Daniel Campos

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16/01/2010 - Perdas e traumas

Com as mãos sujas de terra um jovem chora pelas ruas de uma cidade destruída. Muros ao chão não cercam mais nada. Casas tombadas não guardam privacidade alguma. Estradas rachadas, construções condenadas. Rezar onde, se a igreja caiu? O homem não sabe para onde ir. Os bares estão fechados, os mercados foram saqueados. Há uma legião de desconhecidos caminhando por aqueles descaminhos.

São rostos estranhos que falam línguas mais estranhas ainda. A tragédia aguça a fome de uma gente faminta. Todos querem notícias, todos querem acordar do pesadelo, todos querem um pedaço de pão. Que bom seria se todos encontrassem seus mortos. Ao menos, para uma despedida. Mas como encontrar alguém entre os escombros e as pilhas de defuntos que são enterrados em valas coletivas?

Aquele jovem que escavou aquela terra com as próprias mãos na busca de sua namorada, aliás, seu primeiro amor, não se conforma com a ausência de beijos e abraços da criatura amada. Todos os projetos sonhados a dois estavam em ruínas. Os lábios de sua amada já deviam estar frios e sem cor. O corpo tão cobiçado e casto foi abandonado como resto de construção. E seu perfume de flor já se perdia por entre o fedor de milhares de mortos.

Da destruição, sob os olhares e sentimentos daquele jovem, nascia uma civilização de perdas e traumas. Uma civilização chamada Haiti.


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