Daniel Campos

Prosas

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17/08/2015 - Carne de cajá

Minha alma anda amarelo cajá como peito de sabiá. Meus braços têm traços de todos os espinhos que enfrentei para chegar às rosas que tanto beijei. Eu ando rico de natureza, pois todas as forças andam confluindo em mim de um jeito pra lá de tupiniquim. E eu, como passarim, esqueci do meu peso físico e cármico e voei longe, voei alto, voei pros braços de quem me chamou de seu. Por Deus, que as estrelas se apaguem todas de uma vez para que eu não ache o caminho de volta e fique perdido nesse amor doído. Deve estar inscrito em alguma escritura esquecida que amor que não dói não é amor. Minha alma anda ensolarada, guardado todo o seu exotismo, como carne de cajá. Quem há de ter coragem de provar? Que venha logo, que venha logo, pois se pode acabar.


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24/07/2008 - Carne e espírito

Amor! Ah, o amor! O amor é a tatuagem que ocupa toda a extensão da pele e nunca cicatriza. Mais do que uma palavra, do que uma expressão, do que um verbo... Amor é uma identidade viva. Amor é o vir e o se unir e o lutar e o gozar e o sorrir. Amor é compartilhar de um mesmo projeto por mais diferente que sejam as duas criaturas amadas. Amor é se aproximar de quem você confia. Amor é a construção de um caminho, antes de tudo, coletivo. Amor é um caminhar junto. Amor é um sonhar junto. Amor é um fazer junto. ...
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20/08/2013 - Carnívoro

Carne de sol. Carne de panela. Carne frita. Carne seca. Carne serenada. Carne salgada. Carne cozida. Carne acebolada. Carne desfiada. Carne vermelha. Carne com molho. Carne vermelha, branca, rosa... Carne apimentada. Carne apaixonada. Carne argentina. Carne empanada. Carne crocante. Carne de cheiro. Carne fresca. Carne no prato. Carne na grelha. Carne de traseiro. Carne de novilha ou de garrote. Carne louca. Carne na vitrine. Carne de mistura. Carne prensada. Carne do último corte.

Carne marcada. Carne de avó. Carne gourmet. Carne caipira. Carne que cacareja, que muge, que grunhe. Carne com salada. Carne no alho. Carne que chora. Carne maturada. Carne embalada. Carne recheada. Carne de ponta de faca. Carne ao ponto. Carne com alecrim, manjericão, orégano... Carne picadinha. Carne espetada. Carne de bandeja. Carne com batata. Carne atolada. Carne com gordurinha. Carne no vinho. Carne na brasa. Carne marinada. Carne enjoada. Carne de caça. Carne de caçador ou caçadora...


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07/08/2010 - Caro Adoniran,

Caro Adoniran,

Por causa do Trem das Onze você não pode ficar um pouco mais com a gente. E eu sinto até hoje por isso, pois muito tempo se vai desde o último Samba no Bexiga; Muito tempo se vai sem você. Você que me fez companhia na casa do Arnesto outro dia e que chorou comigo a poesia da Saudosa Maloca. Quantas as histórias vividas No Morro da Casa Verde, No Morro do Piolho, na Vila Esperança. Você se foi e se tornou uma espécie de cupido que fez do meu peito Tiro ao Álvaro. Ah! Como num Samba Italiano vivo apaixonado. ...
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18/03/2013 - Caro corretor

Corretor, quero uma casa onde chova dia sim dia não. Corretor, quero uma casa sem vizinhos. Corretor, quero uma casa numa cidade perdida ou proibida. Corretor, quero uma casa com perfume de mato verde. Corretor, quero uma casa aonde o vento chegue sem empecilhos. Corretor, quero uma casa com assentamentos para os meus orixás. Corretor, quero uma casa camaleoa, que mude de cor pra afastar o tédio. Corretor, quero uma casa com bailarinas e astronautas. Corretor, quero uma casa com pé de jabuticaba, manga, goiaba, abacate......
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17/04/2011 - Carrego

Eu carrego essa mulher comigo. Carrego-a nos meus ombros, no meu peito, nos meus braços, nas minhas lembranças, nos meus projetos e em cada uma das minhas células. Eu a carrego como um escudo, como uma arma, como uma santa. Carrego-a como um medicamento controlado, como um enxerto, como uma máxima. Eu a carrego como uma medalha, como um amuleto, como uma oração. Carrego-a a carrego como uma marca, uma tatuagem, uma aliança. Eu a carrego como uma linha do destino, como uma imagem em movimento, como um pedaço do meu corpo, do meu íntimo, da minha personalidade. ...
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24/03/2015 - Carriola de sonhos

Há quem cate laranja, papelão, algodão... Eu cato sonhos... Vou pelas ruas da poesia catando sonhos esquecidos ou abandonados... Ora empurrando ora puxando vou levando minha carriola onde deposito os sonhos que encontro... Muitos chamam essa carriola de coração, pra mim é um carrinho de mão cheio de sonhos que levo pra cima e pra baixo... Vou catando sonhos como quem cata moedas, parafusos, figurinhas... Levo sonhos meus e sonhos alheios, que passam a ser meus... Adoto sonhos de rua como quem adota cachorros ou gatos vira-latas... No final das contas, é como se tivessem nascidos de mim... Sonhos possíveis e impossíveis se misturam na minha carriola... Há sonhos de todos os tamanhos e intensidades... Sonhos de amor, de felicidade, de saúde, de paz, de prosperidade, de encontros e reencontros... Sonhos para muito mais do que uma vida inteira... Sonhos que precisam de cuidados, de serem alimentados, de serem colocados em terreno fértil... E nessa minha carriola, que muitos chamam de coração, todo sonho pega, vinga, viça... Não me importo com o que dizem, mas com o que sinto... E me sinto pai de cada um desses sonhos que seguem comigo... Já viu aqueles andarilhos que empurram seus carrinhos cercados por cachorros que vão latindo, brincando, festejando... Pois bem, vou empurrando a minha carriola repleta de sonhos, que quando estão prestes a se realizar vão fazendo festa abrindo e dando segurança e significado ao meu caminho... Um caminho de sonhos... Vim de um sonho e vou ao encontro de outros sonhos...


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07/06/2015 - Carrossel do tempo

Meu pai, ô meu pai, hoje é domingo, leva-me para comer coxinha no bar do Mané. Vamos comprar quadrinhos do Tio Patinhas na banca do João. Que tal um passeio de bicicleta pelas voltas do zerão? Hoje é domingo, vamos para o sítio dar de comer aos cachorros. Apresse-se porque tudo tem de ser feito antes do macarrão da dona Ofélia ou você prefere a polenta da dona Adélia? Vamos, vamos, vamos comprar manteiga de leite no Mercadão, assistir a largada da Fórmula-1, ouvir Chico Buarque e outros bambas. Não se esqueça de ler meu novo artigo no O Impacto. Preste atenção, pois Kika está querendo mais um pedaço de pão com margarina ou requeijão. Seu Antônio quer nos contar sua última caçada em busca do lagarto e Seu Líbio mais uma de assombração. Vamos jogar sacolas de pão pros peixes do lago. Pegue as varas, os anzóis e o enxadão, pois dona Etelvina se arrumou toda para pescar lambari. Quais filmes você locou? Não durma demais na caminha de dona Zefa, pois Danilo quer lhe desafiar para uma pelada. Dribla pra lá e pra cá, olha o gol. Já botou pilhas novas no radinho para ouvir grudado no alambrado as jogadas de Rivaldo, Leto e Válber. Roda, roda, roda no carrossel caipira e deixa a gira do tempo lhe levar.


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Carta à procura da felicidade

Pode falar e re-falar. Não me convence quando se diz feliz. Se o for, seu conceito de felicidade é tão restrito quanto seus argumentos. Tudo bem que não queira admitir, mas se enganar faz mal. Mal à saúde física e psíquica. A felicidade não se traduz numa vida mesquinha, àquela que parece perfeita. A felicidade feita só de risos é tão frágil que chega a inexistir. Sorrisos ásperos, amargos, ensaiados não me convencem. A felicidade sofre, chora e suplica como qualquer mortal. A felicidade não é uma deusa, uma santa ou qualquer outro ser mítico. A felicidade é humana. E todos os humanos são feitos de sofrimento. A felicidade é uma dádiva de poucos momentos. Momentos em que somos feitos de um sentimento bruto. E sorrisos não são as únicas formas desse sentimento escorrer. ...
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11/05/2008 - Carta a uma menina

Cara menina Isabella,

Hoje, mais do que qualquer outro dia, você deve sentir vontade de abraçar e ser abraçada. Sentir desejo de dizer "eu te amo" para alguém e ficar junto e se sentir protegida. Não sei o que lhe dói mais: se as marcas de mãos feitas no seu pescoço por aquela mulher que se dizia sua mãe ou o choro quieto de sua mãe? Embora existam centenas de anjos ao seu lado, meninos e meninas mortos pelos próprios pais ou por alguém próximo, a solidão deve arder seu pequeno coração. E sua mãe não está perto, o quão perto gostaria, para soprar esse ardor. Deve ser difícil entender....
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