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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 229 de 320.
22/08/2010 -
Peão apaixonado
O boiadeiro vai rompendo o fim da madrugada pelos campos do sertão. Seus passos amassam o orvalho enquanto seu rosto leva as chibatadas do vento frio. O vento aberto da invernada chicoteia para lá e para cá. Que Deus e Nossa Senhora protejam aquele homem que tem o corpo coberto das marcas da vida, que enfrenta com peito aberto e um coração de boi. Com chapéu deitado na testa e olhos no horizonte o homem caminha entre a luz e a escuridão assoviando uma canção:
Ê boi, êê boiada estrelada...
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21/08/2010 -
Nuvens e anjos
O meu céu não tem mais nuvens. É um céu azul acinzentado, embaçado, poluído. Mais parece um solo desértico depois da destruição. Não há nem nuvens brancas nem nuvens pesadas da cor de chumbo. Certamente, não vai chover, tampouco vai haver aquela brincadeira de ficar tentando adivinhar as possíveis figuras que se formam no corpo das nuvens. Não há nuvens tentando entrar pela minha janela ou me esconder do sol.
O ar quente e seco desfaz qualquer possibilidade de nuvem. O céu fica impróprio para a formação dessas penugens de algodão. E nessas horas é que eu me pergunto: onde estarão os anjos? Sempre foi dito que os anjos moram em nuvens, que ficam sobre elas tocando suas harpas e vigiando a vida aqui na Terra. Será que os anjos se foram junto com as nuvens? Ficamos sem sombra e entregues às sombras. ...
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20/08/2010 -
Capítulo 48
Os dias passam e Sebastian vai lutando contra os resquícios dos castigos semeados por Jhaver e das atitudes que tomou em defesa de seu algoz.
Tenta entender, acertar, ficar forte, proteger, buscar seu caminho. É preciso se esforçar. Enquanto muitos querem que o homem-carne desabe de uma vez por todas outros contam com o homem-espírito.
Não só Micaela, mas Tomas também passou a morar com o padrasto no apartamento. Os dois desejam uma só coisa: proteção.
Ele havia entrado com pedido de guarda na Justiça, mas os meninos não quiseram esperar pelo resultado. Ninguém suportava mais os mandos e desmandos que Alicia fazia em suas vidas e naquela casa....
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20/08/2010 -
O tempo da descriação
Cabeça cheia. Casa cheia. Lua cheia. É meia noite e meia. Hora de soltar os lobisomens, os vampiros, os cavaleiros do apocalipse. Que as assombrações assombrem as sombras que não cansam de nos colocar medo. Ninguém agüenta mais tanta conversa fiada, tanta prosa errada, tanta desculpa esfarrapada. É hora de mudar o enredo. Chega de ensaios, de rodeios, de devaneios. Chega de tanta promessa, de tanta quebra de expectativa, de tanta vida inativa. Vamos pegar o primeiro trem e ir além do que nos convêm. ...
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19/08/2010 -
Feitiço de amor
Procurei o velho bruxo Galileu lá do fundão da estrada, na barroca de sapê onde canta o galo preto, só para mor de eu pedir para ele fazer feitiço para amarrar o meu amor ao seu. Com um cajado envergado na mão direita e um amor-perfeito na esquerda ele invocou algumas palavras estranhas e prendeu nossos nomes na teia da aranha. O velho Galileu, tossindo mais do que um cabrito e com os olhos vermelhos do maldito, disse para eu ficar tranqüilo que nosso amor ia ser bonito por demais. Tanto tempo faz e o bruxo estava certo: eu e minha mulher estamos sempre perto e, quando perto, mais perto do jeito que o diabo quer. ...
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18/08/2010 -
O diabo que te carregue
O diabo que te carregue. Que te carregue para o inferno, para o fogaréu, para as sombras, para o cemitério, para o léu. Sinceramente, não me importa para onde desde que ele te carregue para bem longe de mim. Não quero mais ver sua cara de pau, ouvir suas mentiras, sentir seu cheiro enjoado. Chega de tanta ruindade, de tanta maldade, de tanta crueldade. Basta dos castigos que me vem dando, das coisas que me vem aprontando, das máscaras que vem empregando.
O diabo que te carregue, que te arraste, que te puxe, que te leve daqui do jeito que quiser. Não tenho pena, dó, misericórdia, compaixão ou quaisquer outros desses sentimentos ditos divinos. Sou humano, propenso a falhas e falta de paciência. Eu não queria ser tão indelicado, mas já que pisou no meu calo por diversas vezes: o diabo que te carregue. E não negue qualquer familiaridade com o demônio. Aproveitem para falar mal dos outros, fazer fofoca e comer um churrasquinho. ...
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17/08/2010 -
Capítulo 47
Gritaria. Alvoroço. Descontrole.
Micaela dá um escândalo ao ver Celeste completamente nua, dormindo no sofá da sala do apartamento de Sebastian.
Acha um absurdo o padrasto trair a mulher que diz amar, ainda mais quando essa mulher está internada em um hospital, ainda mais de forma tão explícita e descarada, ainda mais com a filha de um grande amigo da família.
Celeste, que tinha pegado no sono acorda em meio aquela confusão sem compreender o que se passa com ela e ao seu redor. ...
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17/08/2010 -
Senhas
E agora, o João teve um apagão. Ao contrário do que acontece nos filmes, ele não acordou desmemoriado em um lugar desconhecido. Ele fez foi acordar em casa mesmo, ao lado da mulher, dos filhos e do cachorro maltês. Lembra perfeitamente de seu nome, de seu endereço, de sua profissão. Sabe o nome completo das crianças e da flor predileta de sua esposa. Tem consciência de que mora no décimo segundo andar de um prédio num bairro não muito distante do endereço do seu trabalho. No entanto, é como se um mundo inteirinho tivesse se apagado de sua memória....
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16/08/2010 -
Amor em compota
O meu amor cabe num vidro de compota. Exótico como uma compota de cambuci, butiá e uvaia. Romântico como uma compota de abóbora. Amor em creme, geléia, gelatina e calda. Combina doce e azedinho, texturas distintas, distribuído em uma taça e oferecido à criatura amada, coroando o sabor que há em nossos beijos. E quem tem amor de compota não precisa de petit gãteau nem de tarte tatin. Compota de sabores e aromas da mata.
Frutas, cravo e canela. Açúcar cristal. Fervuras e banhos-marias. Mexe para lá, mexe para cá e todo o resultado dessa mexida é guardado em vidros. E nosso amor se conserva por muito tempo quando o acondicionamos da forma correta. Amor em pedaços de figos, laranjas, mamão verde, pêssegos, cerejas, peras, goiaba... Tudo bem feitinho num amor caudaloso, doce e encorpado do jeito que o coração gosta. ...
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15/08/2010 -
Restos do apocalipse
Todos correram. Todos fugiram. Todos sumiram das ruas e das luas de São Jorge. Não há ninguém por aí. Não há ninguém por aqui. Mataram todos os pardais, os rouxinóis e até o mestre bem-te-vi. Não há canto de pássaro, não há ninho de pássaro, não há céu de pássaro e não há ninguém a passar. Destruíram todas as flores. Borraram as cores. Saquearam as lojas. A comida acabou, a policia debandou, a festa acabou... e eu fiquei para trás acreditando no mundo, nas coisas do mundo...
Beberam todo o champanhe. Quebraram as taças de vinho. Sujaram a água da fonte. De avião, navio, carro, moto... todos se foram. Não ficou ninguém para dar notícias. A televisão saiu do ar. O rádio está mudo. Os bares estão vazios. A cidade é só uma massa de concreto e nada mais. Tudo está escuro. As árvores secaram, tombaram, queimaram. E não há qualquer sinal de brotos. Só as formigas continuam sua marcha prevendo um longo inverno. ...
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