Daniel Campos

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Encontrados 254 textos. Exibindo página 12 de 26.

30/07/2010 - Peras ao açafrão

Seus olhos são como duas peras ao açafrão, feitos a partir de mel, vinho e limão. Olhos de fervura e caudalosos, ideais para sempre degustados a colheradas. E eu, cada vez mais, tento fazer das minhas palavras espátulas só para retirar, com todo cuidado, a cada novo encontro, um pouco mais dos seus olhares. Toda a maciez e o sabor das peras, com uma coloração única, e um frescor de hortelã, colocados em olhares que alteram o meu metabolismo de uma forma que nem a química ou a física podem explicar. ...
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26/01/2012 - Percepções

Nada é tão igual assim como nem tudo é tão desigual. O caos mora dentro de cada um de nós. Somos a confusão, a desordem, a bagunça generalizada. Antes de sermos humanos somos desumanos. Somos a civilização perdida. Nossos sentimentos são atômicos, nossos sonhos são quânticos. O sorriso é a pausa do pranto. Em todas as coisas há uma relação constante de poder e despoder, de querer e desquerer, de ter e desejar. São tantas teorias da conspiração. Para cada sim há um monte de não.

Nossas vidas são pré-fabricadas, mas a nossa obra jamais se conclui. Nosso tempo é relativo. A liberdade só existe enquanto utopia. Estamos todos condenados a algo ou a alguém. O retrocesso está no processo do progresso. Nem tudo pode ser dito ou ouvido. Ora estamos dentro ora, fora. Quase sempre o agora está no ontem ou no amanhã. A poesia é semente à espera das condições ideais para vingar. ...
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16/01/2010 - Perdas e traumas

Com as mãos sujas de terra um jovem chora pelas ruas de uma cidade destruída. Muros ao chão não cercam mais nada. Casas tombadas não guardam privacidade alguma. Estradas rachadas, construções condenadas. Rezar onde, se a igreja caiu? O homem não sabe para onde ir. Os bares estão fechados, os mercados foram saqueados. Há uma legião de desconhecidos caminhando por aqueles descaminhos.

São rostos estranhos que falam línguas mais estranhas ainda. A tragédia aguça a fome de uma gente faminta. Todos querem notícias, todos querem acordar do pesadelo, todos querem um pedaço de pão. Que bom seria se todos encontrassem seus mortos. Ao menos, para uma despedida. Mas como encontrar alguém entre os escombros e as pilhas de defuntos que são enterrados em valas coletivas?...
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11/09/2013 - Perdedeira

De repente, tudo se perdeu. A canção se perdeu no silêncio de quem esqueceu a letra. O santo se perdeu no meio da procissão. A inocência se perdeu no meio da lábia. O pescador se perdeu entre uma estrela e outra. O perfume se perdeu nos becos. De repente, todos se perderam. O palhaço perdeu a graça no meio do espetáculo. O pássaro perdeu altura perdendo a fêmea de vista. O menino perdeu o dente graças a uma bolada. O amor perdeu a hora.

De repente, eles se perderam. Os jogadores perderam o jogo que estava ganho. O funcionário perdeu o emprego. A noiva perdeu o altar. O andarilho perdeu a própria estrada. A violinista perdeu o ritmo. O florista perdeu o buquê. De repente, ela se perdeu. A moça perdeu a honra. A grávida perdeu o filho. A rebelde perdeu os cabelos. A bailarina perdeu o equilíbrio. A atriz perdeu a cena. A boneca perdeu um dos olhos de botão. A chegada perdeu a partida.


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12/05/2012 - Perdedeiras

Estou sempre diante de uma grande encruzilhada. Não sei que caminho tomar. Não sei se avanço pra trás ou se volto pra frente. Meus pés giram em círculos. Eu me pego fazendo as mesmas coisas que nunca fiz. Eu me esqueço de tudo. Não me lembro para onde ia ontem, para onde vou amanhã, onde estou agora. Minha bússola interna quebrou. Meus olhos não conseguem decifrar o caminho das estrelas. Meu anjo da guia deixou há anos de guiar qualquer um dos meus passos.

A minha rosa dos ventos despetalou. Estou sempre em dúvida em relação às direções e aos sentidos. A estrada sob meus pés é uma grande interrogação. Queimei os mapas. Quebrei os celulares. Não quero encontrar. Não quero ser encontrado. Eu não deixo rastro. Eu devoro rastros. Alimento-me das minhas próprias pegadas. Sou feito de portas, porteiras, janelas, cancelas, pontes, pontilhões, trilhos e estações. Caminho de verso em prosa, carregando ou sendo carregado por canções....
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20/03/2015 - Perdeu a graça

No céu não voa mais maranhão... No chão não se roda mais pião... Não se sabe mais pular amarelinha... Ninguém conhece a cor da joaninha... Quem ainda quer uma casa na árvore? Quem ainda sabe o que é uma árvore? Ninguém sobe mais em árvore... Corda já não bate mais na rua... Meia velha já não vira bola... Nem pó de giz tem mais na escola... Ninguém mais tem medo do bicho papão... Virou uma coisa só ser polícia e ladrão... Menina não quer mais cirandar... Menina não quer mais passar anel pra não casar... Criança já nasce crescida, decidida a não ser criança... Criança não quer mais ser astronauta, super-herói, pirata... Leite hoje em dia nem tem mais nata... Quem é que quer dormir com histórias de ninar? Quem é que ainda balança com cantigas de além-mar? Quem é que quer no tempo voltar? Pelos canteiros não tem mais pique-esconde... Não se vê mais nenhum visconde... Derrubaram os pés de fruta-do-conde... Ninguém mais precisa falar pelas bonecas... Hoje em dia é outra coisa ser sapeca... No céu não voa mais maranhão... No chão não se roda mais pião...


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06/11/2011 - Perdi o trem

Estou atrasado, futuro do passado. Perdi o trem das coisas tentando entender o que não tem entendimento. Coisas do amor. Andei demais. Dormi demais. Sonhei demais. Bebi versos e notas de Milton Nascimento. Deixe-me levar pelos tambores de Minas, pelas meninas dos olhos das meninas, embalei a lua como criança nina uma boneca pequenina.

Fiz questão de me desvencilhar do tempo no clube da esquina. Entre serestas e seresteiros dancei com um colombina que tinha lábios de goiabada e língua Rosa Guimarães. Entre um bocadinho de prosa e um trem de causos, puxei uma cadeira pra perto da saia de um fogão a lenha e num braseiro mulher deixei a vida passar despetalando o tempo em trens de bem e de mais bem me quer.


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09/11/2011 - Perdido

Já não sei mais o que pensar, para onde ir, o que querer. Tudo se desmancha no ar. Tudo se perde pelo caminho. Já há mais espinho que flor por toda parte. E viver já deixou de ser uma arte há muitos anos. Meus planos deram errados e meu mundo parece girar fora de órbita. O que será do fim de tudo isso? Por que em tudo há uma falha? Por que atrás de uma boa intenção há sempre um boicote, uma inveja, um canalha? Por que não há anjo ou demônio que realmente nos valha?

Já não sei mais como conviver com tantas mentiras, hipocrisias, azias e más-digestões. Eu já tenho mais silêncios do que canções. Os vagões do meu trem estão cheios de angústias e aflições e respostas evasivas. Há sempre uma espera atrás de outras espera. Quem dera se minha vida não estivesse sempre nas mãos de alguém. Quem dera se eu não dependesse sempre disso e daquilo também. Quem me dera se não houvesse um porém separando o sonho da realidade....
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06/06/2016 - Perdoa-me por todo amor que há

Perdoa-me se o amor se tornou maior do que você podia imaginar, mas eu nunca escondi o quanto sempre me fez sonhar grande e te desejar pelos milênios. Perdoa-me se o amor não te dá sossego, mas amor que é amor bole, mexe, arrepia, tira o juízo. Perdoa-me se eu te faço sofrer por não desistir do que eu amo. Perdoa-me se a vida sem você é só um engano. Perdoa-me por eu ter acreditado que nunca sumiria das minhas vistas, pois cego de paixão sempre te vi dentro, dentro de mim, no mais íntimo sentimento. Perdoa-me se te dei espaço demais, tempo demais, tudo demais para me esquecer. Perdoa-me se eu te medi me medindo por você. Perdoa-me se meu amor, meu estranho amor, te contamina. Perdoa-me se mesmo distante tem escutado o meu choro, o meu choro sentido. Perdoa-me se eu ainda não me conformei dos meus braços não serei mais os seus braços, se me é tão difícil viver amputado de você....
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08/11/2009 - Perestroika

É hora de reconstruir. Abrir o guarda-roupa e reconstruir um visual. Abrir o portão e reconstruir uma estrada. Abrir a gaveta e reconstruir um achado, um perdido. Hora de reconstruir a leitura de um livro que há tempos foi abandonado na prateleira. Hora de reconstruir um tempo perdido, um verso bandido, um solo de um sol sustenido que deixou de brilhar. E que nessas reconstruções não falte mão de obra. E que nessas reconstruções ache todos os materiais necessários e desnecessários também. E que nessas reconstruções permita-se inovar. ...
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