Daniel Campos

Prosas

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02/02/2014 - Estetoscópio

O som daquela tosse encorpada tomou rapidamente conta do consultório. Uma tosse maior do que o próprio corpo que a trazia. E ele, o médico, bonitinho, mas ordinário, quis ouvir mais não daquela tosse, mais daquele corpo. Sim, queria ouvir tudo o que aquele corpo tenro queria dizer. Vasculhou cada centímetro daquela pele quente com seu estetoscópio. Todo seu eu depositado naquele instrumento que bailava por aquelas costas que se deitavam como mar aberto. E ele ouviu sons nunca dantes ouvidos. Sons que faziam seu jaleco branco ruborizar. ...
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07/09/2014 - Estiagem

Que venha a chuva, pois os corações estão mais áridos a cada dia. Os veios de dor expostos, trincados, assolados. Os cardumes da esperança foram drástica, impiedosa e praticamente dizimados por essa seca. Não sei por quantos dias os cilos onde estoquei minhas fantasias hão de aguentar alimentar a fome de quem ama. Nem o amor mais sertanejo conseguiu passar incólume por essa investida do tempo. Que venham os relâmpagos iluminar os olhos da mulher que se torna mais e mais estiagem. Que venham os trovões romper o silêncio seco que impregna nos leitos dessa mulher que corre em silêncio. Que venham os pingos preencherem a solidão que racha o peito dessa mulher. Que a chuva possa trazer mais do que consolo, possa trazer renovação de ânimos, vontades, desejos. Que a chuva possa movimentar as pedras do moinho interior dessa mulher. Que a chuva possa fazer brotar nela o que murchou, secou, tombou... Que a chuva traga suas pinceladas de cor devolvendo o brilho e o viço ao sentimento que sofre com a secura generalizada. Nem que for preciso que minha poesia cigarra exploda de tanto cantar, mas que ela traga chuva para esses terrenos já tão doloridos e desesperadores. Se ao menos as lágrimas fossem doces haveria alguma certeza para as sementeiras de sonhos lançadas por um poeta ao vento abrasador que de tão duro nem assovia mais.


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06/02/2011 - Estorieta

As matilhas dos seus olhos vão me caçando milhas e milhas ao sul. Vamos correndo, se escondendo e se vendo como amor proibido do primogênito do sol com as filhas da lua azul. E no peito da gata blue um coração movido a pilha palpita, grita, triplica a emoção de um blues .

E pela trilha das ervilhas e tortilhas tudo se transforma em canção. Na canção de redondilhas que ganha o céu a partir do uivo dos lobos que a habitam, a incitam e volitam seus desejos de mulher numa partilha de pétalas carnívoras de bem ou mal me quer. ...
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26/12/2009 - Estou

Estou em casa, estou no ar, estou no seu plexo solar. Estou na torneira, estou na nuvem e na ribanceira. Estou na roupa, estou na janela, estou na sua boca. Estou no jardim, estou no agito, estou na bala de festim. Estou no gargalo, estou no papel, estou pra lá do seu céu. Estou no buraco, estou no papo, estou no fato. Estou na pergunta, estou na garganta, estou aos pés da santa. Estou no chafariz, estou na ponta, estou no desejo de lhe ver feliz. Estou na enciclopédia, estou na monotonia, estou na sua tragédia. ...
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29/07/2016 - Estou aqui meu amor

Estou aqui para sentir as suas dores, hoje e sempre. Estou aqui para te dar colo, carinho e conforto eternamente. Estou aqui para ser sua fortaleza, suas raízes, suas nuvens. Estou aqui para cuidar de você de uma forma que ninguém nunca cuidou, com o coração exposto e um sorriso no rosto. Estou aqui para te fazer feliz, te fazer amada, te fazer a mulher mais especial do planeta. Estou aqui para ser seu a cada milionésimo de segundo. Estou aqui para fazer da sua manhã, da sua tarde, da sua noite, da sua madrugada... uma mais perfeita que a outra. Estou aqui para ir além de qualquer limite, para transpor qualquer obstáculo com você, para caminhar, voar, mergulhar, saltar ao seu lado... e para te levar no colo se preciso for. Estou aqui para te mimar, te adorar, te amar num prazer absoluto. Estou aqui para te dar meus braços, minhas pernas, meus olhos e o que mais precisar. Estou aqui para te fazer comidinhas, chazinhos, massagens e carinhos diretos da minha imaginação. Estou aqui pintado para o amor ou para a guerra, pois te amo e te defendo, e te protejo, e te cuido com a minha própria vida. Estou aqui, meu grande amor, para viver por você.


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05/11/2009 - Estou em Dubrovnik

Não vou nem para Maracangalha nem para a Tonga da Mironga do Kabuletê, mas para Dubrovnik. Com poesias feitas e por fazer na bagagem, vou à terra de grandes dramaturgos e poetas barrocos. Fui atraído pelo mistério, pela fonética, pela dramaticidade em torno do nome Dubrovnik, e também por causa das imponentes muralhas, da arquitetura com traços medievais e renascentistas, da vista para o Mar Adriático e do café de Dubrovnik.

Eu vou para a pérola do Adriático, para a cidade balneário, para a capital do condado de Dubrovnik-Neretva, enfim, vou para uma cidade costeira da Croácia. Vou me infiltrar nas histórias e lendas que alimentam seus quase 45 mil habitantes. Quero sentir o cheiro do Império Bizantino e os sons das Cruzadas que fizeram o lugar ser dominado pelas mãos da Itália, da Hungria, da Áustria, da Iugoslávia, da Alemanha, de Napoleão e da Croácia. São muitas Europas em um só lugar repleto de desníveis rochosos, ruas estreitas e muitos degraus. ...
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12/08/2011 - Estouros

Do silêncio mais fundo que há no mundo o amor estourou como bomba de Hiroshima, como bolha de sabão, como flor de São de João. Estourou feito balão em festa de criança, feito sorriso na boca de palhaço, feito bolha na mão de lavrador. Estourou num atestado de instabilidade, de desequilíbrio, de volatilidade. Porque não pode mais conter, estourou. Estourou o cano, estourou o cheque especial, estourou os pontos e estourou o grito de carnaval. Estou a guerra, a crise e o inferno astral. Estourou sem ontem nem amanhã estourou carpe diem como bolsa de grávida. ...
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09/04/2016 - Estrada cigana

A minha estrada é rosa, azul e grená. Se ocê, bem cê, tiver o passo leve e doce, pode passar por cá. Tem sonho, esperança e desejo por todo canto, magia não vai te faltar. Só não venha com pé pesado pra desmanchar o encanto que há. A minha estrada é o acalanto, o meu lugar. Sou cigano e minha sina é caminhar. Sai ano entra ano e eu continuo a girar. O meu corpo é a agulha, a minha alma a linha e a minha estrada o linho. Borda, poeta borda o coração da menina... A minha estrada de amoração transborda e não termina. Na minha picada tem fogueira, dança, encontro e solidão. Abro caminhos que fogem da minha imaginação. Sou cigano de acertos e de enganos, e passo como as mãos apaixonadas passam pelas notas de um piano. A minha jornada é de sol e enluarada, se ocê, bem cê, tiver o passo firme de um sabiá, pode passar por cá. O meu lugar pode ser o seu despertar.


Comentários (1)

24/12/2014 - Estrada de dentro

As estradas, mesmo estando no mesmo lugar, não são mais as mesmas. Estão mudadas embora nunca se mudaram de onde sempre as encontrei. Mas desde que aquele senhor de longos cabelos brancos e passos firmes chamado Tempo passou por ela nada mais foi igual como era antes. Mais do que ganhar, as estradas perderam cores, mistérios, sabores, perfumes... É como se houvesse um vazio permanente e crescente ao decorrer da caminhada e a passada o conduzisse para uma espécie de buraco negro, sem luz e gravidade. Embora haja um chão sobre os pés, a sensação é de estar em constante queda livre. Para muitos, trata-se de loucura, de insensatez, de embriaguez... Para mim, um atestado de saudade.


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21/05/2010 - Estradeando

Ao longo do dia, das vinte e quatro horas do dia, quantas estradas se abrem diante de você? Se sua resposta por “nenhuma” ou “apenas uma”, mude urgentemente a forma como enxerga o mundo ao seu redor. Afinal, essas estradas que surgem em seu dia-a-dia são milagres que, na maioria das vezes, passam despercebidos diante de seus olhos e passos. Confesse! Quantas novas estradas você já deixou de desbravar por medo? Quantas estradas você não percorreu por puro comodismo? Quantas estradas você fingiu que não viu só para continuar reclamando da falta de sorte? Quantas estradas, quantas?...
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