Daniel Campos

Texto do dia

Se você gosta de textos inéditos, veio ao lugar certo.

Arquivo

2017 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez

Encontrados 60 textos de junho de 2015. Exibindo página 6 de 6.

05/06/2015 - Santa do alto do morro do boi da cara branca

Lá no alto do morro do boi da cara branca, não tem asfalto só carranca. Lá no alto do morro nem a deus se pode pedir socorro porque deus por lá já deu adeus. Lá no alto a mulher só anda de pé no chão ou de sandália, pois o chão não se dá com salto. Lá no alto quando se quer noivar, casar, ficar para sempre é preciso fugir, partir, seguir antes de beijar. Lá no alto o espinho nasce antes da flor e o que se dirá do amor? Lá no alto do morro do boi da cara branca, a tensão é tanta que desejo proibido morre eletrocutado. Quem tem passado comemora por ter sobrevivido, mas chora por nunca ter dali partido. Violão segue calado, palhaço vive emburrado, pivete masca gilete e toda gente se declara inocente. Lá no alto do morro do boi da cara branca a força tanta não é dos soldados nem dos bandidos mal-encarados nem ainda dos mal-amados, mas de quem controla do perdão à esmola, de quem sabe do que voa, do que rasteja e do que rola. Lá no alto do morro do boi da cara branca quem arranca o que quer de homem ou mulher é a Santa. Santa é mais bruta do que a pedra que sustenta toda a gruta. Nasceu no Norte, deu nó na morte, e fez sua sorte no alto do morro do boi da cara branca e ali se agiganta. Santa manda prender, manda soltar, manda sofrer, manda matar. Santa anda e desanda a vida de quem bem quer. De dia é homem que não treme, a noite geme como mulher. Anda armada e nua como lhe convém, já levou facada e tiro, já sequestrou e foi refém. Santa não tem fama de fazer milagre, mas já dividiu ao meio uma lagoa de bagre e pegou pelo rabo um tigre dente de sabre. Muita coisa se conta de Santa, mas ela mesma não fala de si, nem do que sonha nem do que fez nem do que apronta. Para Santa, Santa nunca está pronta. Gosta de tomar sua cachaça, que consegue de graça, e andar tonta pela cabeça do morro do boi da cara branca. Não admite ser feita de monta nem errar na conta. Santa tem cabelo comprido, corpo de bandido e um ar mais do que atrevido. Não sei se mais por fé do que por medo, o povo do morro bota seus pedidos, suas moedas, suas vidas aos pés de Santa. Santa faz chover bala, faz corpo queimar, faz traidor pagar, faz doação a sua própria mala. Santa é de se drogar e de se achar em qualquer lugar. Mas aí de quem mexe com Santa, pois Santa não é de se beijar nem de conseguir perdoar. Santa é do pau oco e não foi feita para se quebrar. Santa corta a cabeça de quem for, por amor ou por falta de amor, no toco que fica lá no alto do morro do boi da cara branca. O que dá na cabeça de Santa ela faz sem pensar no que será que devia ter feito. Para Santa tudo tem jeito, o seu jeito. Vive de ajeito e quebra o mundo no seu peito. Santa tem tanta cicatriz e jura que nunca foi feliz. É de comer prato cheio e de não fazer volteio. Com ela nada é por um triz; Ou é ou não é assim que se diz. Santa não aceita flores e não gosta de vela, prefere o escuro e dois dedos daquela que lhe faz ainda mais Santa. Santa fala alto e firme como rei. É a lei do alto do morro do boi da cara branca que quando escuta Santa até se levanta. Santa espanta. Santa espanca. Santa impõe respeito com sua anca. Santa rebola e dá o que quer. Santa deita como homem e rola como mulher.


Comentar Seja o primeiro a comentar

05/06/2015 - O choro de São José

Cruza pelo sertão de deus do céu
Uma procissão sem vela nem véu
De pé, de jegue, de pau-de-arara
Uma gente de fé que não se para
Que segue adiante no rompante
Da esperança de dias melhores
Ore por essa gente destemida
Que segue sem salário nem teto
Mas de peito totalmente aberto
À vida, à vida, à vida. A vida
Há de brotar e vingar noutro lugar
Brotar como rama de macaxeira
Vingar como folha de mandacaru
Hoje o coração sem eira nem beira ...
continuar a ler


Comentários (1)

04/06/2015 - Saia em desapego

Saia pelo dia sem levar nada. Saia pela estrada do dia deixando tudo o que não quer mais pelo caminho. Saia sem destino, sem mapa, sem bússola. Saia sem rumo. Saia andando para dentro de você. Saia se perguntando e se desapegando automaticamente do que você não usa mais, do que não lhe diz mais nada. Saia se livrando de todo peso extra. Saia deixando pelo caminho o que precisa ficar para trás. Saia deixando partes, pedaços, estilhaços. Saia se libertando de palavras vencidas, de passagens doloridas, de eternas despedidas. Saia deixando o para sempre como semente pelo estradão.


Comentar Seja o primeiro a comentar

04/06/2015 - Lavoura do dia

Sol nasceu, esquentou
Dia cresceu, lua virou
Pássaro caiu no céu
Noiva em lua de mel
Perdeu o buquê, rasgou o véu
Lavrador gritou, festejou
Sementeira brotou
Safra boa vem aí
Painço, girassol, alpiste
Alegria de bem te vi
Sol arrebentou, inundou
Mundo que cantou
Não querer mundo triste


Comentários (1)

03/06/2015 - No estradão tem...

No estradão
Tem formiga
Corta-folha
Corda de violão
Tem liga e viga
Bolha e rolha
Arte e garrafa
Parte de tarrafa
Tem linha e caco
Sal e tabaco
Pau de canela
Resto de vela
E até chinela
No estradão
Tem pedregulho
Muito entulho
Mola de colchão
Ovo de lagartixa
Chave e lixa
Mato de beira
Flor que cheira
Asa de borboleta
Mil sementes
Cova rente...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

03/06/2015 - Julião e Indaiá

Lá no chapadão, cravado na pedra, está o amor entre o pássaro Julião e a ave Indaiá. O que será que isso vai dar? Julião é pássaro vivido, mas até conhecer Indaiá andava entristecido, até voava com outras pássaras, mas sempre voltava à solidão na sombra da sua fenda. Indaiá, ave prendada, que faz renda e se rende às lendas da noite enluarada. Já se apaixonou pelo sabiá que a deixou a deus dará. Já se enredou pelo curió que lhe largou num estado de fazer dó. Já se aproximou do canário que gostava mesmo de cantar lá pelas bandas do balneário. E agora Julião? O que será Indaiá? Julião voa ligeiro, é todo fagueiro, não suportaria ser trancado num viveiro e gosta de comer o que sai do formigueiro. Indaiá nasceu num pé de jatobá, adora bicar ingá, tem pontos grená e canta sempre puxando pro lá. É um casal bonito de se admirar, mas ninguém sabe o quanto isso vai durar. Indaiá não quer se machucar. Julião já cansou de chorar. Os dois são do ar, mas também são de se desencontrar. A fenda de Julião é estreita. Na fenda de Indaiá só ela se deita. E os dois ficam a se empoleirar pelas pedras, o conjunto de asas chega enverga, ficam a se bicar sem medo da queda. O amor cega e mesmo assim não sossega.


Comentários (1)

02/06/2015 - Pontualidade

Sou pontual
Eu não atraso minhas paixões
Dou corda nos meus corações
Etcetera e tal
Meu amor me desperta e acerta
Meus ponteiros
Não sou prisioneiro
Do tempo
Nem aprisiono
Sentimento
Eu não sou dono
Das horas
Não perco o sono
Lá fora
Correndo atrás
Do tempo voraz
Seja noite seja dia
Minha poesia
Vai de guia


Comentar Seja o primeiro a comentar

02/06/2015 - Deixa falar

Tira o cadeado da boca. Fala sem medo de errar ou de se condenar. Dê alforria à língua. Deixa falar. Deixa o sentimento vazar. Desata esses nós da garganta. Destrava os dentes. Chega de emudecer suas verdades. Basta de calar suas vontades. Deixa falar. O coração quer dizer. Fala, fala, fala de amor sem se arrepender. Não vai doer. Palavras não podem ser esquecidas antes de nascer. É direito de toda palavra ser dita, ser escrita, ser ouvida, ser tateada ao menos uma vez. Temos de palavrear. Deixa falar. Deixa cantar. Tira o cadeado da boca. Beija. Verse. Palavreie. Com palavras, presenteie. Sua alma precisa se expressar no a e i o u. Fique nu com suas palavras. Sorri por ser palavra. Crava suas letras em outros corpos ou as jogue ao vento. O importante é deixar fluir. Deixa falar.


Comentar Seja o primeiro a comentar

01/06/2015 - A falta do que não se sabe

Mesmo tendo aos pés o vasto mundo
Muitos reis ainda se sentem vira-latas
Às vezes temos tanto e temos tudo
Mas a sensação de que algo nos falta
De que ainda não estamos satisfeitos
É o que azeda o tal prato da existência
É o que desandará o ponto do perfeito
Essa incompreensão é o maior defeito
E essa gula pelo que nem se sabe o que
É a mais pesada das nossas penitências
É como se a incompletude do nosso existir
No ir e vir marcasse sempre sua presença...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

01/06/2015 - Cadê o tempo?

Cadê meu amor o tempo que estava aqui? Cansou de esperar e se foi num pé de vento? Tomou chá de sumiço, indo-se embora como que por obra de feitiço? Cadê, cadê o tempo que não deixou rastro? E eu pensei que o tempo tinha comigo algum lastro. Imaginei que iria me esperar, mas o tempo, meu amor, foi ter com outro. O tempo virou mundo. O tempo fechou a porta. O tempo deu pra bater noutro lugar. Cadê meu amor o meu tempo, o seu tempo, o nosso tempo de ficar juntos? O tempo tomou rumo, nem olhou pra trás. E olha que a gente carregou esse tempo nos ombros como quem carrega um andor. Pensamos que o tempo era santo, mas até o tempo botou quebranto no nosso amor. O tempo se enciumou e nem acenou adeus. O tempo se zangou e se enfiou no breu. O tempo nem avisou apenas se levantou de nós e ganhou chão a sós.


Comentar Seja o primeiro a comentar

Primeira   Anterior   2  3  4  5  6