. Não há como escapar da sina daquele chicote. Todas as revoltas, todas as vontades de se fazer justiça, todas as angústias estão presas ali naquele instrumento de punição.
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31/08/2010 - Visões de guerra

As últimas cicatrizes ainda ardem nos matizes dos olhares que não conseguem se esquecer do que viram. É tanta guerra, são tantos estilhaços de coração. É tanta guerra, são tantos pedaços de canção. É um mundo partido, dividido, proibido. Um mundo que dói e corrói e desconstrói. Um mundo imundo, profundo, moribundo querendo morrer em seus braços a todo minuto. Um mundo de luto.

Pólvora e explosões queimando a retina. Sangue e fuligem borrando a íris. Paisagem e vertigem numa ilusão óptica. Um exército de mutilados. Crianças sem colo no meio de uma estrada que não leva a nada. Mães com pás e enxadas enterrando filhos. O céu vermelho numa plantação de fogo. Fome e sorgo. Trincheiras fazendo o papel de lar, em meio a um luar alvejado de balas de canhão. E o horizonte dizendo “não”......
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